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Crítica


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Sinopse

Desde a juventude numa fazenda de algodão até o início do sucesso em Memphis, a história do cantor Johnny Cash. Sua personalidade marginal o conduzia por um caminho de autodestruição do qual apenas June Carter, o amor de sua vida, poderia desvia-lo.

Crítica

O que dizer quando os próprios biografados aprovam os atores escolhidos para os interpretarem nas telas de cinema? Esse foi o caso de Johnny & June, quando os cantores Johnny Cash e June Carter tiveram a palavra final na escalação de Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon para serem os protagonistas deste longa sobre suas vidas. Assim como aconteceu com Ray (2004), em que Ray Charles aprovara a escolha de Jamie Foxx para interpretá-lo em cena, mas morrera antes do filme ser finalizado, igual tragédia se sucedeu neste projeto: Johnny e June faleceram, com diferença de poucos meses, ainda nos estágios iniciais da pré-produção, antes do início das filmagens. Mas é difícil imaginar qualquer tipo de arrependimento por parte deles caso tivessem tido a oportunidade de conferir a obra pronta, visto o excelente resultado crítico e de público obtido. Ainda não seja perfeito, em última instância a conclusão a que se chega é que essa foi uma decisão acertada.

Johnny & June não é um filme ruim – longe disto! Seu problema, no entanto, é aparentar demais com uma típica produção para televisão, como aqueles telefilmes exibidos regularmente em emissoras de sinal fechado. O roteiro do também diretor James Mangold (que posteriormente entregaria títulos tão distintos quanto o subestimado Os Indomáveis, 2007, o confuso Encontro Explosivo, 2010, e o frustrante Wolverine: Imortal, 2013) é extremamente regular, corriqueiro e protocolar. Não há surpresas, inovações ou algum toque pessoal que seja. Porém, mesmo sendo simples, é bem feito e, até certo ponto, envolvente. Não peca por pretensão, mas também não por originalidade. A vida de Johnny Cash e o relacionamento dele com June Carter é contado de forma didática, detalhada e sem deixar muitas dúvidas – o espectador pouco participa da construção da história. Mesmo assim, há bons momentos que compensam maiores esforços.

O que torna Johnny & June especial e o tira do valo da mediocridade são os desempenhos dos dois protagonistas: Joaquin e Reese estão impressionantes (ambos cantam e interpretam eles próprios todas as canções) – ele ainda mais do que ela. Se o desempenho dele surpreende pelo grau de entrega e imersão no personagem real, ela chama atenção por revelar uma maturidade até então insuspeita. Ambos foram premiados no Globo de Ouro (Melhor Ator e Melhor Atriz em Comédia ou Musical) e indicados ao Oscar, porém somente ela levou a cobiçada estatueta dourada para casa. Só não se pode afirmar ser um legítimo caso de injustiça porque ele teve pela frente um irretocável Philip Seymour Hoffman como Capote (2005), o que deixou a disputa, no mínimo acirrada. Witherspoon, por outro lado, era a franca favorita (foi premiada nas associações de críticos de Boston, Nova York e São Francisco, além de ter ganho os prêmios dos Sindicatos dos Atores, do Sindicato Nacional de Críticos dos EUA, o Satellite Award, o Online Film Critics e o Broadcast Film Critics) num ano em que as atuações femininas em geral deixaram a desejar. Uma conjunção no mínimo curiosa, uma vez que percebemos que o filme não é especificamente sobre ela, e nem mesmo sobre os dois; é, sim, sobre a vida dele e como o relacionamento com ela afetou sua carreira pessoal e artística.

Sucesso de público (faturou mais de US$ 115 milhões, para um orçamento que foi de aproximadamente um quarto deste valor) e de crítica (foi eleito também o Melhor Filme de Comédia ou Musical no Globo de Ouro, além de ter recebido outras três indicações ao Oscar – Figurino, Edição e Som – e premiado no Bafta, nas categorias de Atriz e Som), talvez o maior empecilho a uma consagração imediata a Johnny & June tenha sido a proximidade de seu lançamento com o já citado Ray e as semelhanças que as duas obras guardam. Ambos protagonistas tiveram mães fortes, irmãos que faleceram ainda crianças, traumas da infância que perduraram por toda uma vida, o começo difícil da carreira, um sucesso arrebatador enquanto cantores, problemas com drogas e mulheres e uma redenção próxima ao fim. Ou seja, é quase como um Ray 2, agora numa versão caucasiana. É bom, entretêm e cumpre a contento a função de lançar um olhar mais detalhado sobre a trajetória de dois artistas que merecem ser descobertos por novas gerações. Mas enquanto cinema é um trabalho mediano que só deverá ser lembrado por razões oblíquas, independente de sua qualidade intrínseca.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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