Crítica
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Sinopse
Nubia se dedica ao cuidado de sua filha de 23 anos que está sofrendo por conta de uma forma agressiva de câncer.
Crítica
Pelos corredores de um hospital colombiano, o cineasta Jorge Caballero Ramos acompanha de perto a rotina física e emocionalmente desgastante de Núbia, mãe de uma menina diagnosticada com um tipo agressivo de câncer. A protagonista de Paciente é uma mulher corajosa, impelida por um amor incondicional a perambular pelo edifício, que manca em virtude de um problema não abordado. O dispêndio de energia nessas idas e vindas intermináveis sobrecarrega a tarefa de suportar o sofrimento. Núbia muitas vezes sacrifica o próprio direito à fragilidade em prol do conforto de Leidy. Em momento nenhum vemos a menina adoentada, apenas ouvimos a sua voz cada vez mais vacilante , decorrência da doença que lhe ameaça de morte. Não raro a narrativa se funda no rosto, nas expressões de Núbia, no aspecto corporal de sua dor, algo muito bem explorado ao longo do filme.
Em Paciente o registro visual captura a essência da atmosfera asséptica própria dos hospitais. A imobilidade da câmera só é alterada nos deslocamentos de Núbia, principalmente quando ela se afasta de Leidy, seja para não demonstrar tristeza, falar com médicos e enfermeiras ou a fim de resolver questões burocráticas relativas à internação. Seguidas vezes ela se depara com as televisões espalhadas pelo lugar exibindo o programa Colombia's Next Top Model, versão local do reality show mundialmente famoso no qual aspirantes ao estrelato passam por diversas provas até uma delas vencer. É claro o desejo de chocar esse espetáculo frívolo e incipiente, regido por uma dinâmica em que os valores são distorcidos pelo culto exacerbado à celebridade, com as questões mais urgentes e essenciais enfrentadas por Núbia em seu cotidiano. Contudo, a repetição sem desdobramentos esvazia a significância do contraste de realidades estabelecido num primeiro momento.
O cineasta Jorge Caballero Ramos consegue a proeza de aproximar-se bastante de Núbia, sem para isso devassar sua privacidade. Até nos instantes mais difíceis, como quando ela precisa encarar a iminência da traqueostomia da filha, a emoção que domina a cena é pura em sua crueza, sem distorções. Nesse sentido o longa-metragem é eficiente, pois fruto de um enfoque respeitoso, mas não distanciado. Paciente é cansativo, em parte por conta da rotina filmada, do constante ir e vir de Núbia, mas, principalmente, pela inapetência do diretor no trato com as possibilidades abertas ao longo das sequências. Há beleza no recorte, oriunda, sobretudo, da evidência de um amor abnegado, da batalha incansável de Núbia para dignificar os últimos dias da filha. Pena o filme contentar-se com essa fatia, geralmente relegando os demais (e relevantes) apontamentos à pura coadjuvância, sem aspirações a um mergulho mais profundo.
Paciente levanta ocasionalmente alguns temas importantes, como a dificuldade imposta pela burocracia à obtenção de remédios, até mesmo quando o paciente depende deles para sobreviver. A engessada estrutura interna do hospital, denunciada na sequência em que Núbia vai e volta dos setores querendo a confirmação de um traslado de ambulância, é outro viés interessante que se insinua, com ainda mais força, porém sem estender-se. Prejudicado tanto pela recorrência de procedimentos quanto por essa dificuldade de ampliar as possibilidades surgidas em meio à observação da dor materna, o documentário de Jorge Caballero Ramos perde seguidamente a oportunidade de atingir um maior grau de pungência. Sua vocação ao plano íntimo, espécie de porto seguro, pois âmbito mais bem resolvido, empalidece essas adjacências potencialmente substanciais, então subaproveitadas como sintomas de enfermidades incrustadas nas entranhas sociais e, portanto, comuns.
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