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Um dos mais requisitados diretores de fotografia do Brasil. Cineasta. Se formos contar apenas os longas-metragens em que Walter Carvalho trabalhou, o montante beira os 100 exemplares. Mas, ele próprio não gosta de fazer contas. Walter aprecia, mesmo, é estar no set de filmagem, imaginando os planos, criando uma espécie de alquimia muito particular cujo ingrediente principal é a luz. A necessidade fez o fotógrafo/câmera tornar-se diretor, experimentar outras possibilidades e perspectivas. Levado ao ofício pelo irmão e também cineasta Vladimir Carvalho, pai do igualmente fotógrafo Lula Carvalho, Walter está prestes a lançar seu mais novo longa-metragem autoral, Um Filme de Cinema (2015). Neste bate-papo inédito e exclusivo, o profissional discorre acerca de suas paixões dentro da seara cinematográfica, expõe suas motivações para continuar mergulhando fundo na linguagem dessa arte tão misteriosa quanto inebriante e comenta o processo do longa que chega no próximo dia 24 de agosto aos cinemas. Confira!

 

Ao subir no palco do Cine Ceará, você falou que “sofria” uma homenagem. Como é isso?
Receber homenagens é sempre um cafuné, uma massagem no ego. Mas, tem algumas coisas a serem levadas em consideração. Ninguém te faz homenagens quando você realizou o primeiro filme, só quando passa dos 50. Não deixo contar quantos eu fiz (risos), mas seguramente esse número já está próximo de 100. Ser homenageado aumenta a sua responsabilidade. Quando o Vladimir Carvalho me convidou para fazer o primeiro filme da minha vida, eu não sabia o que estava fazendo, basicamente. Não sabia filmar. Ele falou “faz, porque você é meu irmão, mas conta para ninguém” (risos). E, já por esse trabalho, ganhei um prêmio. Ali eu entendi que tinha de provar. Desde então venho tentando provar para mim mesmo que sei fazer aquilo. O próximo filme é sempre o mais difícil, pois não sei qual caminho tomar. Uma homenagem é terrível porque ela tem vários vieses. É muito prazeroso, você se sente prestigiado, distinguido, é uma coisa bacana, mas aumenta a responsabilidade.

 

Lembrei-me do Dib Lutfi, outro fotógrafo com uma carreira brilhante, como a tua, e que também foi levado ao cinema pelo irmão. Você chegou a trabalhar com o Dib?
No começo eu perguntava para ele onde deveria posicionar a câmera, como fazia determinado movimento, enfim, era uma pessoa que eu consultava. Quando recebi a homenagem num festival em Vancouver, no Canadá, o Canal Brasil fez um filminho com um resumo da minha carreira. Nesse vídeo, ao falar de mim, o Dib começou a se emocionar e chorou. Acho lindo aquilo. O Dib não tinha formação acadêmica de fotógrafo, mas ele sabia se virar, foi aprendendo com o atrito, um pouco como eu também, embora eu tenha estudado fotografia. Então, ele me deu muitas dicas. Até porque quando garoto você quer fazer tudo com a fotografia. Agora é o contrário, pois quero fazer nada com a fotografia , acho que ela tem de passar quase despercebida.

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Essa é principal mudança entre o começo da sua carreira e agora?
Sim, com certeza. Hoje existe a tecnologia extraordinária dos dispositivos eletrônicos, digitais. Em determinadas experiências ela acaba mandando na linguagem.  Acredito que tem de ser exatamente o contrário, às vezes é necessário matar a tecnologia, trabalhando na contramão dela, subvertendo seus padrões para sacudir a linguagem. Tive um professor de fotografia na faculdade – me formei em desenho industrial –, o Roberto Maia, que dizia para abandonar a tecnologia quando ela ameaça atrapalhar. Ele foi o cara que me ensinou a gostar de fotografia. Com o tempo entendi que essa arte não se aprende, se pratica. Ou você acha que o (Henri) Matisse se rendeu à qualidade das tintas? Você acredita que a forma de alterar a perspectiva de (Paul) Cézanne é porque ele estava preocupado com as tintas ou a qualidade do canva? Não. É porque eles tinham algo a dizer, gestos a manifestar. A tecnologia é uma ferramenta insuficiente. Por mais fantástica, muitas vezes é insuficiente, até porque ela é boa demais, tão boa que gera um paradoxo esquisito. Às vezes eu começo a destruir a qualidade da imagem para chegar ao lugar que não é o da perfeição. O cinema é um truque, se passa numa tela bidimensional e finita. Já a realidade é tridimensional e infinita. É uma diferença muito grande. A gente só pode representar um objeto através da linguagem.

 

Os cineastas com os quais você colabora sempre mencionam seu nome com reverência. Como se dão essas parcerias?
Eu visto a camisa, acredito naquilo. Comecei a perceber que a minha contribuição não estava só no nível da fotografia. Diretores fazem filmes a cada 3 anos, já o fotógrafo está sempre na ativa. Tenho uma questão pessoal com o plano. Você é jornalista, escreve com as palavras. A palavra no cinema é o plano. Penso diariamente no plano. Quando estou trabalhando é como se parisse uma coisa da qual não tenho muita dimensão. Compreendi melhor isso realizando Um Filme de Cinema. Indago porque um plano termina e/ou começa, quanto tempo tem um plano, por que motivo coloquei a câmera na posição A e não na B. É um exercício constante. Descobri, ao conversar com os diretores, que eu não estava mais falando apenas sobre fotografia. Aí virei diretor.

