Crítica

Paul é um jovem especial. Sua afeição pela música só não é maior do que sua resistência a falar. Decididamente mudo, leva uma vida pacata ao lado das duas tias que o criaram, Annie e Anna. Mas ele nem sempre foi assim. Quando recém nascido, era um bebê alegre e sorridente, que desde cedo já esboçava vontades e fazia a festa ao lado dos pais, que falecerem de modo abrupto e, ao menos para ele, inexplicável. Ingênuo e um tanto infantilizado, Paul seguiria assim pelo resto dos seus dias caso nunca tivesse cruzado seu caminho com o de Madame Proust, a vizinha excêntrica do andar de baixo. Pois será a partir da convivência com ela que seu passado – e sua percepção a respeito de si próprio – começará a mudar, principalmente quando ele finalmente compreender a importância de Attila Marcel em sua vida.

Construído de forma quase onírica, de um modo que deixaria Wes Anderson e Tim Burton orgulhosos, Attila Marcel se apresenta como uma fábula sobre uma criança-adulta em busca do homem que existe no seu interior. Elementos psicológicos da sua formação não são ignorados em nenhum momento, e justamente por isso é ainda mais prazeroso acompanhá-lo durante sua jornada. O diretor e roteirista Sylvain Chomet, aqui estreando na ficção live action após as bem sucedidas animações As Bicicletas de Belleville (2003) e O Mágico (2010) – ambas indicadas ao Oscar – consegue manter o mesmo tom de lirismo compartilhado ao trabalhar com atores reais em frente às câmeras, de uma maneira que é como se eles assumissem o destino dos traços antes tão bem elaborados para propor um universo alternativo e não menos encantador.

Paul é interpretado com segurança por Guillaume Gouix, que se divide também no papel duplo de Attila Marcel, o pai do rapaz. Estrela da música e de coração rebelde, este é visto pelas lembranças do protagonista como alguém violento, irascível e independente. A mãe (Fanny Touron) desempenha um papel nebuloso, entre a apaixonada pela família e a vítima dos excessos do marido. Claro que nem tudo é preto no branco, e se as tias interpretadas com carinho pelas veteranas Bernadette Lafont (falecida logo após a conclusão das filmagens) e Hélène Vincent (Uma Primavera com Minha Mãe, 2012) o superprotegem escondendo incidentes importantes de sua história – até porque o sentimento de culpa as envolve – será Mme Proust (Anne Le Ny, numa participação marcante e envolvente) que lhe abrirá os olhos (físicos e da mente), nem que para isso tenha que fazer uso de um chá um tanto “especial”.

Attila Marcel é um bonito conto de fadas, tratado com respeito e dedicação por todos os envolvidos. Do convite inicial para adentrarmos naquele cenário tão particular ao inevitável – e surpreendente – final feliz, passando pela apresentação dos personagens – cada um mais pitoresco do que o outro – e das suas situações de vida e características que os fazem tão únicos, é prazeroso sermos levados com eles, desfrutando de cada momento e descoberta com igual satisfação. Uma história de amor nada convencional, porém encantadora o suficiente para justificar todo tipo de atenção despertada.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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