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Sinopse

Jovem paquistanesa que vive na França, Zahira entra em conflito com as tradições familiares quando é informada de que será obrigada a se casar com um dos três desconhecidos oferecidos a ela como possíveis futuros esposos.

Crítica

Grande demais é o peso da tradição que recai nos ombros de Zahira (Lina El Arabi). Filha de paquistaneses, muçulmana vivendo na França, ela está grávida no começo de A Garota Ocidental, indagando sobre a existência da alma do feto que cresce em seu ventre. Mesmo lutando durante toda a trama contra as obrigações decorrentes de costumes médio-orientais ligados, também, à religiosidade, ela reproduz determinados dogmas, deixando evidente a construção complexa levada a cabo pelo cineasta Stephan Streker. Existe, portanto, tensão perpassando a narrativa, desde a sua esfera mais óbvia e aparente, ou seja, a da rebeldia da protagonista contra as imposições familiares, até a mais sutil, que trata exatamente das cobranças internas da menina que luta para se libertar de hábitos milenares, reproduzidos sem questionamento. Um cuidado que o filme tem é o de não desenhar vilões, mirando um entendimento vasto, dando espaço a todos, permitindo criarmos empatia amplamente.

Em A Garota Ocidental há uma discussão norteadora, que dá conta do papel da mulher nos povos arábicos. Zahira possui o apoio praticamente irrestrito do irmão, Amir (Sébastien Houbani), que, inclusive, trata de conduzir as negociações do aborto e intermediar a comunicação da jovem com seus pais. O realizador opta por não mostrar a balbúrdia ocasionada pela ciência da gravidez indesejada, considerada uma afronta grave, levando em consideração a solteirice da futura mãe e o desacordo com os trâmites da herança cultural paquistanesa. O pai da criança é tido como acessório sem importância ao desdobramento da situação, tanto que surge apenas numa breve cena, em que não consegue dar suporte à Zahira. Aliás, é desnecessário um arroubo emocional para mostrar o fim do relacionamento e o descontentamento de quem se sente decepcionada com a falta de hombridade. Streker registra com sensibilidade o instante em que ela recobre a cabeça com o véu, criando distância.

Ocidente e oriente, passado e presente, há choques em A Garota Ocidental que deflagram a dificuldade de estabelecer meios termos quando nenhum dos lados se dispõe a ceder. No mais das vezes, o cineasta cola a câmera nas expressões da bela Lina El Arabi, deixando que seu sofrimento diante das responsabilidades se mostre como um efeito colateral desse encontro de mundos conflitantes. As coisas ficam ainda mais intrincadas quando Zahira é instada a escolher um marido dentre os três possíveis, o que certamente não quer fazer. Os pais reclamam reconhecimento por flexibilizar as coisas, afinal dão opções, algo pouco comum. Ela tenta fugir, de todas as formas, da carga arremessada em suas costas, mesmo sabendo que tal negação trará consequências nefastas a todos. Sem buscar adesão para este ou aquele lado, embora obviamente, como ocidentais, tendamos a tomar as dores da protagonista, o filme promove um novo e forte embate. De um lado, a ordem individual, do outro, a coletiva.

É louvável o privilégio à pluralidade de olhares, à diversidade dos pontos de vista. Aqui, o mais substancial está nas filigranas, nos detalhes dos gestos, nos olhares. Nem sempre a representatividade de tipos como o pretendente motoqueiro de Zahira contribui à densidade do filme, pois sua atuação configura uma área de escape quase descartável. Os diálogos truncados entre Zahira e a família se encarregam de conferir força à narrativa. A abordagem temática parte das particularidades para delinear o todo, assim almejando a visão profunda de um intercâmbio cultural hostil. Stephan Streker observa os personagens sem condenar ações ou propor resoluções fáceis, dando voz e vez a cada um deles. Escapar dos grilhões da tradição não é fácil. Nesse sentido, Zahira faz o que pode para retomar as rédeas da própria vida, nem que para isso seja necessário afrontar procedimentos arraigados e condenar os seus à vergonha pública. De qualquer maneira, dada a conjuntura, sacrifícios são inevitáveis.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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