Crítica


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Sinopse

Depois de ser coroado Rei dos Escoceses, o lendário Robert "The Bruce" luta para tentar recuperar o controle. Mas, acaba sendo derrotado em um ataque surpresa feito pelo rei inglês, o que o tornou um fora-da-lei.

Crítica

Muito tem se falado sobre a cena de nudez frontal de Chris Pine em Legítimo Rei, drama histórico que teve sua primeira exibição durante o Festival de Toronto, no último mês de setembro. No entanto, os fãs do ator que forem atrás do filme somente em busca de sua exposição física certamente sairão decepcionados. Afinal, ele realmente mostra o tamanho do seu talento, mas em uma sequência tão efêmera, gratuita e discreta que é de se estranhar que isso seja tudo a ser comentado a respeito de um título como esse, uma espécie de continuação não-oficial e tardia do oscarizado Coração Valente (1995). A má recepção da crítica – avaliação média de 57% no Rotten Tomatoes, com quase 100 reviews computadas – e o atual descaso com esse tipo de produção por parte do público terminou em condená-la ao atual limbo desta época: o catálogo da Netflix. E assim, sem passar pelos cinemas, o que se perde é uma produção feita para a tela grande, porém com uma alma intimista que merece ser apreciada com cuidado, e não dentre tantas distrações como geralmente são essas plataformas de streaming. Triste fim para um título que merecia maior atenção.

O diretor David Mackenzie e Chris Pine realizaram juntos um dos melhores filmes de dois anos atrás: A Qualquer Custo (2016), que foi indicado a quatro Oscars (inclusive a Melhor Filme) e premiado no Film Independent Spirit Awards e no National Board of Review. Agora deixam o desalento do abandonado interior norte-americano para se concentrarem na trajetória de Robert The Bruce, que no século XIV lutou pela independência da Escócia frente ao domínio inglês. Ainda antes da primeira cena, uma série de letreiros se encarregam de situar o espectador a respeito da situação: após a morte do último herdeiro real, o nobre inglês é chamado para ajudar no processo de escolha da sucessão do trono. Este, ao invés de colaborar como um prestimoso vizinho, aproveita o quadro que encontra de lutas internas e decide ele próprio assumir a coroa escocesa, tratando logo de abafar qualquer tipo de revolta. É justamente nesse momento em que o filme começa: com Robert (Pine) e John III (Callan Mulvey, de 300: A Ascensão do Império, 2014), os representantes das duas famílias que, em teoria, teriam direito a assumir o reino, jurando lealdade ao monarca da Inglaterra, Rei Eduardo II (Stephen Dillane, de O Destino de uma Nação, 2017).

Pois bem, não demora muito para que as promessas de paz do novo governante se revelem infundadas. O povo escocês volta a sofrer miseravelmente diante da violência e cobrança de altos impostos. E após a morte do pai, Robert se vê sem outra opção, senão partir para uma nova guerra. Ele até tenta uma aliança com o inimigo mais próximo, John III, mas o contato entre os dois termina com o assassinato brutal do opositor. Perdoado pela Igreja – que não vê com bons olhos a fé anglicana – ao mesmo tempo o novo líder é declarado fora-da-lei por Eduardo II, que envia o próprio filho, Eduardo, Príncipe de Wales (Billy Howle, de Dunkirk, 2017), ao seu encalço. Duas alianças fortalecem, no entanto, os objetivos de Robert. Primeiro, o casamento arranjado com a princesa inglesa Elizabeth Burgh (Florence Pugh, de Lady Macbeth, 2016), a quem o filme dedica um olhar detalhado, tanto no processo de sedução entre os dois, servindo também para identificar o perfil humanitário do protagonista, mas também para determinar a presença transformadora de um verdadeiro amor. E, depois, a do rebelde James Douglas (Aaron Taylor-Johnson), que se une à causa no intento de restaurar o nome da família.

Não será fácil o caminho que Robert terá que percorrer. Primeiro pego numa armadilha pelos ingleses, com a esposa e a filha sequestradas e sem homens suficientes para fazer frente ao poderio bélico do opressor, ele terá que contar com a astúcia e com técnicas precisas para se fazer valer dos seus anseios. Outro problema concreto era o desgaste do próprio povo escocês, recém saído de uma outra batalha – malfadada, aliás – pela independência. Justamente aquela empreendida por Willian Wallace. O herói vivido na tela grande por Mel Gibson, é bom ressaltar, é dado como morto logo em uma das primeiras cenas de Legítimo Rei. E sem os ‘caras-pintadas’ para se posicionarem na frente da batalha, cabe aos nobres, dessa vez, tomarem alguma atitude e partirem para a ação. Há uma complicada estratégia em busca de alianças, com contatos, reuniões e encontros. A ambientação – são os mesmos cenários das filmagens, por exemplo – e as motivações são semelhantes àquelas vistas na série Game of Thrones (2011-2019). Porém, aquilo que na televisão se desenvolve por diversos capítulos, aqui é condensado em poucos minutos. E o peso desta dramaticidade, obviamente, acaba diluído, mesmo que sua relevância siga presente. Robert, na visão de Mackenzie, era um estadista, acima de tudo, e o que faz, como ele bem diz em determinado momento, é não para a terra escocesa, mas, sim, para aqueles que vivem sobre ela.

Com tanto a ser percorrido, não é de se estranhar que Legítimo Rei tenha um perceptível problema de ritmo. Algumas passagens funcionam no limite da perfeição, enquanto que outras são não mais do que gratuitas. Toda a sequência inicial, filmada em plano sequência, é tão vertiginosa que chega a espantar – no entanto, ao ser exibida na tela pequena da televisão, tablets ou smartphones, seu impacto se perde quase que por completo. Ou seja, é a visão do autor que se revela prejudicada. Há também de se questionar a postura distanciada, quase apática, do personagem-título. Chris Pine deixa claro estar atrás de uma composição austera, mas muitas vezes o que resulta é uma figura de difícil acesso, se por um lado não alheia ao que se passa ao seu redor, ao mesmo tempo de posições enigmáticas e muitas vezes incompreensíveis. O confronto final, grandioso e de forte impacto visual, deveria servir como redenção para todos estes percalços. Na magnitude do cinema, é provável que tivesse funcionado. Do jeito que se apresenta, no entanto, não perde sua curiosidade, ainda que somente os mais atentos poderão capturá-lo no verdadeiro âmbito das suas intenções. E assim temos esse conto épico de inegável valor histórico, que a todo custo tenta se equilibrar entre o entretenimento ligeiro e a mensagem perene. Um esforço nem sempre feliz, mas dono de momentos de inquestionável valor.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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