float(22) float(6) float(3.7)

Crítica


7

Leitores


6 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

Vários assassinatos acontecem num município interiorano de São Paulo. As vítimas são todas ruivas. Antes de serem mortas, elas receberam um pacote contendo um escaravelho. Um jovem e o delegado local vão investigar o caso.

Crítica

Verdadeiro clássico da literatura nacional, é muito provável que O Escaravelho do Diabo nunca tenha recebido a devida importância apenas por se tratar de uma obra infanto-juvenil, voltada a um público em formação e, supostamente, menos exigente. Tolice. O texto de Lúcia Machado de Almeida, publicado pela primeira vez em capítulos na revista O Cruzeiro em 1953, permanece atual e com a mesma dinâmica envolvente mais de meio século depois, confirmando ser mais do que acertada – e também tardia – a decisão de, enfim, adaptá-la para o cinema. Mas eis que chega agora o filme de Carlo Milani, uma obra de peso e respeito, que faz jus à fama adquirida por diversas gerações e pronta para conquistar um número ainda maior de admiradores através da expressão audiovisual.

01-o-escaravelho-do-diabo-papo-de-cinema

Na pequena e pacata cidade de Vista Alegre, a população entra em convulsão quando se descobre que um serial killer está à solta, fazendo suas vítimas de modo preciso e determinado. Quem se dá conta disso é o jovem Alberto, um menino cujo irmão mais velho foi a primeira vítima. O que ele percebe antes de todo mundo são as ligações entre os assassinados. Pra começar, todos são ruivos. Depois, e ainda mais estranho, está o fato de, dias antes de morrerem, receberem pelo correio uma pequena caixa, contendo apenas um escaravelho dentro. O nome científico do inseto, no entanto, é a dica que precisam para entender como cada um irá morrer. O escaravelho maior e chifrudo, por exemplo, indica que seu dono irá ser assassinado por uma espada. Um outro, envenenado. E assim por diante.

Pensando justamente no seu público, Milani e os roteiristas Melanie Dimantas (Carlota Joaquina: Princesa do Brazil, 1995) e Ronaldo Santos fizeram alterações que podem incomodar os mais preciosistas, porém se mostram úteis na tela grande. A que chama mais atenção, obviamente, é a mudança da idade do protagonista. Se no universo literário quem morria primeiro era o irmão mais novo do personagem, aqui o que acontece é o inverso. Matar uma criança logo de começo poderia gerar uma repercussão indesejada, pois tornaria gráfico aquilo que até então estava apenas na imaginação. Porém, quando o contrário é que se sucede, a morte do jovem diminui um choque que seria gratuito, ao mesmo tempo em que oferece ao menor uma dimensão de maior relevância no enredo. Afinal, se um garoto pode estar à frente de uma investigação como essa – e em nenhum momento ele se mostra um geniozinho, erro que seria fatal e evitaria uma maior identificação – a sensação de aventura e suspense se dissemina entre a audiência de forma muito mais equilibrada.

E se muito fica nas costas do novato Thiago Rosseti – que se sai bem liderando a ação – ele, felizmente, não está sozinho. Além de nomes como Jonas Bloch, Selma Egrei e Lourenço Mutarelli, quem se destaca mesmo é Marcos Caruso, em mais uma participação cinematográfica de imenso prazer. Ele surge como o delegado Pimentel, que dá início às investigações, mas logo é afastado por condições médicas – ele começa a apresentar indícios de Alzheimer. A questão, que poderia ser tratada ou de forma exageradamente dramática ou de maneira leviana e debochada, felizmente encontra um caminho do meio, assumindo-se em cena com delicadeza e respeito. Muito disso está no texto e no olhar cuidadoso do diretor, é claro, mas é importante ressaltar o empenho do ator, que oferece o seu melhor em uma composição iluminada.

03-o-escaravelho-do-diabo-papo-de-cinema

O Escaravelho do Diabo é filme brasileiro de gênero, voltado para um público específico, mas que felizmente consegue ir além dessas amarras delimitadoras e se apresenta como uma obra completa, envolvente e instigante. Entretenimento assumido, funciona como trama de suspense e também como retrato de um momento sociocultural do país, de crescente descrédito das instituições de direito e opta-se, cada vez mais, pelo sistema da justiça pelas próprias mãos. Mas há sempre um outro lado, daqueles que insistem em trilhar o caminho muitas vezes mais difícil, porém apropriado. E são justamente esses que fazem a diferença. Da mesma forma como se espera desse filme, que consiga estabelecer esse diálogo com um público sedento por opções e que seja não apenas descoberto, mas que também adquira uma expressão maior entre aqueles capazes de admirar um cinema feito com competência e qualidade.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *