Sinopse
Os bastidores conturbados de uma obra-prima. O cineasta Alfred Hitchcock, apesar de sua fama imensa em Hollywood, não consegue apoio para realizar Psicose (1960) nos grande estúdios, estes receosos em investir numa trama de gênero. O resultado foi uma produção quase independente, de baixo orçamento, que mudaria o cinema.
Crítica
Não há como negar que Psicose (1960) é um dos clássicos definitivos da filmografia de Alfred Hitchcock. Pode não ser o favorito de muitos, mas com certeza é o mais famoso. Fica difícil acreditar que, quando começou a ser produzido, o longa-metragem quase não chegou às telas dos cinemas. Isso se não fosse a persistência do cineasta, que investiu do próprio bolso para que o filme fosse feito. E esta é, basicamente, a história de Hitchcock, cinebiografia dirigida por Sacha Gervasi e com Anthony Hopkins na pele do mestre do suspense e Helen Mirren como sua esposa, Alma. Uma produção que gerou muita expectativa, porém está muito aquém do que poderia ter sido.
Não são poucos os problemas de Hitchcock, a começar pelo roteiro. Há uma inconsistência na conexão feita entre a complicada produção e as filmagens de seu filme mais bem sucedido, a relação do mestre do suspense com sua esposa Alma e a suposta traição dela com um roteirista e ainda visões que Hitchcock teria com o assassino real que inspirou o livro de Psicose. Por sinal, essa última questão é uma grande forçada de barra que já poderia ter sido descartada de primeira. A impressão que se tem é que John J. McLaughlin, roteirista do excelente Cisne Negro (2010), queria repetir a confusão mental da protagonista de seu sucesso anterior. Porém, ao menos no que se tem notícia, não há nada nas biografias de Hitchcock que indiquem qualquer alucinação do gênero. Bola fora.
A atração que Alma Reville (Mirren) sente pelo roteirista Whitfield Cook (Danny Huston) – com quem ela já havia trabalhado em Pavor nos Bastidores (1950), um dos filmes de menor qualidade de Hitchcock – também é um ponto desfavorável. A única explicação plausível para o uso desta história é aumentar a participação em tela da intérprete vencedora do Oscar por A Rainha (2006) e tentar mostrar um pouco mais da dinâmica do casal. Realmente, uma bela performance da atriz, mesmo com tão pouco para ser aprofundado. Helen Mirren esmiúça sua Alma mostrando o quanto ela se ressentia por viver à sombra do marido e ter sempre que participar de suas loucuras – desta vez, chegando a quase perder a casa para poderem investir em Psicose. O ápice da má utilização desta história é acentuado em duas cenas: a primeira, quando Hitchcock exclama seu ciúme durante uma refeição, e outra, na reconciliação do casal. Diálogos açucarados demais e que parecem não caber nas personalidades de ambos. O que, supondo sabermos após tantos anos de livros, documentários e afins sobre o diretor e sua esposa, fica difícil de imaginá-lo falando algo daquele tipo. Parece novela das oito.
A parte mais interessante do filme, que é realmente a história da produção e que foi baseada nos relatos de Stephen Rebello em seu livro Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose, é deixada de lado por muito tempo. Não faltam referências interessantes, como a relação estremecida com a atriz Vera Miles (Jessica Biel, subaproveitada), que o cineasta queria transformar em uma estrela à altura de Grace Kelly, mas ela acabou engravidando duas semanas antes de começarem as filmagens de Um Corpo que Cai (1958). Fato que fez Hitchcock nunca mais simpatizar com a atriz, por isso acabou lhe dando um papel “menor” dois anos depois, em Psicose, como a irmã de Marion Crane.
Outra questão pertinente e bem utilizada em uma sequência é a revelação do ator Anthony Perkins (James D’Arcy, uma reprodução fiel do intérprete), que conta a Hitchcock sobre sua real relação de dependência com a mãe. Caso que atiça a curiosidade do diretor e assim entendemos um pouco mais como foi construída a personalidade do antagonista Norman Bates. Porém, assim como em outros bons momentos, o excesso de informações mal trabalhadas é que diminui a qualidade de Hitchcock como um todo, assim como o desperdício de grandes nomes no elenco, como Toni Collette, aqui no papel da secretária Peggy Robertson. Falando em elenco, não poderia deixar de comentar a escalação de Anthony Hopkins como o diretor. O ator se desnuda da eterna performance de Hannibal Lecter que parecia ter tomado conta da maioria dos seus personagens nas duas últimas décadas e consegue dar vida a um Alfred Hitchcock em todos os seus trejeitos. No entanto, a maquiagem pesada demais parece ter trancado os movimentos do intérprete e, às vezes, mal vemos sua face se mover. O que, obviamente, acaba prejudicando a atuação. Aliás, não dá para entender porque o filme foi indicado na categoria de Melhor Maquiagem no Oscar deste ano.
