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Sinopse

Por mais de 45 anos, Sarah e Victor estiveram juntos. Como eles conseguiram isso? Quem realmente é Sarah, essa mulher enigmática que sempre viveu na sombra do seu marido? Amor, ambição, traição e segredos alimentam a odisséia deste casal incomum.

Crítica

Estreando como cineasta, o comediante francês Nicolas Bedos apresenta uma proposta ambiciosa: narrar a trajetória completa, entre agruras e alegrias, de um relacionamento de mais de quatro décadas. A trama de Monsieur & Madame Adelman, escrita por Bedos ao lado de sua companheira fora das telas, a atriz Doria Tillier – que também estrela o longa – se inicia nos dias atuais, durante o velório do renomado escritor Victor Adelman (Bedos), morto ao cair de um penhasco. Em meio a convidados e familiares que prestam condolências, a esposa do autor, Sarah Adelman (Tillier), atende ao pedido de um repórter que pretende escrever uma biografia focada na vida particular do falecido, sobretudo em seu casamento, e lhe concede uma entrevista, revelando detalhes de sua relação conjugal com Victor desde o primeiro encontro entre os dois.

Assim, a narrativa – dividida em capítulos - regressa à década de 1970, período que concentra a maior parte da ação, com os primeiros, e aparentemente os mais felizes, anos da história do casal. A atmosfera setentista, com sua iconografia escancarada nos objetos de cena, figurinos e penteados, é registrada por Bedos através de uma câmera em constante movimento, que transita pelos cenários se aproximando e se afastando dos personagens numa velocidade intensa. Registro esse que evoca um estilo difundido especialmente por Martin Scorsese, e emulado por tantos outros realizadores, como David O. Russell em seu Trapaça (2013), obra com a qual Monsieur & Madame Adelman dialoga, ao menos esteticamente, no que tange ao retrato desse recorte histórico marcado pelos excessos.

O apreço pela grandiloquência se faz dominante na direção de Bedos, sendo refletido na construção dos protagonistas. As atitudes exageradas, e o comportamento muitas vezes repreensível, acabam gerando obstáculos na criação do vínculo empático, principalmente no caso de Victor. O escritor se mostra extremamente egocêntrico, infiel, inseguro e com tendências à autodepreciação, características destacadas nas consultas com seu psicanalista (Denis Podalydès). Apesar de extrair alguns bons diálogos cômicos dessas sequências de psicanálise, e de insinuar a reprovação da conduta do personagem ao lhe atribuir uma aura por vezes patética, no fim, Bedos parece justificar seus atos como algo inerente à persona do escritor, do gênio artístico. Ainda que em menor escala, Sarah também apresenta suas falhas de caráter, como a faceta obsessiva – fazendo de tudo para atrair a atenção Victor, incluindo ter um caso com o irmão do mesmo.

Além desse aspecto, a facilidade com que a personagem se afasta da imagem inicialmente construída – da mulher independente, feminista, determinada – em função de Victor – largando seus estudos, aceitando as traições do amado – soa pouco natural. Algo que gera uma sensação de artificialidade, estendida a outras situações, carregadas do citado exagero, como a que envolve o destino da mãe do autor ou ainda a relação de Victor e Sarah com seus filhos, em especial com o primogênito, Arthur, nascido com dificuldades mentais. Pois, se como casal eles expõem particularidades questionáveis de suas personalidades, como pais se mostram ainda piores. Com isso Bedos mira a subversão, a incorreção cômica, porém sem a consistência necessária para tal, esbarrando em outros tipos de humor, como o mais ingênuo – no modo como Sarah descreve a desajeitada performance sexual do marido, por exemplo.

Há algumas passagens de fato divertidas, como os jantares que envolvem as respectivas famílias dos protagonistas. A sequência da ceia de Natal na mansão onde Victor foi criado, com seu pai aristocrata e conservador (o ótimo Pierre Arditi) e a mãe alcoólatra (Christiane Millet), rende boas piadas, assim como quando Sarah leva o namorado para conhecer seus parentes, momento em que ele se dá conta, pela primeira vez, de que a garota é judia. Apesar da representação caricatural, Bedos insere citações espirituosas a autores de origem judaica como Philip Roth, a quem Victor passa a ser comparado após o sucesso de seu primeiro romance, inspirado pela história dos avós de Sarah, sobreviventes do Holocausto. A temática do humor judeu, além da própria dinâmica do casal em conflito, inevitavelmente remete ao trabalho de Woody Allen, porém, sem oferecer a mesma sagacidade irônica do norte-americano.

Irregular em diversos aspectos, Monsieur & Madame Adelman tem sua principal virtude nas atuações, destacadamente na de Tillier. Vinda da TV – onde foi garota do tempo – a atriz demonstra grande desenvoltura e carisma em seu primeiro papel de destaque, dominando o filme de modo a potencializar a quebra de expectativa proposta no ato final. Pois, apesar de a existência Sarah, aparentemente, girar em torno de Victor, é ela a narradora da história, quem detém a palavra, o controle dos fatos, e isso é utilizado por Bedos na construção de sua virada dramática. Contudo, por mais que essa reviravolta seja fundamentada – a dissonância entre as palavras e as imagens exibidas surge desde os primeiros minutos, sendo, a princípio, utilizada para efeito cômico – e que até justifique as mudanças comportamentais da personagem, ela ainda carrega a artificialidade que envolve o resto do longa. Dessa forma, o espectador conduzido por Bedos à sua guinada inesperada coberta de boas intenções – como na cena-chave em que um personagem vendado é guiado por outro – ao invés de surpreendido, corre o risco de se sentir apenas enganado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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