Nascido na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, em 1985, Alexandre Peralta primeiro ingressou na faculdade de Propaganda e Marketing, quando já morava na capital do estado, para só depois de formado ir atrás do seu verdadeiro sonho. E quando se deu conta que o Cinema estava, de fato, no seu futuro, decidiu se mudar mais uma vez, agora para Los Angeles, nos Estados Unidos, para fazer o Mestrado na USC – University of Southern California. Sua tese de final de curso foi justamente um curta chamado Looking at the Stars, ou, em bom e belo português, Olhando para as Estrelas. Premiado em diversos festivais, essa experiência o motivou a ir além, e é com Olhando para as Estrelas, uma ampliação deste primeiro projeto, que ele, agora, estreia como realizador em longa-metragem. O filme foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2016 e circulou o mundo desde então, até, finalmente, estrear no circuito nacional. Aproveitando esta oportunidade, fomos conversar com o diretor para descobrir um pouco mais sobre esse projeto. Confira!
Antes de mais nada: Alexandre, você pratica balé? Qual sua relação com a dança?
Não, nem perto disso (risos). Eu caí nessa história por puro acaso, podemos dizer. Quer dizer, já fiz dança de salão, durante um ano e meio da minha vida, e era algo que gostava muito, ainda que fosse apenas um hobby, um passatempo. Nunca pensei, seriamente, em seguir uma carreira na dança. Mas não foi isso, claro, que despertou a minha atenção por este projeto. Meu envolvimento teve início mais como uma curiosidade, percebi que tinha algo ali e resolvi olhar mais de perto. E assim nasceu o filme. Ou melhor, os filmes.
Como você tomou conhecimento da escola da Fernanda Bianchini?
Pois então, eu estava no último ano de faculdade, estudando Propaganda e Marketing, em São Paulo. Foi quando uma amiga leu uma matéria a respeito da escola, do fato dela ser a única em todo o mundo que atendia meninas cegas que queriam dançar, em como o trabalho dela, da Fernanda, era diferenciado. Quando essa colega comentou essa história comigo, logo me deu um estalo. Foi aquela coisa: “Vamos fazer um filme?” Por coincidência, eu morava a apenas duas quadras de distância da escola, passava todo dia na frente, e nunca havia me dado conta da existência dela. Então foi fácil nos aproximar, falar para elas desse nosso interesse. Mas foi algo que ficou meio morto, deixado de lado. Quer dizer, estava ali, em um canto da minha mente, quem sabe para quando eu estivesse pronto. E isso só foi acontecer cinco anos depois, quando estava terminando o mestrado em Cinema, nos Estados Unidos.
Olhando para as Estrelas nasceu primeiro como um curta, é isso?
Exatamente. Depois que me formei em Propaganda, me dei conta que não era aquilo eu queria para a minha vida. Daí fui estudar cinema, em Los Angeles, e me apaixonei por documentário, mas estava me focando na edição. Queria ser editor, montei diversos trabalhos para colegas meus. Mas tinha essa ideia que não me deixava em paz. Até que decidi: que tal voltar para aquele projeto? Foi quando decidi visitar a escola, bater na porta e me apresentar. O resultado desse primeiro contato foi o curta, que foi meu trabalho de tese de mestrado. Foi um bom exercício, pois me ajudou a descobrir como contar essa história. Mas era só o começo, pois nele o foco era somente a Geyza. Tudo foi crescer com a chegada do longa.
Pois então, essa é a minha próxima pergunta. Durante a narrativa do filme, você decide acompanhar a trajetória de duas dessas alunas: a Geyza e a Thalia. O que elas tem de especial?
Então, nem eu sei dizer, pra ser sincero. Foi uma questão de afinidade, algo natural que foi surgindo. Já sabia que queria contar a história da instituição, mas através dos personagens. Poderia, é claro, ser pela Fernanda, pois é fascinante o que ela faz. Mas seria muito institucional, e me pareceu mais importante acompanhar algumas dessas histórias individuais. Foi destes encontros que surgiu esse senso de maior importância para todo o projeto que elas carregam, entende? A primeira vez em que fui na associação, estava só com uma câmera, e nem cheguei a usá-la. Era só uma pesquisa. Fiquei duas semanas assim, só assistindo os exercícios delas, conversando com as meninas. O lugar é super procurado, todo mundo vai gravar lá, sempre tem alguém, principalmente às sextas-feiras, que é, praticamente, o dia oficial das gravações. E o mais curioso: todo mundo quer falar com a Geyza. Até pensei: vou fazer algo diferente, então. Mas não tinha como. Ela é, de fato, fantástica.
Como as meninas receberam a notícia de que haveria um filme sobre elas?
