Nascido em 28 de setembro de 1936, no Rio de Janeiro, Domingos Oliveira foi um dos nossos cineastas que mais tempo permaneceu em atividade. Curiosamente, a sétima arte quase não o teve como um dos seus mais ilustres realizadores – ele primeiramente se formou engenheiro, para só depois abraçar a paixão pelo teatro e, posteriormente, pelo cinema. Seu primeiro longa-metragem, tido por muitos como sua obra-prima, Todas as Mulheres do Mundo (1967), arrebatou crítica e público com uma trama calcada nos diálogos, uma de suas marcas. Por essa estreia, recebeu os prêmios de Melhor Filme, Direção e Roteiro no Festival de Cinema de Brasília. E esse seria apenas o primeiro de muitos outros louros que lhe seriam dedicados ao longo de uma carreira que durou mais de cinco décadas. Presença constante no Festival de Cinema de Gramado, de lá saiu com prêmios para filmes como Amores (1998), Juventude (2008), Primeiro Dia de um Ano Qualquer (2012), Infância (2014) e, mais recentemente, BR 716 (2016). Ao falecer no dia 23 de março de 2019, aos 82 anos, Domingos Oliveira deixou uma grande lacuna na cinematografia – e na arte – nacional! Por isso, e por tudo que ele representou, dedicamos essa singela homenagem do Papo de Cinema com um mais do que especial 5+1, relembrando os cinco principais filmes desse homem múltiplo, diretor, ator, roteirista, um verdadeiro artista, além de apontar mais um que não pode ser esquecido! Confira!
Todas as Mulheres do Mundo (1967)
O amor é tema complexo. Fosse o contrário, não seria desde sempre, do Oriente ao Ocidente, o assunto preferido entre as artes. No cinema, Domingos Oliveira é o cineasta do amor. Não o do sentimento volúvel e profano, como Jean-Luc Godard, ou o do romântico, como François Truffaut, mas o amor como sentido da vida. Todas as Mulheres do Mundo é um ícone do existencialismo afetivo. Paulo (Paulo José) é um jornalista que tem no don juanismo a verdadeira ocupação. A vida de conquistador das mulheres mais bonitas do Rio de Janeiro não parece ter fim, até o momento em que surge a figura de Maria Alice (Leila Diniz). A beleza estonteante da jovem causa tamanho alvoroço no bon vivant que nem mesmo o noivado dela com Leopoldo (Ivan de Albuquerque) impede as insistentes tentativas de Paulo. Para um apaixonado, o envolvimento significa abrir mão de todas as outras mulheres – de todas as mulheres do mundo. De uma sensibilidade única, originado da relação de Domingos e Leila Diniz na vida real, o filme consiste em uma das mais tenras homenagens à condição amorosa, por vezes magnífica por vezes ingrata, a qual os namorados são obrigados a encarar. – por Willian Silveira
Edu, Coração de Ouro (1968)
Depois do excepcional Todas as Mulheres do Mundo (1967), seu filme de estreia e quiçá sua obra-prima, Domingos Oliveira retomou as parcerias com o ator Paulo José e a atriz Leila Diniz para dar sequência a uma observação bastante peculiar dos costumes da juventude sessentista, que então quebrava determinados paradigmas estabelecidos por gerações anteriores. Aqui, o espírito bon vivant do protagonista, Edu, é tipicamente brasileiro, mais especificamente carioca. Beirando os trinta anos, ele está desempregado, mora com os pais e tem verdadeira ojeriza de compromissos, sejam eles de quaisquer naturezas. Sua rotina é feita de dormir até mais tarde, passar boa parte do dia na praia – inclusive azarando as beldades de biquíni –, negando amarras. Nem mesmo o noivado é levado lá muito a sério. Edu está preocupado em viver da melhor maneira possível, gozar dos prazeres que, ele bem sabe, lhe serão gradativamente negados em função da necessidade de “crescer” e assumir uma posição no mundo enquanto adulto. Nas suas andanças, ele interage com um amigo que ameaça suicidar-se e com uma garota sexualmente desinibida. O cineasta Domingos Oliveira utiliza Edu para, não sem um tempero agridoce, dizer que melhor seria se a vida assumisse a forma de uma festa ininterrupta. – por Marcelo Müller
Amores (1998)