 

Então essa transição foi uma necessidade?
Foi exatamente uma necessidade. Comecei a querer dizer as coisas de outras formas. A maneira como eu trabalho acabou gerando parcerias com vários colegas, parcerias essas que se complementavam de uma colaboração à outra. Foi assim com Walter Salles, Cláudio Assis, com tantos que trabalhei. Quando a Sandra Werneck foi dirigir o Cazuza: O Tempo Não Para (2004), me ligou e disse que só aceitaria a empreitada se eu dirigisse junto, porque era um projeto muito ambicioso. E eu topei. Outra pessoa se encarregou da câmera e eu fiz a fotografia só de longe, porque ela praticamente ficou a cargo do Lula Carvalho. Na condição de diretor, comecei a ter medo. Aliás, o medo me levou a dirigir, não a certeza ou a experiência. Até porque, “a experiência é um farol voltado para trás”, como diria Pedro Nava. Você, quando começa um texto, não é igual ao que era ao iniciar o anterior…

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E há sempre o receio de que o texto não vai sair (risos)…
Comigo é a mesma coisa (risos). Ao fazer um filme, levo comigo muito mais do que eu deixo de mim. Tentei, mas nunca consegui um resultado diferente. A riqueza do que vivo na locação, com atores, diretores, a equipe, especialmente a minha equipe, é grande.  Você faz cinco filmes seguidos com alguém e essa pessoa tem um problema em casa, muda a maneira de trabalhar, porque ela não está ali, está com a cabeça nos problemas. Isso é humano. Aprendi que o cinema não é a razão da vida, a vida é a vida para além do cinema. Essa experiência do próprio processo, para mim, é o cinema. Por isso fiz Um Filme de Cinema.

 

Vamos falar sobre Um Filme de Cinema. É uma declaração de amor, certo?
Totalmente. Mas a ideia original era bem diferente, ela nasceu na minha cabeça com outra forma. Quando passei, mais ou menos, do vigésimo filme, comecei a refletir sobre os planos, que demandam esforço coletivo, mas que acabavam sendo preteridos na montagem, ou seja, ficando de fora. Pensei, então, em juntar esses planos descartados e construir um filme. Mas não deu.

 

Por quê?
Por que é impossível. Há filmes revelados e montados na Europa, nos Estados Unidos, e esse material invariavelmente acabou se perdendo, mesmo quando o processo se deu aqui no Brasil. Já o que está nas cinematecas, nem sempre o produtor está vivo para liberar. Portanto, muitos problemas tornaram o projeto impossível, inviabilizando totalmente a minha ideia inicial. Fui ficando desesperado. Reformatei o projeto, resumindo-o a duas perguntas aos diretores: porque você faz cinema? para que serve o cinema? Noutro momento, surge outra questão: para que serve o plano?

 

Imagino a amplitude desse troca.
No fim das contas, é disso que trata o cinema. Quando um diretor me pede uma coisa que não sei, nunca exponho isso, pois estou correndo risco de não descobrir algo. Com Júlio Bressane isso é típico. Eu aceito o desafio e, às vezes, o resultado não é o que ele queria e nem o que eu podia. Nasce, então, uma coisa que não sabíamos. A linguagem do cinema também é um alimento de vida. Eu durmo e como pensando nisso. Ao mesmo tempo em que você enriquece o seu trabalho com a linguagem, a linguagem te enriquece enquanto pessoa. Ao ir muito fundo nela, mas fundo, mesmo, geralmente acha um grão que vem à tona e vira vida. Se isso não ocorre, o filme não acontece.

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Levando em consideração o atual panorama do circuito comercial, com que públicos você acredita que Um Filme de Cinema vai dialogar?
A gente está muito ruim de público. Quando vejo um colega de cinema dizendo que está tudo bem, que está uma maravilha, acho estranho. Não vejo assim. Nunca vi salas tão vazias. Só os blockbuster enchem as salas. São filmes que, a mim, pelo menos, não interessam. Nosso cinema está bem ruim de bilheteria. Muitos fatores influenciam isso: a internet, a insegurança pública. O Divinas Divas (2017), por exemplo, fez 25 mil espectadores. É um filme com um público fantástico. Poderia chegar pelo menos a 100.000. Quando lembro que Raul: O Início, o Fim e o Meio (2012) teve cerca de 171.000 espectadores, tenho vontade de dar uma festa. O Um Filme de Cinema dialoga com quem estuda cinema, com os que amam cinema. Não tenho a menor esperança ou pretensão de conseguir um grande público. Estou falando de linguagem. Quem se interessa hoje por linguagem? Pouca gente. Mas, veja bem, não sou pessimista. Se fosse, montaria uma indústria, alguma outra coisa, mas não, porque vivo é de cinema.

(Entrevista concedida ao vivo em Fortaleza em agosto de 2017)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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