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Crítica

A premissa de Esclavo de Dios não é nada ruim. Em 1994, quando atentados à bomba colocaram a população argentina em estado de alerta, um muçulmano de passado sombrio se vê escalado como o próximo homem-bomba. Ele precisa deixar mulher e filho, que não fazem ideia do seu envolvimento com tais fins, para dar sua vida à causa. De outro lado, temos um policial judeu, de passado igualmente traumático, que busca encontrar os responsáveis pelos atentados. A rota de colisão entre estes dois homens é o que impulsiona este thriller do estreante Joel Novoa, uma co-produção entre Venezuela e Argentina. Ainda que a história, por si, não pareça das piores, alguns vícios do gênero e a demonização do povo muçulmano são pontos que pesam negativamente contra o longa-metragem.

O roteiro de Fernando Butazzoni abre espaço apenas para o protagonista, Admed Hassamah (Mohammed Alkhaldi), ter algum tipo de tridimensionalidade. Instruído por seu mentor a trocar de nome e instituir família, a fim de não despertar suspeitas a respeito de seus reais objetivos, ele atende a essa demanda. Casa-se, tem filho, um emprego respeitável como médico. Mas tudo pode acabar a qualquer momento, assim que receber uma ligação. No momento em que seu telefone toca e ele se vê obrigado a deixar sua casa e partir para a Argentina (ele e sua família moram na Venezuela), Hassamah começa a repensar seus passos. Ele tenta transmitir ares de segurança entre seus pares, mas tem muitas dúvidas se conseguirá levar a cabo sua missão. Quando chega o momento crítico, o medo da morte atrelado ao fato de levar diversos inocentes consigo parece deter Hassamah. Os demais personagens muçulmanos, no entanto, são pintados como vilões clássicos, sem qualquer tipo de nuance. Existe, inclusive, um plot twist no final que só reforça este lado vilanesco.

Do lado judeu, David (Vando Villamil) é um agente do Mossad, o serviço secreto israelense, que busca as pistas para desmantelar a célula terrorista que ameaça Buenos Aires. Quem conhece um pouco mais de História pode lembrar que em 1994, 85 pessoas foram mortas em um ataque à bomba na AMIA, Associação Argentina Israelita, em um atentado que ficou marcado por ser o maior já acontecido em solo argentino e que, até hoje, não teve seus autores revelados. Quando a trama segue este personagem e seu colega, interpretado por César Troncoso (desperdiçado), o filme ganha claros ares de história de espionagem. Novoa consegue imprimir bom ritmo a estes trechos e seu trabalho de câmera é igualmente competente. Ele peca, porém, em não conseguir se desvencilhar dos clichês do gênero, fazendo um longa-metragem esquemático, ainda que bem realizado.

Por ser tão partidário de um lado da questão, Novoa foi questionado se seu trabalho não havia sido financiado pelo Mossad quando da estreia do filme na Venezuela, fato que foi veementemente negado pelo cineasta. Curiosamente, o assunto dos atentados terroristas é algo de vital importante para o diretor, que escapou por pouco da tragédia do dia 11 de setembro nos Estados Unidos. Ele deveria estar em um dos aviões que se chocou com as Torres Gêmeas, mas devido a uma doença, acabou não fazendo a viagem.

Com final surpresa pouco convincente e um desfecho que não parecia possível dado o histórico dos personagens, Esclavo De Dios tem seus méritos como realização audiovisual bem trabalhada, mas sofre por abordar uma temática espinhosa sem os devidos cuidados.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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