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Sinopse

O pintor Walter Keane alcança um considerável sucesso no mundo das artes dos Estados Unidos nos anos 1950/60, revolucionando o comércio popular de arte. No entanto, a verdade é que as obras eram de sua esposa Margaret.

Crítica

Tim Burton é um dos realizadores mais autorais da atual Hollywood. Seus filmes são aplaudidos por fãs ao redor do mundo e aguardados com ansiedade por quem reconhece e admira seu estilo único de filmar. “Visionário” e “soturno” são alguns dos termos geralmente empregados para descrevê-lo. No entanto, ao mesmo tempo em que realiza campeões absolutos de público como Batman (1989) e Alice no País das Maravilhas (2010), ele segue atrás de uma aprovação maior da crítica e da indústria. Até hoje, a obra que mais próxima chegou de um consenso nesse aspecto foi Ed Wood (1994), cinebiografia do pior cineasta de todos os tempos – e, também, o maior fracasso de público de toda a sua carreira. Pois é a essa universo que o diretor retorna em Grandes Olhos, um filme que tenta obter um maior respeito artístico, porém, a despeito dos seus méritos, falha tanto em se comunicar com uma maior gama da plateia como em atingir sua audiência ambicionada.

Em Grandes Olhos, Burton voltou a trabalhar com um roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski, a mesma dupla responsável pelo texto de... Ed Wood! É o segundo longa deles em conjunto, e se a primeira experiência ficou marcada por uma ambientação pictórica que remontava aos próprios filmes do personagem biografado enquanto que o protagonista em questão era eclipsado por coadjuvantes carismáticos, desta vez também é possível identificar uma referência imagética, ainda que a força das imagens não seja superior ao retrato daqueles em cena. Isso, é preciso concordar, é um avanço significativo. O foco dessa vez está na pintora Margaret Keane, que se tornou reconhecida internacionalmente no universo das artes plásticas por pinturas bastante características, nas quais crianças com olhos desproporcionalmente enormes e impressionistas se destacavam. Mais do que a qualidade do seu material, no entanto, sua história merece ser contada pela forma como sua trajetória ocorreu. E é atrás disso que o diretor está.

Margaret Hawkins nasceu no Tennessee, interior dos Estados Unidos, em 1927. Após um casamento frustrado, pegou a filha única e fugiu para São Francisco para tentar uma vida nova. Lá conheceu e se apaixonou por Walter Keane, um homem simpático e atraente, dono de uma boa lábia e de histórias incríveis – a maioria delas sobre si mesmo. O que ela aos poucos vai descobrindo é que muitos destes relatos são inventados, e essa tendência fantasiosa vai, gradualmente, abrangendo a própria relação que entre eles se estabelece. Ainda que tenha se apresentado num primeiro momento também como pintor, ele era, na verdade, um falsário que forjava sua assinatura em trabalhos de outros. E não demorou muito para que começasse a fazer o mesmo nas obras dela. Insegura e assustada com suas ameaças, ela acaba concordando com as mentiras, e por mais de dez anos viveu sob sua sombra, aceitando que ele levasse a fama pelos quadros realizados por ela.

É claro que uma hora isso teria que acabar – como, de fato, aconteceu. E se Walter se recusava em assumir seus erros e seguia inventando falácias a respeito do relacionamento dos dois, caberia a ela provar seu talento. Essa conto – mulher é enganada pelo marido, concorda com a farsa e depois revela ao mundo a verdade – é, ao mesmo tempo, surpreendente e simplista. Afinal, bastava colocar um ao lado do outro diante de uma tela branca para ver qual conseguiria recriar a arte tão específica e qual estava apenas fingindo. Isso ainda faria um filme interessante, porém não mais do que aqueles especiais de televisão. É por isso que Tim Burton vai além, observando como se deu as ligações entre o casal, o que leva um a aceitar o abuso do outro e, principalmente, quais as condições para uma situação como essa acontecer. Aí, portanto, está o diferencial de Grandes Olhos.

Questionada sobre os porquês de pintar deste modo, Margaret Keane afirmou que seria através dos olhos que vemos não só o mundo exterior, mas também os duelos internos de cada pessoa, como uma ‘janela da alma’. E o que ela estaria passando, nestes quadros, seria a tristeza sentida por uma vida de desilusões e más escolhas. Walter Keane foi uma dessas. Mas, ainda assim, difícil de se desvencilhar, pois a conexão que se estabelece entre eles é forte e determinada, abrangendo vários pontos carentes de sua personalidade, como a proteção familiar, a baixa autoestima e a postura da mulher na sociedade dos anos 1950. Para isso, a atuação exuberante e carismática de Christoph Waltz se encaixa como uma luva. Ainda que seja um ator de um tom só – e pelo qual já ganhou dois Oscars, o que chega a ser um exagero – ele se adapta bem ao que lhe é aqui exigido. Nada, no entanto, que se iguale ao desempenho interno e repleto de nuances de Amy Adams, que compõe uma protagonista que não só atravessa por importantes mudanças durante o decorrer da trama como ainda coloca em evidência suas motivações e sentimentos. Uma atuação exemplar, premiada no Globo de Ouro e injustamente ignorada no Oscar.

Apontado por muitos como o filme menos típico do diretor – não só pela ausência de temas fantásticos mas, também, pelo fato de tanto Johnny Depp quanto Helena Bonham Carter não estarem no elenco – Grandes Olhos ainda assim é um longa com a marca Tim Burton. Ali estão o protagonista inesperado (como A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, 1999), as inquietações internas (como Edward Mãos de Tesoura, 1990), as relações familiares (como Peixe Grande, 2003), a injustiça artística (como Sweeney Todd, 2007) e a criatividade que surge da frustração (como A Fantástica Fábrica de Chocolate, 2005). Todos os seus temas caros estão ali. Lamentavelmente, não de uma forma tão explícita como antes, mas explorados com mais elegância e discrição. Um avanço inegável em sua obra, mas que assim como seus personagens, se demonstra incompreendido num primeiro momento.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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