Crítica


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Sinopse

Um grupo de golpistas explora pobres desesperados. Enquanto alguns membros da gangue fazem isso de modo inescrupuloso, outros tentam se redimir.

Crítica

Um grupo de golpistas percorre cidadezinhas e a periferia de metrópoles, enganando a população mais carente com lorotas elaboradas e promessas de milagrosa melhora de vida. Tudo em troca, claro, de um punhado substancial do dinheiro já pouco e muito suado dessas pessoas. Desesperançado e jogado às margens da sociedade por uma elite que detém a maior parte do capital, o povo se agarra nessas propostas e entrega o que tiver, esperando pelo milagre ou pela ajuda prometidos, decepcionando-se tarde demais, quando constata que eles jamais virão. Isso é um resumo da história da religião e da política de direita nos tempos modernos. E, por acaso, também serve muito bem de sinopse a A Trapaça, filme pouco lembrado – e agora você sabe o porquê – de Federico Fellini.

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Longe de temas caros ao realizador, como as mulheres, a Itália, o cinema e o onírico circense, este exemplar fica constantemente fora das análises da obra de Fellini, já que apresenta uma narrativa crua e, mais que isso, muitas vezes cruel. Ansiosos pelas resoluções fáceis e confortáveis que o cinema hollywoodiano já ensinava serem as “certas” – sim, mesmo e, talvez, principalmente na década de 1950 – os espectadores devem ter se frustrado com a imoralidade contida das decisões dos personagens, eles que, mesmo sabendo conscientemente que seus atos afetam violentamente pessoas fragilizadas e indefesas, não abandonam os crimes que objetivam fazer fortuna. O que é a essência do dízimo, por exemplo, uma comparação que Fellini torna menos sutil ao mostrar os integrantes da quadrilha recorrentemente disfarçados de padres católicos.

Não por acaso, então, o filme é pouco discutido dentro da filmografia de Fellini, afinal a Itália é o berço do catolicismo, instituição de grande influência que ele alfineta (para não dizer, apunhalada). Correto seria colocar “instituição” no plural, pois a crítica do filme, escrito pelo diretor ao lado de seus parceiros habituais de texto, Ennio Flaiano e Tullio Pinelli, estende-se também à política, principalmente àquela que defende os interesses de grandes acumuladores de renda e comerciantes. Em dado momento, os larápios se disfarçam de políticos para visitar uma vila muito pobre, prometendo-lhes enfim as casas sonhadas, desde que paguem pelo contrato. Noutro, um deles é flagrantemente frustrado por um ricaço influente na tentativa de roubar uma cigarreira do seu suntuoso apartamento. E o burguês completa, dizendo ao ladrão que ele tem que fazer muito mais para conseguir entrar num lugar como aquele e sair com alguma coisa. Ou seja, pobres dependem de promessas vazias que pessoas mal-intencionadas fazem em busca do dinheiro necessário para conviverem entre figuras que possuem muito capital e, portanto, o poder real em uma sociedade capitalista.

Em meio a isso, se destacam três figuras: o galante Roberto (Franco Fabrizi), o carismático Picasso (Richard Basehart) e o mais velho deles, o astuto Augusto (Broderick Crawford). Respectivamente, aquele em quem o crime está enraizado a ponto de ter-lhe subtraído por completo a humanidade; aquele para quem as coisas mais importantes são a filha e a esposa – interpretada por Giulietta Masina, colaboradora habitual de Fellini -; e, por fim, aquele que se divide um pouco entre os dois, não conseguindo abandonar a ocupação, enquanto também tenta estabelecer uma relação amistosa com a filha – e se há uma característica marcante de Fellini que aparece em A Trapaça é sua tendência a recriar na tela experiências pessoais, aqui representada pela figura de Augusto, um pai, supostamente vendedor, que passa muito tempo fora trabalhando, tal como o do diretor.

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Augusto, aliás, protagonista absoluto da produção, é realmente um personagem intrigante, e sua divisão entre as duas visões opostas dos colegas de quadrilha o torna trágico, apesar de condenável. Sua sensibilidade diante de uma menina paralítica é interessante. A condição alheia o afeta, mas há evidências de que ele é um criminoso cruel, disposto a passar por cima de sua compaixão para alcançar objetivos próprios. Um gama de sentimentos e reflexões que o oscarizado Broderick Crawford não tem problemas para demonstrar. E o seu plano final, que calha de ser o do filme também, não poderia ser mais significativo, ao trazê-lo almejando muito mais do que ajuda, o ideal de uma família trabalhando junta. Unida, apesar da adversidade e da pobreza, enquanto ele, que viveu para enganar aquele tipo de gente, em prol de uma vida de opulência entre esnobes, definha sozinho, abandonado e esquecido, na beira da estrada percorrida por pessoas de melhor índole. Não por acaso, notem, os bandidos fogem na contramão daquela mesma estrada.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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Grade crítica

CríticoNota
Yuri Correa
8
Chico Fireman
7
MÉDIA
7.5

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