Crítica

A grande maioria dos filmes lançados diretamente em home vídeo – dvd e blu-ray – no Brasil, sem passar pelos cinemas, realmente merecem esse descaso das distribuidoras. Existem alguns casos, no entanto, em que esse destino é injusto. E um belo exemplo é esse relato inspirado em fatos reais que por aqui recebeu o título de O Julgamento de Paris. Dirigido pelo desconhecido Randall Miller (que antes havia feito o insignificante Baila Comigo (2005), que se destaca apenas por contar no elenco com as presenças de John Goodman, Robert Carlyle, Sean Astin, Marisa Tomei, Octavia Spencer, Donnie Wahlberg, Mary Steenburgen, Danny DeVito e até da nossa Sonia Braga), este é uma produção que passou desapercebida também nos cinemas americanos, e mesmo assim merece uma atenção maior, tanto pelo bom elenco – uma característica do realizador – como pela trama histórica e inusitada, que merece ser conhecida.

Em 1976, a capital da França era o centro etílico mundial, lugar a que todos recorriam como referência quando o assunto era sobre bons vinhos. Porém outros lugares ao redor do globo começavam também a produzir suas próprias bebidas, que aos poucos iam conquistando mercado e seletos apreciadores – mas faltava ainda o respeito internacional. Um destes casos se dava no sul dos Estados Unidos, mas precisamente na Califórnia. Mesmo com uma produção expressiva, a região era considerada uma piada pelas autoridades europeias que entendiam do riscado, e ninguém que realmente conhecesse o tema havia se dedicado a conhecer o produto ali feito mais a fundo. Isso até surgir um inglês (Alan Rickman, excelente), morador de Paris, que desejava a todo custo adentrar no seleto clube francês. Para tanto, promove um concurso na sua auto-intitulada Universidade do Vinho, convocando os mais reconhecidos enólogos para avaliarem às cegas – ou seja, com vendas nos olhos – bebidas de diferentes procedências, combinando garrafas de diversas origens.

Esse episódio, que acabou entrando para a posteridade conhecido, de fato, como O Julgamento de Paris, ocupa, na verdade, pouco menos do que a meia hora final do filme. O início, que definitivamente conquista o espectador, se demora em desenvolver os personagens que fizeram desse encontro um momento memorável. O foco está voltado, obviamente, aos produtores americanos e a uma família em especial: Jim Barrett (o sumido Bill Pullman) e seu filho, Bo (Chris Pine, pré-Star Trek e quase irreconhecível). Os dois – cada um à seu modo – comandam juntos um vinhedo à beira da falência. Mas esse fracasso é mais uma consequência do que eles enfrentavam diariamente em sua produção e da acirrada competitividade europeia e menos um reflexo da qualidade da bebida que produziam – que, como foi comprovada posteriormente, era de altíssimo nível. E como se deu esse encontro e a verificação dessa realidade é que o filme mostra com muita graça e habilidade.

Com um orçamento baixo para os padrões hollywoodianos e um faturamento ainda menor – menos de US$ 5 milhões arrecadados em todo o mundo – O Julgamento de Paris é um longa que merece ser descoberto, seja pelo ritmo envolvente e bem humorado e também pela curiosidade que oferece uma nova luz e traz à tona, agradando tanto à fãs e apreciadores de uma bela taça de vinho como também os cinéfilos mais ocasionais. Comida e cinema sempre foi uma combinação perfeita, e agora temos a agradecer o acréscimo de que ambos ficam ainda melhores se acompanhados de uma boa bebida.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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