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Crítica


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Sinopse

Depois da morte de seu grande amigo da infância, o arquiteto Téo entra numa crise. Em meio às lembranças de uma juventude compartilhada, surge a culpa pelo afastamento na vida adulta. Será preciso força para não ficar paralisado.

Crítica

Põe em ordem a tua casa, aconselhou Isaías ao enfermo Ezequiel, profeta do exílio na Babilônia, pois o tempo é circunstância. Séculos depois, a mesma frase ressoa nos ouvidos de Théo (Marco Ricca), diante do funeral do melhor amigo. A experiência se duplica e o dito se atualiza. Todo homem é Adão; cada crime, fratricídio. Dirigido por Lina Chamie, dos bons Tônica Dominante (2000) e A Via Láctea (2007), Os Amigos apresenta o reencontro de um homem de meia-idade, Théo, consigo mesmo. A morte do amigo de infância faz com que o protagonista realize uma reflexão forçada sobre a própria vida. Entender o que permaneceu da infância imaculada nos traços duros do homem de hoje é um desafio, atenuado unicamente pela delicadeza da amizade de Majú (Dira Paes).

A perda é a quebra necessária para desacelerar o cotidiano. O olhar, afogado na contundência das necessidades e no automatismo das ações, embaralha o foco. Quando tudo se enquadra, nada se destaca. Théo percebe, então, que os anos passaram no descuido dos dias. O amigo se foi – como tantos outros, quem sabe – sem a atenção devida. Faltou a última conversa, a última piada. O abraço derradeiro não veio. Tudo me escapa, afirma. A falta definitiva dói mais. Para justificar a distância, em certo momento o personagem de Ricca diz não ter sabido da gravidade da doença do amigo. O que Théo não desconfiava, parece, era a gravidade da vida. É do momento pinçado da existência que surge o filme de Lina. A fluência da direção encaminha o enredo de maneira minimalista e delicada. Sem medo de arriscar - e o risco é a dádiva do cinema - Chamie opta por intercalar presente e passado, e executa as passagens de maneira orgânica. Os possíveis sobressaltos e espaços da narrativa são corretamente costurados, concatenados por blackouts ou pelo discurso. Estão bem postos os contrapontos: a esfera da inocência – esta espécie de mitologia da infância (impossível não pensar em um Roland Barthes truffauniano) – e o mundo adulto. Percebe-se que algo foi perdido no buraco negro do crescimento, mas não se sabe o que. As rugas, ingrata máscara, não são a causa, mas o resultado definitivo.

O desamparo, moeda de troca da aproximação, ancora na narrativa. O recurso, no entanto, não é exclusivo do protagonista. Ironicamente, a orfandade contamina o roteiro e faz reféns núcleos promissores, como o de Teka Romualdo, Caio Blat e Alice Braga. Esquecidos pelo filme, a solidão os protege. A resposta não se encontra sem se aproximar da pergunta. Quando Théo aceita o que lhe falta, então, sim, o mundo engrena novamente. Em cena sintomática, na loja de brinquedos, o protagonista é atendido por um garoto. A delicadeza não surge, mas se constrói nas relações humanas: no trato diário com a empregada, na casmurrice desfeita na mesa do almoço – na promessa de felicidade dos olhos de Majú. Aberto para reencontrar o perdido no ínterim entre o que foi e o que é, Théo aceita a própria condição – a transitoriedade. A morte não é o suprassumo nem mesmo o suprime. Aquele que suporta dignamente o peso da cruz, a sombra da caviera sob os ombros, este é o verdadeiro Super-Homem.

No embrulho em que carrega o Hércules herói como presente, Théo pensa nos filhos de Majú. Apostar no futuro é, por vezes, ignorá-lo. No embrulho em que envolve os personagens, o útero de Lina é de uma melancólica afetividade, um singelo presente para os atores e para o público.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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