A Janela da Frente
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Ferzan Ozpetek
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La finestra di fronte
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2003
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Itália / Turquia / Portugal / Reino Unido
Crítica
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Onde Assistir
Sinopse
Em A Janela da Frente, Giovanna está casada há 9 anos. Ela divide seu tempo entre o trabalho em uma granja industrial e os cuidados com a família. Nas horas vagas, ainda prepara bolos para o café local. Sua tensão aumenta quando o marido leva para casa um refinado cavalheiro que perdera sua memória. Drama/Romance.
Crítica
Em certo momento da trama de A Janela da Frente, um dos mais premiados trabalhos do cineasta turco – radicado há anos da Itália – Ferzan Ozpetek, a menina, sentada no colo da mãe, exige sua atenção. “Mas por que precisa que eu olhe? Sei que você é ótima”, comenta a figura materna, para ouvir então a resposta: “pois somente assim terei certeza que você sabe”. Essa questão, do ser visto para se tornar real, aliado à cena final do filme – um longo e demorado close up nos olhos da protagonista – resume a questão central deste filme. Todos os personagens aqui presentes precisam do aval dos outros ao seu redor para se justificarem enquanto pessoas. Seja essa mulher, casada e com dois filhos, que vislumbra uma outra vida no vizinho do prédio da frente, seja essa rapaz, solteiro, que sonha com aquela estranha atraente, ou mesmo com o senhor que, na juventude, escolheu se mostrar presente em sua comunidade, colocando a si mesmo antes do amor. Algo que se arrepende até hoje, mas que ao menos o manteve vivo.
Ferzan Ozpetek é responsável também pelo igualmente belo Um Amor Quase Perfeito (2001). Nestes dois trabalhos, assim como no comovente Saturno em Oposição (2007), assumiu o roteiro, além da direção, e em todas estas obras percebe-se características similares: a paixão passageira, a busca por uma felicidade ilusória, o homossexualismo e as dificuldades em sua aceitação e as novas estruturas familiares. Sua lente é precisa e sensível, se revelando hábil ao abordar com cuidado assuntos potencialmente polêmicos, além de ainda fazer deles material de muita emoção e profundidade. Em A Janela da Frente, no entanto, entrega seu trabalho potencialmente mais universal. É possível encontrar estes mesmos elementos, porém envoltos em uma trama de fácil identificação. Quem nunca lamentou um amor perdido no tempo?
Estrelado por Giovanna Mezzogiorno, A Janela da Frente tem no centro de sua ação uma família que sobrevive – ainda que aos trancos e barrancos – ao invés de viver plenamente. Ela trabalha na área contábil de uma fábrica de alimentos, abafando o sonho de se aperfeiçoar como cozinheira e doceira. O marido, por sua vez, mal consegue se manter num emprego. A inconstância financeira se reflete na relação dos dois, e, consequentemente, na deles com os dois filhos. Para essa mulher, um dos seus poucos momentos de paz, quando consegue fugir da rotina opressiva, é quando, no final do dia, antes de dormir, toma sua xícara de chá na cozinha, observando o apartamento do edifício da frente. Lá mora um belo homem solteiro, que a atrai mais como uma fantasia do que como uma opção real. É o possível imaginário, onde esconde suas fantasias, até porque não está disposta a ir atrás dele nem trair sua família. Ali ela deposita suas fantasias, imaginando uma vida perfeita que somente um desconhecido poderia lhe oferecer.
Tudo muda quando, durante um passeio à tarde, ela e o esposo encontram um senhor (Massimo Girotti, falecido logo após o término das filmagens) falando sozinho no meio da rua. Ele não lembra quem é, nem da onde veio. Os dois, ao tentarem ajudá-lo, após procurar auxílio na delegacia e entre vizinhos, acabam lhe oferecendo hospedagem até que se sinta melhor. O homem desmemoriado possui, no entanto, um passado em que um amor proibido em tempos de guerra terminou por lhe gerar um trauma que persiste até os dias de hoje. E esse sentimento irá se manifestar novamente quando a relação dela com o vizinho da janela da frente ultrapassar a barreira do ilusório. A atração entre os dois, percebe-se, é mútua, e começará a se desenvolver de modo mais concreto a partir de um encontro casual motivado por aquele estranho que, aparentemente, havia surgido do nada para dar um novo rumo em seus destinos.
Como diz o ditado, até que ponto “a grama do vizinho sempre é mais verde”? Por que uma possibilidade desperta tanto interesse e curiosidade a ponto de não conseguirmos valorizar a contento o que de bom temos ao nosso alcance? Na maioria das vezes nem chegamos a perceber, mas a melhor escolha já foi tomada, e é sob ela que conduzimos nossa história, e não através de condições fantasiosas de uma realidade cor-de-rosa. A dor, o sacrifício e o esforço fazem parte do amadurecimento, ainda que hajam situações em que estes exijam mais do que possam oferecer. E até nestes casos saímos ganhando, seja pelas lições aprendidas ou pelo reconhecimento da missão cumprida.
A Janela da Frente aborda estas e outras reflexões, estabelecendo com o espectador uma sintonia de rara emoção. Envolvente e maduro, não só oferece as condições necessárias para uma discussão relevante sobre temas pertinentes, como também comove no melhor estilo latino de dramaticidade, colaborando para isso uma discreta e competente trilha sonora e uma direção de arte e ambientação que remete ao clássico Um Dia Muito Especial (1977), de Ettore Scola. Grande vencedor do David di Donatello (o Oscar italiano) de 2003, inclusive nas categorias de Melhor Filme, Ator e Atriz, além de ter sido premiado em festivais como o de Bangkok (Tailândia), Karlovy Vary (República Tcheca), e de Seattle (EUA), este é um filme que vai se desvendando aos poucos aos olhos do espectador, comprovando através de méritos óbvios, porém não escancarados, que merece toda a nossa atenção e reconhecimento.
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