Algunos Días Sin Música
Crítica
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Sinopse
Sebastián tem dez anos e acaba de se mudar. Em conversa com seus primeiros novos amigos, Guzmán e Email, ele comenta sobre a indiferença que sente em relação aos professores do colégio e todos concordam que, caso algum mestre morresse, a vida deles em nada seria abalada. Até que diante deles falece a professora de música e a culpa os consome, ao mesmo tempo em que fortalece a amizade do trio.
Crítica
Existe algo de muito terno e de muito verdadeiro no relacionamento entre os personagens do ótimo Algunos Días sin Música, co-produção Argentina e Brasil, dirigida e roteirizada pelo estreante Matías Rojo. História de formação, o longa-metragem tem seu principal trunfo na trinca de crianças protagonistas e nos diálogos que estes trocam dentro do grupo e com parentes e amigos. Existe um carinho muito forte entre eles, mas uma incrível franqueza em cada frase. Tanto que alguns diálogos soam pesados, como se cuspidos pelos garotos e pelos adultos. Isso, no entanto, não retira de forma alguma a singeleza da trama, que aposta na ingenuidade infantil para construir sua premissa.
Na história, o leitor compulsivo de 10 anos Sebastián (Jerónimo M. Escoriaza) acabou de se mudar para um novo bairro com os pais e não conhece absolutamente ninguém. Ao chegar à escola, logo faz amizade com os inseparáveis Email (Emilio Lacerna) e Guzmán (Tomás Exequiel Araya). O primeiro é um judoca gordinho e simpático, sempre vestindo kimono, que vive com o pai, dono de um motel. O segundo é um menino malandro, mas incrivelmente fiel aos amigos, deixado pelos pais aos cuidados da avó. Em uma daquelas conversas ingênuas de criança, os três desejam a morte da professora de música, fato que realmente acontece frente os olhos atônitos de todo o colégio. Com sentimento de culpa, o trio pretende pedir desculpas aos parentes da professora, enquanto enfrentam problemas tradicionais da juventude: os novos amores, o relacionamento com os pais, a falta dos parentes, as temidas derrotas da vida, entre outros percalços comuns da infância.
Uma das primeiras cenas do trio de amigos coloca-os caminhando em cima de trilhos de trem, em uma imagem que remete diretamente ao já clássico Conta Comigo (1986). É interessante o fato de Rojo não esconder essa referência, até brincar com o fato ao pôr seus personagens em um cenário tão icônico. É como se o diretor dissesse ao espectador que este será o feeling geral do longa, ainda que Algunos días sin Música não pegue emprestado muito mais daquele filme de Rob Reiner.
O trio de crianças que defende os personagens principais é muito bem dirigido, conseguindo carregar o filme sem problema algum. Ainda que o longa seja basicamente a trinca de personagens reunida, cada um tem seu momento para brilhar sozinho. Sebastián é um nerd clássico, que tem na ponta da língua citações de revistas científicas que lê regularmente. É ele quem acredita que os três foram responsáveis pelo falecimento da professora e convence os amigos a pedirem perdão. Sua relação com a morte, fazendo questão de ir ao velório da professora que mal conhecia, mostra um pouco da curiosidade do personagem, um menino que a cada dia descobre algo novo. Seja o interesse em uma menina (que o trata mal, inclusive), a relação com o pai ao descobrir que ele não tem o emprego perfeito, o medo de se aproximar da senhora doente que sua mãe cuida. É uma gama de cenários que nos são apresentados, conseguindo transmitir de forma cândida estes momentos de verdadeira descoberta. Impossível não lembrar-se da própria juventude e fazer este retrocesso ao passado junto dos personagens.
Email é o menino engraçado do grupo e é apaixonado por judô. O menino, no entanto, não tem talento nato para o esporte, perdendo a cada novo desafio. Seu sonho é ser barbeiro e treina com seu pai esta profissão, um sujeito de passado nebuloso. O relacionamento entre os dois é o mais terno do filme. Rojo capricha na emoção ao mostrar uma amizade muito forte entre pai e filho, propondo inversão de papéis. É o menino quem ensina o pai a ler, por exemplo. E é ele quem enxuga o pai após uma cerimônia de batismo, em uma das cenas mais bonitas do filme.
O grande destaque de Algunos Días sin Música, no entanto, é o esperto garoto Guzmán. Ele é o mais maduro dos meninos, mas é quem tem a maior lacuna no que tange a família. Sua avó é dura com ele, ainda que o proteja sem seu conhecimento. O garoto entreouve uma conversa de um sujeito com sua avó e logo descobre que se trata de seu pai. À procura daquele homem, Guzmán terá de abdicar de muitas coisas para encontrá-lo. Talvez até de seus amigos. Uma das falas mais sentimentais – mas nunca soando melosa demais – é de Guzmán, que afirma que sua família é quem ele escolhe. Portanto, Email é seu tio e ninguém pode convencê-lo do contrário. O carinho e ingenuidade dos garotos também são representados por uma bela cena na qual o judoca lambe uma ferida de seu amigo Sebastián, tentando salvá-lo de uma possível infecção. Mais tarde, vamos descobrir de onde partiu essa ideia, em outra bela cena.
Com bom ritmo e cenas cômicas muito bem costuradas com as sequências mais sérias, Algunos días sin Música é uma estreia maiúscula de Matías Rojo como diretor e roteirista de longas-metragens. Consegue falar sobre culpa, família, amizade e curiosidade infantil com igual perícia, caprichando nas frases mais duras para quebrar qualquer resquício de doçura extrema que poderia existir em um filme como esse. Produção redonda, com ótimas atuações, tem público alvo amplo, conversando bem com adultos e com crianças.
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