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Sinopse

Emigrante portuguesa no Brasil, Francisca recebe em sua casa Teresa, antiga conhecida de quem havia perdido contato.

Crítica

Há mais de uma década, Marília Rocha foi premiada com o troféu máximo do É Tudo Verdade – o mais importante festival de documentários no Brasil – com seu longa de estreia, Aboio (2005). Desde então seguiu trabalhando, entregando títulos como Acácio (2008) e A Falta que me Faz (2009), todos seguindo mais ou menos a mesma linha documental de sua obra prima. Agora, após sete anos afastada das telas, ela propõe uma reinvenção em sua carreira com A Cidade Onde Envelheço, seu primeiro filme de ficção. E com ele deixa claro o aprendizado depreendido de seus trabalhos anteriores, ao mesmo tempo em que se revela uma realizadora inquieta e pronta para novas experiências.

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Realizado em coprodução com Portugal, A Cidade Onde Envelheço tem como protagonistas duas amigas, Francisca (Elizabete Francisca) e Teresa (Francisca Manuel). A primeira saiu de Lisboa há anos e está estabelecida em Belo Horizonte. A segunda está chegando agora ao Brasil, vinda da mesma cidade. A primeira representa o novo passo das imigrações entre os dois países. Portugal descobriu o Brasil, colonizou-o e para cá se mudou quando a situação na Europa ficou crítica. Tempos depois, eram os brasileiros que se mudavam para lá em busca de melhores condições, educação privilegiada e uma cultura mais apurada. Com a crise da comunidade europeia, chegou novamente a vez dos portugueses desbravarem novos horizontes. E, assim, mais uma vez, o Brasil parece ser um destino aprazível. Mas será isso mesmo? Missão que, no entanto, parece mais indicada à segunda garota.

Teresa chega cheia de vontades e excitações. Mal repara no desconforto que causa naquela que a está lhe recebendo – seria uma verdadeira indisposição ou apenas um jeito português de ser? O roteiro, escrito pela diretora em parceria com João Dumans e Thais Fujinaga, não tem pressa para oferecer respostas às perguntas que vão sendo levantadas, ao mesmo tempo em que não se exime da responsabilidade de concebê-las. No entanto, cada coisa no seu tempo. A proximidade que existe entre elas parece quase forçada. Não há uma sensação de obrigatoriedade de fazer as honras da casa naquela que recebe. A porta foi aberta, o quarto oferecido. Agora é cada uma por si. E enquanto uma evita fincar raízes – evita chamar o homem com quem divide a cama de namorado, pouca importância parece dar ao trabalho de garçonete – a outra faz amigos em cada esquina, envolvendo-se com toda oportunidade que o destino lhe oferece.

Além de um roteiro muito bem estruturado, que se concentra tanto na história sobre a qual se debruça quanto nos pormenores que objetivamente colaboram com o seu desenvolvimento, A Cidade Onde Envelheço apresenta como um dos seus mais fortes méritos as atuações de suas duas protagonistas. Grande parte do filme é composta especificamente por diálogos e interações entre elas. Se Francisca vai desconstruindo suas motivações e crenças com o desenrolar dos acontecimentos, até chegar ao ponto de rever suas próprias convicções, Teresa está aberta para o mundo. Uma precisa da outra para mudar. Mas teriam tais mudanças forças suficientes para, no fundo, alterar o que cada uma é no mais fundo do seu âmago?

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O passar dos anos traz consigo a desintegração física, mas também a maturidade e a sabedoria advinda da experiência (na maioria dos casos, ao menos). Escolher alguém para dividir esses momentos vindouros pode ser questão de necessidade, para evitar um futuro solitário. Mas também é reflexo de identidade. E ir contra o que se é representa uma violência que não muitos estão dispostos a enfrentar. Lá ou aqui, em Brasil ou em Portugal, juntas ou separadas, as duas estão, após esse encontro, prontas para seguir em frente, não mais como eram. Talvez não melhores, pouco provável que piores, mas certamente diferentes. A Cidade Onde Envelheço faz de seu discurso um libelo feminista, de empoderamento e tomada de decisão. Mas, acima de tudo, o que está claro é seu viés humanista. Pois, em último caso, o que nos resta em comum é o que somos em essência. Uns mais próximos do que outros, mas todos únicos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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