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Sinopse

Nos anos 1970, cerca de 73 mil pessoas foram deslocadas de uma região do norte da Bahia para dar lugar à construção da Hidrelétrica de Sobradinho, durante o Regime Militar. Quatro cidades foram submersas e forçaram uma das maiores migrações compulsórias desde a Segunda Guerra Mundial. Em 2015, quatro atores revisitam as suas próprias histórias através de encenações.

Crítica

O cinema do casal Claudio Marques e Marília Hughes é fortemente calcado nos personagens. Se em Depois da Chuva (2013), a jornada de Caio era explorada de forma competente e segura pela dupla de diretores, em A Cidade do Futuro o desafio é maior, ao tentar desenvolver três fortes protagonistas nas figuras de Milla, Igor e Gilmar, que vivem um romance que abala as estruturas de sua terra natal, Serra do Ramalho, no sertão da Bahia. Com começo titubeante, o longa-metragem logo engrena e cativa pela sensibilidade com que a história é contada.

Além de ser uma trama que retrata uma constituição familiar fora dos padrões, existe uma pegada política que é pincelada pelo roteiro. A região em que se passa a história tem um passado difícil, com os moradores ribeirinhos do rio São Francisco tendo sido realocados para uma zona distante, por conta da construção da represa de Sobradinho, na década de 1970. Essa ferida ainda exposta abre o longa-metragem, na apresentação do professor Gilmar (Gilmar Araújo) para seus alunos do colégio. Ele tem um relacionamento com a também professora (de artes) Milla (Milla Suzart), que descobriu recentemente sua gravidez. Os dois se relacionam com o radialista com pinta de cowboy Igor (Igor Santos), que embora tenha medo do futuro e daquela relação, quer um lugar naquele seio familiar. A abertura dessa vivência muito livre, na qual todos têm liberdade para ficar com quem quiser, causa um rebuliço na cidade. Tudo o que o trio quer (em breve um quarteto com a chegada do filho Heitor) é poder viver sem medo seu amor. Porque tão difícil?

Algo interessante em A Cidade do Futuro é a relação dos atores com seus “personagens”. Eles vivem versões de si mesmos, em uma história criada pelos cineastas, mas com muita influência da vivência daquele trio. Marques e Hughes tem consciência de que o predicado do seu filme está naqueles personagens e na forma como eles se relacionam. Algo que atrapalha um pouco no começo é a forma como o texto é entregue por eles, de forma artificial, um tanto decorada demais. No decorrer, no entanto, nos acostumamos com aquela forma pouco natural e nos envolvemos com a jornada a ponto de não se importar com os diálogos, mas prestar atenção nos gestos. Gilmar tem química muito forte tanto com Milla quanto com Igor, nos mostrando uma bela e liberta relação. Embora Igor não pareça tão à vontade em tela quanto seus parceiros, algumas cenas das mais comoventes e contundentes são estreladas por ele. Repare como em seu programa de rádio ele responde a um comentário de um ouvinte surpresa com pouca naturalidade, mas com outra intenção por trás.

A temática política surge logo no início, dando as caras volta e meia na narrativa, e encontra razão de ser na atitude de Gilmar perante a sociedade a sua volta. Ele não cogita abandonar a região, muito porque, no passado, sua família também foi expulsa de onde vivia de forma injusta. A repetição desse padrão é impensável para aquele rapaz.

Com 75 minutos de duração bem aproveitados, A Cidade do Futuro comove e faz pensar, transformando uma história de amor não usual em um manifesto pela liberdade. Em uma época em que ainda vemos massacres irracionais e discursos recheados de ódio, é importante que o cinema apresente algo repleto de amor, sem preconceitos ou barreiras. Se o filme de Claudio Marques e Marilia Hughes as vezes soa didático, é porque ainda se mostra necessária certa introdução a conceitos como o poliamor e relações poligâmicas ao grande público, visto que estamos bem longe desse futuro a que o título se refere.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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