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Crítica


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Sinopse

Os acontecimentos que marcaram a última semana de vida do escritor judeu-austríaco Stefan Zweig e de sua esposa Lotte. Eles cometeram suicídio logo após o carnaval de 1942 em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Crítica

O esmero da produção de Lost Zweig é percebido, sobretudo, na reconstrução do Brasil dos anos 1940, era do governo Getúlio Vargas, em que chegou aqui o famoso escritor judeu-austríaco Stefan Zweig (Rüdiger Vogler) junto com sua esposa Lotte (Ruth Rieser). Esse conjunto técnico, que abarca da direção de arte à escolha dos figurinos, dá ares de verossimilhança à trama que se desenrola. Ora fieis aos tempos formais, característica sobressalente ainda mais na alta sociedade retratada pelo cineasta Sylvio Back, ora apenas frutos da menor atenção às minúcias, as interpretações seguem um tom solene, o que ocasionalmente depõe contra a parte emocional do filme. O protagonista é um homem deslumbrado com o país-continente da América do Sul ao qual dedicou uma de suas obras mais lembradas, tornando-se, assim, prato cheio para as intenções ufanistas de um regime ditatorial que precisava encobrir seus desmandos vendendo imagens de beleza e de alegria.

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Toda essa esfera política é costurada com habilidade por Back. São mostrados os esforços de Zweig no sentido de conseguir vistos para seus companheiros judeus que corriam sérios riscos na Europa marcada pela sanha nazista. Lauro Pontes, o lacaio de gabinete vivido por Daniel Dantas, é o que mais próximo chega do antagonismo marcado, pois inclemente na essência. Vargas (Renato Borghi) é pintado como estadista intocável que não faz o mínimo esforço para esconder vontades egocêntricas e megalomaníacas. Ele deseja que o austríaco escreva uma biografia de Alberto Santos Dumont, transformando-o num símbolo mundial de brasilidade bem-sucedida, nem que para isso seja preciso suprimir determinadas passagens menos solares, como as circunstâncias da morte do pai da aviação. Lost Zweig possui uma encenação contida, por vezes demasiado. O privilégio às maquinações das quais Zweig é vítima não deixa muito espaço para os vínculos sentimentais se instaurarem decisivamente.

Alguns episódios do filme são, no mínimo, curiosos, como o encontro do escritor com Orson Welles (Thelmo Fernandes), cineasta que estava no país filmando o que viria a ser (ou a não ser, em virtude da incompletude) É Tudo Verdade, projeto famigerado que, ao contrário das intenções diplomáticas, adquiriu contornos de crítica social. Welles é visto como um ébrio afeito a visitas constantes ao bordel repleto, inclusive, de prostitutas judias. É lá que Zweig se engraça por uma mulata de curvas generosas. O adultério não chega a ser tratado como uma questão relevante. Da mesma maneira relegada ao segundo plano é a ligação persistente entre o austríaco e a ex-esposa, Friderike (Denise Weinberg), ela que surge como fantasma para assombrar dias já bastante turbulentos. A oportunidade real de recomeço, longe do nomadismo imposto, vai desvanecendo a cada negativa dos altos escalões. A desilusão volta a se impor, mesmo em meio ao pretenso idílio no celebrado paraíso tropical.

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Ao invés de ressaltar a melancolia decorrente de uma série de pequenas violências, a decisão de instaurar dois tempos narrativos a partir de um acontecimento trágico depõe contra o filme, pois expõe sua principal fragilidade, exatamente a seara dos afetos. Zweig entra num processo aparentemente irreversível, levando consigo a esposa devotada que não abre mão de acompanhá-lo, seja onde for. Todavia, falta uma estrutura mais sólida para que esses momentos definidores adquiram o peso necessário. Em Lost Zweig a competência sobrepuja a (sempre bem-vinda) busca pelo risco, a correção ganha ares de soberania ante os possíveis mergulhos mais profundos na complexidade dos indivíduos. Certos personagens desempenham funções meramente ilustrativas, como o jornalista responsável por apresentar as maravilhas brasileiras ao estrangeiro. A despeito disso, o recorte proposto por Sylvio Back faz de Stefan Zweig uma figura emblemática, preso num cenário em que a opressão só estava um pouco mais camuflada sob a fina camada de festiva civilidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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