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Sinopse

Dois grupos tem o desafio de chegar ao topo da montanha mais alta do mundo, o Evereste. Quando uma avalanche os atinge, eles terão de enfrentar inúmeros e impossíveis obstáculos para sobreviver.

Crítica

Subir ao ponto mais alto do mundo parece um feito e tanto. Afinal, como descreve o personagem de Jason Clarke, na altura de cruzeiro de um avião 747 seu corpo está morrendo. Durante as grandes guerras, escalar montanhas, assim como outras tantas conquistas que ressaltassem o poderio físico de uma pessoa, era usado como troféu pelas nações que buscavam reafirmar soberania – não à toa, Leni Riefenstahl dirigiu o documentário Olympia (1938), na Alemanha pré-Segunda Guerra, sobre as olimpíadas de 1936 em Berlim, que buscava observar a beleza e o talento dos atletas alemães. Não é preciso, então, pensar muito para imaginar que os partidários nazistas eram alguns dos mais interessados nesses intentos. Em particular, Heinrich Harrer, austríaco filiado à SS, que teve sua história como alpinista divulgada mundialmente quando acabou ilhado no Tibete, período sobre o qual escreveu um livro que mais tarde deu origem ao filme homônimo Sete Anos no Tibet (1997).

Com tamanho status atribuído à escalada de monstruosos gigantes de pedra e gelo, sendo o Evereste o “chefão”, o mais cobiçado cume dos colecionadores, não é surpresa que tenham surgido, da década de 1940 para cá, especialistas dispostos a transformar a perigosa subida em um negócio lucrativo, vendendo a possibilidade de tirar fotos no topo do mundo. É dessa premissa que parte Evereste, reconstituindo a comercialização do feito e alguns erros primários que acabaram matando oito pessoas em 1996. Usando para isso os livros de Lou Kasischke (Mark Derwin) e Jon Krakauer (jornalista responsável pelo livro-reportagem que baseou o filme Na Natureza Selvagem, 2007, interpretado aqui por Michael Kelly), o filme do realizador mediano Baltasar Kormákur não deixa de ser um exercício deslumbrantemente tenso e, de uma boa maneira, frustrante quando nos confronta com a forma cruelmente simples com que a realidade pode se apresentar.

No mundo real, estar no topo do Evereste às 14h ou às 14h30 faz toda a diferença entre voltar vivo ou não; helicópteros não conseguem subir ao nível do ar rarefeito na prática, embora pudessem ficar bonitos salvando os heróis a oito mil metros de altura; sucumbir aos efeitos da falta de oxigênio e do frio, parando para descansar um pouco, pode não significar uma volta triunfante, mas sim uma morte lenta. Desse ponto de vista, o longa-metragem é bastante eficiente ao apresentar uma narrativa clássica que planta diversas pistas para que as colhamos depois, criando tensão sobre alguns elementos. Compromissado com os fatos, o texto de Simon Beaufoy e William Nicholson busca quebrar essa expectativa. Então, se Rob Hall (Clarke) cita em certo momento que delírios causados pelo clima podem fazer com que os alpinistas tirem as roupas alegando calor, basta apenas esperar pelo momento em que essa situação vai se armar, e torcer para que ela tenha um desfecho feliz. O que nem sempre é o caso.

Nisso Kormákur acerta, ao lado dos roteiristas consegue usar os fatos para extrair esperança do espectador quando não deveria haver alguma, e lhe recompensa com boas notícias quando já havia estabelecido o pior. Brincando assim, de certa forma, com o nosso comodismo e segurança estabelecidos pela sala de cinema, que nos dizem que jamais algo de ruim vai acontecer ao protagonista prestes a se tornar pai, e que o cara mau caráter vai ser severamente punido. Não é, entretanto, o que o plano escolhido pelo diretor para encerrar o filme nos mostra. A habilidade de passear entre a expectativa e a realidade é o grande trunfo do cineasta aqui, que ainda conta com uma longa apresentação de personagens, garantindo a empatia do público com eles, ainda que todos surjam um pouco maquiados demais na tela. O personagem de Clarke é bondoso demais, o de Jake Gyllenhaal (que, sempre muitíssimo competente, não justifica sua participação singela) é indiferente demais, o de Josh Brolin é arrogante demais, e assim por diante. Todo mundo recebe papeis que, apesar das – e na verdade, devido às – tentativas do roteiro de aprofundá-los, acabam cada vez mais unidimensionais. Ao menos a identificação é fácil e, uma vez que o filme coloca-os em um cenário construído com eficientes efeitos visuais e práticos – toda a parte técnica está de parabéns –, é fácil torcer por eles.

É uma pena que Kormákur erre em um núcleo tão mais fácil de ser abordado: o dos amigos e familiares fora da montanha. Eles deveriam ser âncoras emocionais ao espectador, mas não funcionam assim. Embora seja um prazer ver Robin Wright fazendo qualquer coisa, as sequências envolvendo a esposa que ela vive são desnecessárias e tolas – principalmente quando interrompem a ação para mostrar ela e um grupo de senhorinhas telefonando para conseguir resgate para o seu marido. O mesmo vale para a personagem de Keira Knightley, que depois de surgir no início não deveria ter retornado na montagem. Sua função de estabelecer o motivo de Rob Hall ter que voltar para casa já ficara muito clara. Sua voz ao telefone, mais tarde, teria sido o suficiente.

Portanto, o filme mostra atrizes fortes representando personagens importantes que jamais são desenvolvidas, relegando-as, mesmo que não de forma intencional, a uma visão sexista. Aliás, a própria decisão de escalar tantos bons nomes, mesmo em papéis minúsculos, acaba saindo pela culatra, já que eles chamam atenção para si, ainda que Kormákur jamais se dedique a desenvolvê-los. Assim como também não o faz com as motivações que levaram os alpinistas à escalada – o que deveria e tinha potencial de ser o tema principal de Evereste: o motivo humano, psicológico ou social que empurra uma pessoa montanha acima em direção à morte certa. Com um elenco desses, que potencial para uma obra-prima.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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