Chacrinha: O Velho Guerreiro

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Sinopse

José Abelardo Barbosa frustrou sua família ao largar a Faculdade de Medicina para se aventurar em seu primeiro “bico” como locutor de rádio. Daí em diante, descobriu sua verdadeira paixão: transmitir informação e felicidade. Vemos sua vida se transformar e o nascimento do alter ego mais conhecido do Brasil, o nosso velho guerreiro, Chacrinha.

Crítica

Não à toa, Chacrinha: O Velho Guerreiro, cinebiografia de um dos comunicadores mais importantes do Brasil, começa dando indícios claros da irascibilidade e da teimosia do homem por trás de estrambólicas fantasias, afeito a atirar bacalhau à plateia que representava os milhões encarregados de engordar os números de sua audiência. A despeito da estrutura claudicante do roteiro, das várias leviandades e superficialidades, o filme logra êxito ao observar de perto o sujeito cuja imagem eternizada foi pública e notória. Chacrinha era um fanfarrão de condutas questionáveis, mas que soube como ninguém entreter as massas, munido de bordões impagáveis e atitudes deliciosamente jocosas, seja diante dos microfones das rádios ou das câmeras da televisão. O cineasta Andrucha Waddington acerta a mão quando investiga o cerne que preenchia a célebre casca, mas derrapa na representação dos elos do protagonista, sejam os íntimos, minados por sua obsessão laboral, ou os absolutamente profissionais.

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Voltando no tempo, vemos Abelardo (Eduardo Sterblitch) como um jovem tão aventureiro quanto impetuoso. A força de sua personalidade, além do talento, garante os primeiros e exitosos passos na minúscula rádio que lhe oferecia precárias condições, mas uma ferramenta pela qual propagar irreverência. A costura dos eventos que marcaram sua rápida ascensão é feita de maneira satisfatória, com supressões pontuais, elipses funcionais, do que decorre o caráter sucinto e direto. Sterblitch sai-se muito bem vivendo aquele que viria a ser chamado de Velho Guerreiro, por encarnar trejeitos característicos e a entonação de voz que tornou Chacrinha prontamente conhecido nos quatro cantos do Rio de Janeiro. Quando o filme se foca na malandragem e no comportamento do apresentador, atinge boas notas, o mesmo não podendo se dizer do desenvolvimento dos relacionamentos, do efeito gerado nas pessoas mais próximas. Mesmo assim, é suficiente para compreendermos a gênese do fenômeno.

Stepan Nercessian, que havia interpretado Chacrinha no teatro, pega o bastão para vivê-lo na maturidade, mostrando a figura televisiva, as turbulências familiares ocasionadas por ausências. Todavia, a dinâmica com a esposa Florinda (Carla Ribas), bem como a questão da aversão à mãe, é trabalhada no limite da burocracia, dispersando-se tão logo apareça (algumas vezes). Ribas se esforça para conferir substância às tempestades domésticas, mas sua atuação é restrita a reclamações repetitivas, sem qualquer estudo aprofundado das consequências, dos estilhaços. Chacrinha: O Velho Guerreiro se sustenta, cambaleando, mas ganha pontos valiosos em virtude do desempenho cativante de Nercessian, que consegue expressar singularidades, sem maquiar, pelo contrário, áreas cinzentas e suscetibilidades. É particularmente feliz a forma como Andrucha deixa a verborragia correr sem papas na língua, com Aberlardo falando palavrões, agindo impulsivamente, se afundando num manancial de trabalho árduo e solidão.

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Claro, há o vislumbre de vários artistas que passaram pela vida de Chacrinha, no que, muitas vezes, parece um desfile de sósias. De Roberto Carlos a Sidney Magal, as personalidades estão ali apenas para contexto e enfeite. Infelizmente, algo semelhante acontece com Elke Maravilha, apática e reiterativa na interpretação monocórdica de Gianne Albertoni. Conflitos como a demissão do amigo de décadas – em função da contratação dos filhos –, são jogados para debaixo do tapete, enquanto a queda de braço com Boni (Thelmo Fernandes), então homem forte da Rede Globo, recebe destaque. Todavia, entre mortos e feridos, Chacrinha: O Velho Guerreiro consegue capturar a essência de Abelardo Barbosa, relegando o resto à coadjuvância inapelável. Mais ou menos como acontecia com o comunicador, que ofuscava quem estava próximo. O suposto caso com Clara Nunes (Laila Garin), as mágoas matrimoniais, isso tudo serve de escada para a boa apresentação da celebridade ímpar, sem a necessidade de dourar demasiadamente a pílula.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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