Por outro lado, há ótimos momentos no filme, como a luta de Hitchcock para conseguir que os estúdios da Universal aprovassem sua história, o embate com a censura, a reprodução das filmagens em estúdio e, é claro, a tomada clássica da cena do chuveiro, em que Scarlet Johansson incorpora de vez sua Janet Leigh e se apavora com a pontual loucura de seu diretor. Outra cena que merece aplausos acontece na estreia da obra em questão nos cinemas, quando Hitchcock fica à espreita na porta da sala de cinema cuidando a reação dos espectadores durante a cena do chuveiro. Ainda assim, a inexperiência do realizador de Hitchcock, Sacha Gervasi (que no currículo tem como ponto alto o roteiro de O Terminal, de 2004 – o que não é necessariamente algo a favor) acaba deixando a direção dura e quadrada demais. São pouquíssimos takes que saem do habitual. Em geral, tudo poderia ser visto em qualquer obra televisiva. Nisto até outra visão sobre os bastidores com Hitchcock, o telefilme A Garota (2011), consegue chamar mais a atenção. Se levarmos em conta que o mestre do suspense não tinha essa alcunha à toa, mas sim por (entre outros motivos) saber contar uma história com tomadas interessantes e inovadoras, a direção deste filme poderia ter ficado a cargo de quem conhecesse mais sua estética. Opções não faltariam, seja Brian De Palma, Martin Scorsese ou qualquer outro com maior quilometragem atrás das telas.
Para quem quiser conhecer mais da história dos bastidores do filme que foi a maior bilheteria de Hitch (como ele gostava de ser chamado), recomendo a leitura do livro que inspirou este longa-metragem mal sucedido e que foi lançado em português pela editora Intrínseca. Tanto a obra quanto Psicose e, principalmente, Alfred Hitchcock, mereciam muito mais e melhor. Ao menos, um diretor mais experiente e um roteiro menos megalomaníaco. Sacha Gervasi tem muito a aprender ainda. É como diz o ditado: menos é mais. Totalmente aplicado aqui.
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Caro Matheus, gosto de ler seus textos. Cinema é uma velha paixão e Hitch é uma paixão dentro de outra. Hitchcock para mim é mais que um mestre do suspense, é um mestre do cinema. Hitch nunca precisou de Oscar, de Cannes, de Golden Globe ou de qualquer outro prêmio para se tornar o que se tornou. Isso é ser genial! E ele foi tão genial que cada filme que dirigia apagava os rastros que ele ia deixando ao longo de uma carreira de 53 filmes. Ou seja, quando Hitch morreu não havia pegadas na areia (ou na neve) que levassem até ele. Por isso, diretor nenhum consegue falar de Hitch usando a linguagem cinematográfica como forma de expressão. Dezenas de diretores o imitaram - Brian De Palma com Dressed to Kill, Blow Out e Body Double bem que tentou; Robert Benton e seu Still of the Night foi outro que tentou chegar perto; Gus Van Sant refilmou quadro a quadro o célebre Psycho e ficou a ver navios e, mais recentemente dois filmes sobre Hitchcock vieram à tona: O telefilme The Girl, de Julian Jarrold e Hitchcock, de Sacha Gervasi - dois tremendos fiascos quando tiveram a pretensão de falar do grande mestre. Por isso concordo com você Matheus. Hitchcock não deveria ter sido feito. Na esteira (sem rastros) do sucesso do velho cineasta, muitos diretores tentam pegar carona, mas se mostram absolutamente incompetentes. De Palma conseguiu relativo sucesso com Dressed to Kill e Body Double, mas... E depois? Benton e Sant tiveram que ignorar suas experiências hitchcokianas e seguir em frente em outros gêneros cinematográficos. Nada a comentar sobre as obras pífias de Jarrold e de Gervasi. Correndo por fora - e errando mais do que acertando - temos o incansável M. Night Shyamalan (que tascou um 'night' no nome para dar um empurrãozinho no suspense) e seus thrillers (sic!). Ele até faz aparições nos filmes... Mas convenhamos... E nem podemos considerar The Sixth Sense um suspense à la Hitchcock por que não é! O roteiro é um achado, mas o filme de Shyamalan passa longe da estética e da técnica de Hitchcock. E só para encerrar me lembrei de dois filmes: Um de 1963, estrelado pela Audrey Hepburn e pelo Cary Grant chamado Charade, do diretor Stanley Donen e outro de 1967 também estrelado pela Audrey chamado Wait Util Dark, do Terence Young. Sempre que assisto esses filmes passo o tempo todo pensando: Ah! Esses filmes nas mãos do mestre... Um abraço Matheus!