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Sinopse

Laurence tem uma vida confortável como professor de inglês e namorado da bela Fred. Porém, cresce um desconforto que o leva a desejar trocar de sexo e se tornar mulher.

Crítica

Xavier Dolan é um talento emergente do atual cinema mundial. Nascido no Canadá, com apenas 20 anos lançou seu primeiro trabalho, o polêmico Eu Matei Minha Mãe (2009), que despertou atenção ao redor do mundo, de Cannes a Bangkok, tendo angariado quase 30 prêmios internacionais. Desde então, cada novo trabalho do ator e diretor tem chegado aos cinemas repleto de expectativa e apreensão: conseguirá ele repetir o mesmo efeito da sua estreia? Se com Amores Imaginários (2010) a impressão geral era de que tanto cuidado com a estética (elaborada e precisa) acabou esvaziando o conteúdo, seu terceiro longa, Laurence Anyways, vai ainda mais fundo no radicalismo do cineasta, investindo nas suas diretrizes de cinema ao mesmo tempo em que o afasta do público. Trata-se de uma obra muito mais necessária pelo tema que aborda do que por sua importância fílmica intrínseca.

Aparecendo desta vez apenas como realizador, é curioso notar como o dono de um ego tão proeminente possa ter se contentado em permanecer apenas nos bastidores de Laurence Anyways. Dolan não mostra o rosto, mas seu terceiro longa-metragem tem seu nome escrito do início ao fim, principalmente pelas pretensões além da conta e pelos exageros – de estilo, de interpretações, de formato, de duração – que melhor se encaixariam na proposta se tivesse sido podados. Quem assume dessa vez como protagonista é o francês Melvil Poupaud, que foi um dos filhos de Catherine Deneuve em Um Conto de Natal (2008) e que interpretara com muita intensidade um gay à beira da morte em O Tempo que Resta (2005). Ele aqui está de volta a uma figura de sexualidade ambígua, porém não tão fácil de ser definida. Laurence não é apenas gay ou bissexual: é, sim, um transexual, um homem que não se conforma com o próprio corpo e decide viver – vestir, agir, se relacionar – como mulher. No entanto, trata-se de um espírito feminino lésbico, pois ele continua apaixonado pela esposa – e é neste ponto que começam os maiores problemas, tanto do personagem como do filme em si.

Laurence é casado e feliz ao lado de Fred (Suzanne Clément, que havia aparecido no citado Eu Matei Minha Mãe), uma garota cheia de vida, colorida, autêntica. Porém, esse espírito rebelde entra em conflito quanto o marido lhe confessa que, a partir do dia seguinte, passará a se vestir como mulher, pois está cansado de mentir para si e para os outros. A questão com ele está além das preferências: não é o que gosta, e sim o que é. E ele é uma mulher. Ou ao menos é como se sente. Sempre se viu desconfortável no corpo de um homem, e pensa que assim, com essa nova posição, este estranhamento possa diminuir. Para ele, ao menos. Mas e para os que estão ao seu redor? A partir desse ponto o previsível acontece: preconceito entre amigos e familiares (participação deliciosa da ótima Nathalie Baye, de Uma Doce Mentira, 2010, como a mãe indecisa entre apoiar o filho e se manter aliada ao marido), demissão do trabalho, reorganização da vida íntima e da profissional. Laurence decide investir na carreira de escritor ao mesmo tempo em que reafirma sua paixão por mulheres – apesar de querer ser uma ele próprio. Fred até tenta, mas não consegue lidar muito bem com isso. A cena do estouro na cafeteria com a garçonete é um dos seus momentos altos em cena, mostrando bem o que acontece quando explode uma vida que se leva em inteiro controle.

Os personagens de Laurence Anyways estão sempre se reinventando, numa busca constante para se adaptarem aos novos tempos. Eles estão a todo instante se banhando, seja pelas folhas de outono, pelas roupas que caem em plena rua ou pela água do chuveiro que os abriga e acolhe. Mas o foco, que deveria ser no protagonista, perde muito tempo analisando as idas e vindas da relação amorosa do casal, desgastante tanto para os envolvidos quanto para a audiência, que se pergunta até quando aquilo irá durar. As quase três horas de duração também não colaboram, gerando no espectador uma estafa tão grande que torna difícil uma análise mais distanciada. A questão da identidade sexual é muito bem abordada e sempre se impondo como algo necessário de ser discutido, porém Xavier Dolan deveria ter se fixado melhor no que exatamente desejava trazer à tona, lapidando melhor esse roteiro que chega cheio de boas intenções, mas como todos sabem dessas o inferno está cheio.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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