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Crítica


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Sinopse

Um grupo de amigos resistiu bravamente à ditadura militar que (des)governou o Brasil por 21 anos. Na atualidade, eles e seus filhos enfrentam os conflitos entre passado e presente quando um deles está morrendo.

Crítica

A memória persegue a todos. Em A Memória que Me Contam, acompanhamos um grupo de amigos que se reencontram depois de muito tempo na sala de um hospital. Além do passado em comum, compartilham da amizade pela ex-guerrilheira Ana. Interpretada por Simone Spoladore, Ana é o elo derradeiro de uma geração única, conhecida por significar – e acreditar em – resistência política e utopias. A doença, portanto, não coloca em risco apenas a pessoa, mas o símbolo vivo de um era. Com seu novo filme, Lúcia Murat dá continuidade a uma filmografia homogênea, tanto nos temas quanto na qualidade. Alicerçados sob questões políticas, são de sua autoria os bons Que bom te ter viva (1989), Doce Poderes (1997), Uma Longa Viagem (2011) e o excelente Quase Dois irmãos (2004).

A Memória que Me Contam vem menos como uma reflexão sobre a ditadura e mais como um questionamento acerca do legado deixado de uma geração à outra. Nesse aspecto, aproximá-lo do clássico As Invasões Bárbaras (2003), de Denys Arcand não seria equivocar-se. Se as semelhanças são muitas, o contexto do filme de Lúcia é específico. Diferentemente de outros países, o Brasil não liberou os arquivos da época do regime. Aquilo que a lei protege, os sentimentos não perdoam.  A fim de cobrir todas as facetas do debate pretendido, a narrativa trabalha com dois núcleos e uma série de personagens. Representando a geração dos anos 60 estão Irene, cineasta (interpretada com intensidade por Irene Ravache); o preso político italiano Paolo (Franco Nero); o casal de artistas Zezé (Clarisse Abujamra) e Henrique (Hamilton Vaz Pereira); o Ministro da Justiça José Carlos Almeida (Zécarlos Machado) e Ricardo (Otávio Augusto), ex-militante conservador. A nova geração fica por conta de Eduardo (Miguel Thiré) e o namorado Gabriel (Patrick Sampaio); além de Chloe (Naruna Kaplan de Macedo).

A direção experiente de Lúcia doma competentemente o vasto elenco, permitindo que todos contribuam ao seu modo para a discussão. Se Chloe, sobrinha de Ana, assume uma figura engajada, o seu oposto está em Eduardo. O filho de Irene minimiza a importância da luta armada, fazendo parte de uma geração especialmente egocêntrica, politicamente despreocupada e acomodada. Polos distintos, ambos encarnam visões antagônicas de uma sociedade dividida. A figura do ministro da Justiça José Carlos é central. Nela está contida a representação do revolucionário que no poder se defronta com a irônica posição de entregar a si próprio ou se proteger junto à lei da anistia. As tragédias dos outros são fatalidades; as nossas, injustiças. A frase dita por Irene tem o tom de quem sente ingratidão. Não há balança, porém, que pese corretamente o que foi sacrifício ou crime. Esse parece um ponto nítido no filme de Lúcia. O sabor da incompreensão é tão amargo quanto o do esquecimento. A geração de Ana tinha a certeza de estar fazendo o correto, certa de que depois – e apesar – de tudo, seria lembrada como a salvadora da pátria.

Na simplicidade da trama que se desenvolve, A Memória que Me Contam parece deixar claro que o importante a esta altura é evitar conclusões definitivas. A polarização afasta o pensamento e alimenta o dogma. O melhor legado será fruto da transmissão da memória. Explicar o que foram aqueles dias, aquelas pessoas e aquela época, bem como ensinar o valor dos direitos conquistados. Sem hostilidade ou cobrança, o passado exige pouco: apenas que o presente reconheça de onde veio.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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