Isso acabou nunca acontecendo. Pois, como te disse, começamos de um modo super despretensioso, como um trabalho de faculdade. A mudança de um curta para o longa foi bem natural. Não foi algo do tipo “hoje vamos começar a gravar o filme”. Apenas decidimos continuar gravando. E tudo isso porque fazia sentido contar uma história mais longa. A reação maior, claro, veio depois, com o filme pronto. Apesar de cegas, elas assistiram ao filme, pois nossas exibições são equipadas com sistema de audiodescrição. Então, elas puderam aproveitar ele por completo. E não faria sentido se fosse diferente. Era muito importante para nós que elas tivessem esse acesso, e não só quando há texto na tela – até na parte da dança, elas realmente sentem o filme. E ficaram super emocionadas. Aliás, todo mundo, né? A Fernanda é uma que saia do filme chorando, sempre. Foi um processo longo, mas muito compensador. Durante grande parte desse tempo, nem sabia o que esperar. Por isso, até hoje, temos muito o que agradecer.
Uma dúvida: não há rapazes cegos estudando balé?
Então. Há, claro. Mas são muito poucos. Na época, quando começamos a acompanhar a rotina da escola, tinha um só. E ele ia, mas não era muito presente. Ele até aparece no começo do filme, mas não era frequente. Preciso confessar que não é muito comum, infelizmente. Se a deficiência visual já carrega uma grande dose de preconceito, o balé tem é uma dança que tem sua carga de rejeição, principalmente por parte dos meninos. Há alguns que dançam, e que estão no filme, mas esses enxergam. Agora, no entanto, é diferente, tem mais, pois a escola cresceu muito. Começamos a filmar em dezembro de 2015, e na época eram apenas 80 alunos. Quando terminamos, já eram 150. Agora são mais de 300. Isso é muito legal.
A escola de dança da Fernanda Bianchini ficou conhecida pelas dançarinas cegas, mas também atende portadores de outras deficiências, não?
A gente mostra algumas delas, em alguns pontos, mas não era, mesmo, o nosso foco. Há alunos cadeirantes, outros que dependem de cães-guia, por exemplo, e todas estão no palco, se apresentando, dançando. É muito bonito. Mas a gente precisava centrar nossa atenção, e foi na vivência da Geyza e da Thalia, nestas duas alunas e em tudo que passava por elas, não só na dança, mas em suas vidas, também. Não poderíamos fugir muito disso, porque acabaríamos nos afastando da proposta inicial. Era preciso deixar a história mais clara.
Olhando para as Estrelas é mais do que um olhar sobre uma inusitada escola de balé para cegos – é uma análise da condição dos deficientes visuais no Brasil. Era essa, também, a sua intenção?
Era, também, claro. Com certeza, era algo que pensávamos. Até por quê, ao acompanhar essas meninas, não teria como fugir disso. Estávamos ao lado delas dentro e fora da escola de balé. Mas tudo isso era uma consequência. A história da Thalia, por exemplo, me pegou de surpresa. Um dia fomos com ela até o colégio onde estudava, e levamos um choque ao descobrir o quanto ela era excluída. Pela própria turma, por seus colegas de classe. Então, a barreira é muito grande. Ou seja, foi assim que tudo aconteceu, aos poucos, e ao acaso. Não era muito essa ideia, necessariamente. Nossa vontade era fazer um filme honesto, sobre essas pessoas.
Você fala que se surpreendeu com a Thalia, mas e com a Geyza? Ela, ao menos para os olhos do espectador, é a grande protagonista, não?
Não, é claro, você está certo. A Thalia tinha esse lance de ser excluída na escola, que eu achava importante abordar. Foi o mesmo esquema da escola de dança, nós fomos gravar na sala de aula dela quietos, num canto, quase sem chamar a atenção, para tentar descobrir por que as coisas são assim. No balé, por exemplo, ela tá muito mais à vontade. Já a Geyza é uma caixinha de surpresas (risos), por isso que nem mencionei. Sempre tinha algo novo com ela. Nossa proximidade era tão grande que acabamos ficando super amigos, construímos uma relação muito forte. Há pouco ela nos deu um baita susto, pois pegou meningite de novo, minha esposa foi até passar um tempo no hospital com ela, estávamos todos muito preocupados. Felizmente, já saiu, tá melhorando agora. As duas seguem dançando, o que é muito bacana. Elas se formaram, a Thalia está estudando Direito, a Geyza tá agora voltando, aos poucos.
O filme foi exibido na Mostra SP 2016 e circulou o mundo desde então. Como tem sido a repercussão no Brasil e no exterior?
Engraçado, isso. É algo que percebemos, pois independente de onde estivéssemos, as reações eram sempre bem parecidas. Não senti uma diferença muito grande. Em qualquer lugar onde fomos, a emoção era sempre muito grande. O filme tem esse apelo universal. A Geyza, quando vai junto, por exemplo, todo mundo quer falar com ela. Há pouco estivemos em Nova York, em uma exibição do filme, e ela era tratada como celebridade. Foi muito bonito. Só que não eram muitos parabéns, e sim mais depoimentos, algo do tipo “passei por isso também”. Cada lugar tem a sua diferença, mas as dificuldades, as necessidades de mudanças, essas são sempre iguais. Acho que era essa ideia, criar um filme universal.
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em Novembro de 2017)
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