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Crítica


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Sinopse

Xiaobin tem 17 anos e não fala uma única palavra de espanhol na sua nova casa, a Argentina. Mas alguns dias depois, ela já tem um novo nome, Beatriz, e um emprego em um supermercado chinês. Sua família vive em um mundo paralelo, administrando uma lavanderia, longe dos argentinos.

Crítica

Nascida na Alemanha e radicada na Argentina, a cineasta Nele Wohlatz trata justamente da imigração e dos desafios de adaptação a uma diferente realidade em Futuro Perfeito. Após realizar dois curtas e o documentário em longa-metragem Ricardo Bär (2013), Wohlatz propõe aqui uma quebra dos códigos da linguagem cinematográfica convencional, mesclando as esferas documental e ficcional de um modo bastante peculiar para narrar a história de Xiaobin (Xiaobin Zhang), uma chinesa de 17 anos recém-chegada a Buenos Aires para morar com sua família, já estabelecida há anos na cidade. Após reencontrar os pais, que comandam uma tinturaria, e conhecer a irmã caçula nascida na capital portenha, Xiaobin passa a dividir seu tempo entre o trabalho na seção de laticínios de um supermercado e as aulas de espanhol.

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De imediato, Wohlatz coloca o espectador diante de um plano clássico dos documentários, com a câmera fechada no rosto de Xiaobin, que responde a perguntas feitas por uma voz feminina em off – que depois descobriremos ser da professora de espanhol - sobre seus primeiros passos em solo argentino. É no passado, portanto, que se inicia o jogo de replicação elaborado pela cineasta, pois os acontecimentos da vida da garota surgem como um simulacro das pequenas representações teatrais das aulas de espanhol ao lado dos outros estudantes chineses. As frases, os gestos e o comportamento aprendidos em aula são colocados em prática por Xiaobin, agora no tempo presente, numa repetição quase exata dos exercícios dos livros, inclusive em sua forma esquemática e limítrofe.

Um exemplo desse conceito de duplicação narrativa está na cena em que a protagonista conhece o indiano Vijay (Saroj Kumar Malik), com quem inicia um relacionamento, passando a ele seu contato no Facebook. Ou quando, mais tarde, os dois vão a um restaurante e pedem um suco, que lhes é prontamente servido, e após um par de diálogos abandonam o local deixando suas bebidas praticamente intactas. Toda a primeira metade do longa é construída sobre a incompletude desses fragmentos de ação que servem para expor a evolução de Xiaobin no conhecimento do idioma estrangeiro. Pois o domínio da língua, a capacidade de comunicação, é elemento fundamental para a libertação da personagem e seu contato mais íntimo com a cultura que a cerca, algo constatado por ela ao observar os passageiros do metrô.

A língua é também componente básico para o estabelecimento de uma identidade própria, outro conflito vivenciado pela jovem que, ao longo da projeção, molda sua personalidade assumindo novos nomes, primeiro como Beatriz – nome da personagem que interpreta nas aulas – e depois, quando mais segura e ciente de quem é, como Sabrina – nome latino foneticamente mais próximo ao seu chinês. Wohlatz conduz essa proposta de ficcionalizar parcialmente os eventos da vida real de Xiaobin com bastante segurança, impondo uma estrutura bem definida, assim como a concepção estética: o minimalismo dos planos e diálogos, que valorizam os silêncios e os espaços vazios, as cenas iniciais curtas e com poucos cortes que, gradativamente, tornam-se mais elaboradas conforme o crescimento da protagonista.

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O aspecto metalinguístico se intensifica na presença do personagem do ator argentino que se junta ao grupo e, em determinado momento, se dirige diretamente para a câmera afirmando fingir falar chinês. Informação que tem sua veracidade mantida como enigma por Wohlatz. Tudo isso enriquece a jornada de amadurecimento retratada em um tom de permanente melancolia mesclada ao humor leve extraído da idiossincrasia das circunstâncias que envolvem Xiaobin. As atuações não naturalistas do elenco refletem a sensação de estranhamento e deslocamento, além da mecanização da dinâmica das aulas de castelhano. Mas, mesmo sob esse véu de artificialidade, Xiaobin Zhang exala uma doçura e uma fragilidade genuínas, que geram empatia com essa versão de si mesma.

Como dito anteriormente, a questão central da trama é o domínio da linguagem. Ainda que não perca a conexão com suas raízes – o grande embate dramático, a discussão com Vijay, ocorre em chinês - é a perícia no idioma local que possibilita a Xiaobin sua independência em relação aos pais - especialmente da mãe severa e interesseira. Wohlatz opta por não registrar as figuras de autoridade de maneira direta: a professora permanece totalmente oculta, o dono do restaurante só é visto parcialmente, os pais quase sempre à distância. O mesmo acontece com a casa que a garota deseja abandonar, da qual só é oferecida a visão externa, com Xiaobin apresentada através das grades ou da silhueta na janela do andar superior. A transformação completa da garota se dá a partir do momento em que passa a imaginar as possibilidades para seu futuro, como sugere o título do longa, uma referência ao tempo verbal do espanhol em que uma ação futura está condicionada a outra anterior.

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Esse ato de fantasiar rende os melhores momentos de Futuro Perfeito, pois os cenários imaginados por Xiaobin vêm carregados de uma idealização cinematográfica deliciosamente exagerada e farsesca. Ciente dos limites de sua ideia, Wohlatz não a estende além do necessário, entregando um filme sucinto que transmite a mensagem desejada. E, mesmo que o desfecho aberto possa soar demasiadamente enigmático, ou sinta-se certa falta de aprofundamento, tudo termina fazendo sentido dentro de uma inventiva e bem executada proposta.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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