Crítica
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Sinopse
Uma viagem a Cuba por dois meses com foco no Jazz local resulta em um documentário que aborda umas das gerações mais talentosas na história atual da música cubana. Traz uma reflexão sobre a criação de músicas desse gênero no contexto social e político cubano. Isto é, uma ilha que está no processo de se abrir para o mundo.
Crítica
O jazz é, por excelência, o estilo musical da liberdade, em que sentimento e técnica possuem peso equivalente, e a confluência de talentos sempre permite espaços para que, seguindo o fluxo rítmico e sensorial do conjunto, cada instrumentista possa incluir sua marca pessoal pelas vias do improviso. Tendo essas características em mente, é fácil compreender o paralelo traçado pelos brasileiros Max Alvim e Mauro di Deus entre a essência do jazz e a situação geopolítica de Cuba, a ilha antes isolada que agora vê o bloqueio imposto pelos EUA cair gradativamente, gerando a possibilidade de abertura para o mundo, não só no aspecto econômico, mas também no cultural. Em Cuba Jazz, os diretores partem do fascínio ainda exercido pelo gênero sobre a juventude cubana atual para seguir no resgate das raízes históricas desse casamento que resultou na criação do chamado jazz cubano.
A definição de tal subgênero, que se apropria dos elementos do jazz clássico norte-americano e os mescla aos ritmos locais, como a rumba, domina grande parte do documentário, com todos os entrevistados, sem exceção, salientando as peculiaridades imediatamente reconhecíveis para qualquer habitante da ilha – porém muito mais subjetivas, quase misteriosas, para um público estrangeiro – que tornam o jazz cubano único, diferenciando-o, por exemplo, do que o mercado denomina latin jazz. Entrelaçados a esse debate técnico/investigativo, surgem outros temas, muitos de ordem política e social, como as consequências do isolamento pós-revolução no âmbito da música e da cultura em geral. Em seus depoimentos, diversos artistas, historiadores e musicólogos falam sobre as dificuldades do acesso às novidades musicais mundo afora, bem como do tratamento específico dado ao jazz no período, que, por sua origem ianque, passou a ser visto por muitos como “a música dos inimigos”.
No entanto, os entrevistados ressaltam que as limitações impostas pelo bloqueio também acabaram exercendo um papel fundamental na gênese do jazz cubano, já que a necessidade teria levado ao fortalecimento de um autodidatismo musical e à incorporação natural dos elementos nativos para preencher certas lacunas de informações sonoras. Outra questão contraditória levantada se refere às conceituadas escolas de música do país que, tanto pela quantidade quanto pela qualidade de ensino, proporcionam grandes oportunidades para milhares de jovens. Por outro lado, revela-se que todas essas instituições, ainda hoje, privilegiam uma formação clássica, que não engloba as vertentes populares. Tópicos de interesse como esses, contudo, são abordados de modo quase sempre fugaz pelos cineastas, passando a impressão de que a fala de muitos entrevistados é suprimida, interrompendo o complemento de um raciocínio mais complexo.
A montagem privilegia fragmentos superficiais, que, invariavelmente, retornam à exaltação do jazz cubano como um tesouro nacional inabalável. A exposição desse sentimento de orgulho, que se estende a um senso de pertencimento como povo e nação, não deixa de ser válida, permitindo até uma constatação sincera de que talvez haja certa prepotência nesse discurso, ou de que, historicamente, os cubanos são levados a se considerarem os melhores em tudo. Algo evidenciado no testemunho do pianista que relata o choque de realidade de sua primeira experiência fora do país, ainda jovem, acreditando que venceria sem dificuldades um concurso realizado na Itália, mas não terminando nem entre os dez primeiros colocados. A insistência temática, no entanto, torna o documentário repetitivo, pois, a certa altura, o conteúdo similar das entrevistas pouco acrescenta ao que fora estabelecido previamente.
O registro bastante convencional também não contribui para a fluência do longa, já que Alvim e di Deus adotam uma estrutura pré-concebida que se distancia justamente da qualidade de improvisação do jazz. Composto majoritariamente de entrevistas filmadas em planos fixos, o trabalho da dupla brasileira não apresenta uma unidade visual – com uma variação, aparentemente não proposital, de iluminação, saturação e cor a cada relato – a não ser pela escolha do preto e branco nas apresentações musicais filmadas de modo protocolar, sem transmitir grande intensidade. Falta à obra uma sensibilidade mais apurada no olhar para captar momentos fortuitos e destes extrair beleza, significados, emoções. Há a procura por certo lirismo nos interlúdios que trazem cartelas com frases de autores cubanos, como Alejo Carpentier, sobre imagens de Havana – a ressaca marítima sobre uma ponte, a movimentação de pedestres numa rua – mas que acabam deslocados, não se integrando ao conjunto.
Cuba Jazz carece também de maior integração dos personagens, e sua arte, com o meio, como ocorre nas sequências que acompanham uma cantora pelas ruas de seu bairro ou em casa, cozinhando e cantando ao lado da avó. Momentos de intimidade e comunhão como esses, porém, são raros, voltando a ocorrer apenas próximo ao desfecho, quando grande parte dos músicos entrevistados se encontra para uma jam session, que não chega a atingir plenamente seu potencial catártico, como ocorria, por exemplo, nas apresentações registradas por Wim Wenders em seu Buena Vista Social Club (1999), título que imediatamente vem à lembrança ao se abordar a música cubana. O que resta, portanto, é uma obra agradável, mas que apenas instiga, sem entregar tudo o que prometia. Que somente arranha a superfície de um assunto que certamente possui camadas mais profundas a serem exploradas.
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