La Vingança

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Sinopse

Crítica

Ao som de Raindrops Keep Falling On My Head, clássica canção de B. J. Thomas, largamente utilizada para sublinhar momentos idílicos, o dublê Caco (Felipe Rocha) parte com um buquê de rosas (meio velhas, mas, ainda assim, rosas) para pedir sua noiva em casamento. A ironia está impregnada na encenação, então já sabemos, enquanto ele anda desavisado pelos corredores do restaurante onde a amada trabalha, que algo não tão positivo vai acontecer. Assim, o flagrante dela transando com o chefe argentino surpreende mais a ele que a nós. Isso é previamente calculado para nos concentrarmos exatamente na dor do protagonista de La Vingança, deixando o impacto da novidade à expressão consternada e à posterior fossa na qual ele se resigna ouvindo clássicos do brega. Quem o tira desse lugar de tristeza e solidão é o colega e amigo Vadão (Daniel Furlan), proprietário do Opala 1972 que os leva do Brasil à Argentina no plano estapafúrdio de ficar com diversas hermanas a fim de vingar a traição.

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De cara, nesta trama conduzida pelo diretor Fernando Fraiha, sobressai o talento de Daniel Furlan, típico sidekick que constantemente rouba a cena, com piadas fundamentadas não apenas no senso comum referente aos relacionamentos, mas, e, principalmente, na rivalidade entre brasileiros e argentinos, que sai das quatro linhas do futebol para ganhar o campo sentimental. Aliás, a dinâmica entre o coadjuvante e o protagonista é o principal valor de La Vingança. Felipe interpreta um homem entristecido, que nem luta muito para sair do fundo do poço. Sua contraposição óbvia é a imaturidade escancarada de Vadão, o nonsense e generoso companheiro de percurso, capaz de arrumar confusão com os policiais da fronteira, e que só pensa em quantas argentinas será capaz de azarar. O discurso dele em prol dos benefícios da solteirice, no intuito de consolar o cabisbaixo, além de abertamente superficial, pois baseado numa série de chavões repetidos à exaustão no dia a dia, mascara suas questões emocionais.

La Vingança é um filme divertido, calcado na amizade desses dois jovens, no fim das contas, em busca das mesmas coisas, mas por vias diferentes. O timing cômico dos atores é potencializado pela opção diretiva de estender os planos na medida em que a continuidade claramente beneficia a espontaneidade dos diálogos. Portanto, a fluidez das conversas que permeiam as ocorrências inusitadas à beira da estrada se impõe como um dos grandes atrativos do longa-metragem. Fernando Fraiha adere a certas convenções, nem sempre de maneira inventiva, como quando apresenta a personagem Lupe (Aylin Prandi). Sabemos logo que depois de interagir com o protagonista na lavanderia, numa situação constrangedora para ambos, ela ainda cruzará o caminho dele, sendo determinante. A leveza e a graça da produção, bem como a qualidade das tiradas que recorrentemente sublinham as passagens já no território estrangeiro, porém, abrandam os efeitos colaterais das previsibilidades.

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Em meio às tentativas de fazer algo relevante no caminho para Buenos Aires, Caco e Vadão passam poucas e boas, chegando a flertar com uma noiva que acabara de largar o marido no altar. La Vingança é praticamente bilíngue, trilíngue se considerarmos o portunhol mediador das conversas. Já vimos no cinema esta história antes, concebida com simples variações. Porém, o que distingue este filme daqueles aos quais, inevitavelmente, paga tributo, é a autenticidade desprendida do trabalho dos atores em consonância com uma direção que busca exatamente amplificar as competências em cena. Nos quesitos ‘piadas de argentino’ e ‘encarnação do clichê do brasileiro’, Vadão é o destaque; já no que tange à carga sentimental, Caco personifica muito bem um estado de espírito quebradiço, intrínseco às desilusões amorosas. A bordo do vistoso Opala 1972, eles curtem as possibilidades nas retas e curvas que levam ao amadurecimento, com direito a música icônica composta por Ennio Morricone.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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