Crítica
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Crítica
Alguns pais pesam na vida dos filhos. Por serem famosos, por serem superprotetores, por serem ausentes. Talvez por isso seja tão difícil elaborar um trabalho de resgate de uma obra quando o autor faz parte da família, o laço mais próximo e forte que se pode ter. O cineasta Blas Eloy Martínez viveu a dor e a delícia de ser filho do jornalista e escritor Tomás Eloy Martinez, famoso não apenas na Argentina e premiado pelos livros Santa Evita e A novela de Perón. No entanto, foram suas constantes entrevistas e encontros informais com o militar e eterno presidente argentino que deixaram marcas em Blas. E todas elas estão no documentário Perón, Meu Pai e Eu, um dos participantes do festival É Tudo Verdade em 2017.
É nítido o desejo do diretor de ser fiel e cooperativo com o importante trabalho desenvolvido por seu pai. Mas Perón, Meu Pai e Eu não seria a bela obra que é se as lembranças de infância de Blas não estivessem retratadas. Para isso, um árduo trabalho de escuta das centenas de fitas com gravações de conversas entre Tomás e Péron foi a primeira tarefa. Como o jornalista ainda estava vivo no início das filmagens, pode acompanhar a aventura do filho na construção de Péron. Ou melhor, dos Pérons. Logo de início Blas, que é também narrador do filme, esclarece para o espectador que houveram mais de um Péron em sua vida. O amigo do pai e suposto rival de atenção, o militar que comandou seu país natal três vezes e o homem com poder de sedução das massas. Todos eles são Péron e todos estão na produção como pano de fundo para que Blas reconstrua sua relação com o genitor que esteve distante em grande parte de sua juventude e lhe mandava cartas em forma de gravações do exílio.
Perón, Meu Pai e Eu consegue nos envolver na história ao ponto de, assim como Blas, guardar ternura da voz que entrevista e também conta sonhos para os filhos. Muito dessa simpatia também se deve a presença de cenas de filmes clássicos como Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, ou Three Ages (1923), de Buster Keaton, alguns dos preferidos de Tomás, que buscava no cinema inspiração para criar suas histórias e reportagens. A criatividade pulsante parecia atrapalhar a relação de Tomás com Blas, mas a vida adulta provou que sessões em dupla de grandes filmes poderiam ser a oportunidade de um reencontro, no sentido mais intenso da palavra. Blas descobriu o pai amoroso por trás da máscara de homem boêmio e intelectual. Por mais que parecesse tarde para reativar laços, houve uma união que dita a potência de Perón, Meu Pai e Eu.
Acompanhado do filho pequeno, Blas se apresenta como personagem na parte final do documentário. Sem timidez, algo que seria compreensível, já que é dele o comando das câmeras. Mais que dar rosto ao garoto que cresceu sendo chamado por muitos de “o filho de Tomás Eloy Martínez”, Blas deixa claro que a trajetória de realização do filme lhe permitiu assumir e até gostar deste título. A curiosidade incurável do cineasta é herança paterna. E nada mais cinéfilo do que descobrir quem são realmente nossos pais por meio do cinema.
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