A Segunda Esposa

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Sinopse

Em A Segunda Esposa, Ayse é escolhida para se casar com Hasan, filho de Fatma, que mora na Áustria. Porém, chegando lá, ela percebe que aparentemente se tornará a segunda esposa do marido de Fatma, um problema que se agrava em um país que não permite a poligamia. Drama.

Crítica

Ayse (Begüm Akkaya) é um corpo estranho e incômodo, porém necessário, na família de seu marido. Fica bastante evidente, ainda durante a cerimônia de casamento, que o enlace é arranjado, principalmente em virtude da reação contrariada de Hasan (Murathan Muslu), o homem que desposou essa protagonista de belos e expressivos olhos. Ele, assim como uma de suas irmãs, não esconde o descontentamento, do qual sabemos as verdadeiras raízes somente mais adiante. A Segunda Esposa, aliás, é um filme que se expõe aos poucos, com informações vitais sobre as motivações dos personagens e a natureza das situações surgindo paulatinamente. Uma vez entendido que há mais a ser revelado, o percurso desenhado pelo roteiro se torna instigante, ao menos até determinado ponto. A doente Fatma (Nihal Koldaş), sogra de Aysle, destoa dos demais, porque a acolhe com muito carinho, preparando-a para assumir sua posição na casa, na criação dos filhos e até mesmo no leito matrimonial.

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Após o esclarecimento das reais dinâmicas que o regem, A Segunda Esposa embarca numa exploração ligeiramente prosaica dos conflitos e dos encadeamentos. O diretor Umut Dağ deixa de lado a esfera ampla, que permitia, por exemplo, o surgimento de indagações a respeito dos códigos religiosos turcos, para focalizar as pessoas, mais precisamente os efeitos-colaterais sentidos por elas em decorrência da situação insólita. A perseverança com que Aysle enfrenta as animosidades, abraçando a missão de doar-se quase completamente à família prestes a perder um de seus referenciais, é abastecida moral e emocionalmente por Fatma. Aos trancos e barrancos, contra resistências internas e outros contratempos, essas mulheres lutam para manter intacta uma instituição milenar, preservando-a estruturalmente. A morte vem num solavanco, contrariando a predominância das sutilezas que vigorava até então, impondo uma nova configuração narrativa, com espaço diminuto às sugestões.

São muitos os momentos em que A Segunda Esposa se aproxima perigosamente da banalidade, pondo em risco o olhar pungente de até então, sobretudo no que tange à família como centro de uma configuração social chancelada pela tradição. O foco se estreita em Aysle, também por ela se tornar imprescindível a praticamente todos. Desempenhando os papeis de confessora ao marido postiço, de suporte aos jovens e de acalento aos mais velhos, torna-se peça-chave à firmeza dos laços que permitem a manutenção da linhagem. Essa centralização, todavia, desgasta alguns personagens. Exemplo disso, a maneira como o diretor lida (mal) com o potencial contestador da garota hostil a Aysle desde o início. A intempestividade dessa adolescente arredia, entre outras coisas, ao uso regular do lenço, ou seja, a cobrir a cabeça como as demais, é instituída e posteriormente solidificada menos como sintoma de afronta às regras e mais como indício de ciúme, puro e simples.

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A Segunda Esposa ensaia lançar uma visão inconformada sobre o sexismo incrustado em várias doutrinas religiosas. Depois, visa tornar sua protagonista uma espécie de mártir que oferece metaforicamente sua carne e seu sangue como nutrientes dos anseios alheios. Por fim, tenta extrair importância da ligação entre duas mulheres, não por acaso com idades para serem mãe e filha, que, cada qual do seu jeito, se entregam em sacrifício para a manutenção dos costumes que sustentam as crenças. Consegue timidamente tocar em todos esses pontos, ao menos propiciando certo nível de reflexão, mas infelizmente não os aprofunda. A realização de Umut Dağ só atinge novamente as notas altas quando próximo do fim. Ao mostrar a fúria e a violência física como decorrências de concepções arraigadas, o diretor evidencia a fragilidade da afeição diante da intolerância.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Marcelo Müller
6
Chico Fireman
6
MÉDIA
3

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