Explicar a trama deste filme para alguém que não assistiu é uma tarefa bem difícil. O complicado enredo foca nos conflitos entre cinco personagens: Vieira (Domingos Oliveira), sua filha Cíntia (Maria Mariana, filha do diretor na vida real), a melhor amiga Telma (Priscilla Rozenbaum, que também assina o roteiro e é esposa de Domingos), seu marido Pedro (Ricardo Kosovski) e a irmã Luiza (Clarice Niskier). Trata-se de uma história que dá muitas voltas, tem altos e baixos, separações e reconciliações. A verdadeira estrela aqui, entretanto, é a palavra. Os diálogos rápidos de Oliveira e Rozenbaum são definitivamente o charme do longa: conseguem soar, ao mesmo tempo, espontâneos e literários. Enquanto os personagens conversam sobre a vida, seus amores, xadrez, filosofia e a obra de Dostoiévski – um dos assuntos favoritos de Vieira – há um belo equilíbrio entre cinema, teatro e literatura. Sendo uma adaptação dos palcos para as telas, o filme ainda conserva algumas marcas do teatro, como alguns longos (e ótimos) monólogos; já os diálogos carregam uma naturalidade mais próxima do cinema enquanto demonstram um cuidado na escolha das palavras particular da literatura. Trazendo personagens bem construídos e humor sutil, esta é uma obra extremamente agradável, simples e encantadora na mesma medida. – por Marina Paulista
Separações (2002)
Os relacionamentos amorosos e todas as questões inerentes ao tema sempre estiveram no cerne da obra de Domingos Oliveira. Neste longa, que transpõe para as telas a peça homônima escrita pelo próprio cineasta, esta predileção é mantida ao apresentar um verdadeiro coral de personagens e suas relações. A trama possui diversas ramificações, mas o foco principal fica com Cabral – diretor de teatro e alter ego de Oliveira interpretado por ele mesmo – e Glorinha (Priscilla Rozenbaum, premiada no Festival de Gramado por sua atuação), que passam por um momento de impasse no casamento. O estilo verborrágico, de diálogos repletos de sentimentos e divagações filosóficas, que sempre rendeu comparações entre seu trabalho e o de Woody Allen, permanece intacto. Assim como a mise en scène despojada e econômica, que não nega as raízes teatrais do material, nem esconde o orçamento limitado da produção, mas que serve perfeitamente à proposta do diretor. Oliveira fala do amor em chave tragicômica com grande naturalidade, utilizando o universo particular de seus tipos boêmios da noite carioca para apresentar os estágios de uma relação de modo universal. As dores, as alegrias, as traições, a saudade, tudo é tratado pelo longa com veracidade e poesia na mesma medida. – por Leonardo Ribeiro
Juventude (2008)
Três homens que se conhecem desde a mais tenra infância perambulam por uma imponente propriedade na cidade de Petrópolis, rememorando as coisas de outrora, de certa maneira, inventariando essa amizade que marcou suas vidas. O próprio Domingos Oliveira interpreta um desses amigos, sendo os demais vividos pelos igualmente notáveis Paulo José e Aderbal Freire Filho. As atividades programadas pelo personagem encarregado de promover o encontro são entremeadas por conversas que vão do existencialismo a mais pura banalidade. Neste longa-metragem, Domingos Oliveira, enquanto diretor, reafirma sua notória habilidade para construir um clima de genuína intimidade entre as pessoas em cena. Na condição de roteirista, ele apresenta um itinerário repleto de tiradas inteligentes. Transitando com desenvoltura pelas chaves humorística e dramática, ele promove uma reflexão agridoce acerca da vida, mirando determinados laços pretensamente inquebrantáveis, mas que se mostram recorrentemente suscetíveis a banalidades e vaidades. É um cinema bastante falado, que deposita boa parte de suas fichas na espontaneidade dos atores, na capacidade deles demonstrarem uma afinidade muitas vezes construída ali, no set de filmagem. Originalmente homem de teatro, assim como seus colegas neste filme, Oliveira extrai graça da tragédia e vice-versa. – por Marcelo Müller
+1
Carreiras (2005)
Depois de mais de vinte anos longe das telas, Domingos Oliveira voltou em Amores (1998), filme que marcou o início de uma nova fase em sua carreira. Muito se deve à parceria emocional e profissional com Priscilla Rozenbaum, que se tornaria também sua esposa na vida real. E após três filmes em conjunto – Separações (2002) e Feminices (2004) vieram na sequência – ele decidiu se retirar de cena, contendo-se com o papel de roteirista e diretor, para dedicar um filme inteiro à sua atriz favorita. Assim como havia entregue a obra definitiva de Leila Diniz em Todas as Mulheres do Mundo (1967), havia chegado a vez de Priscilla, que aparece como Ana Laura, uma jornalista no limite de suas forças, tendo que lidar com a pressão do trabalho, da idade, da família e de colegas. Durante uma única noite de pesadelo, somos colocados ao seu lado entre ligações telefônicas, abuso de bebidas e outras drogas. Situação suficiente para Oliveira exercer o seu melhor – diálogos afiados e um incrível domínio da trama em desenvolvimento. Como resultado, ela ganhou o kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado. E ele levou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema Brasileiro de Paris! – por Robledo Milani
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