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Sinopse

O detetive Harry Goodman desaparece misteriosamente, levando Tim, seu filho de 21 anos, a investigar o que aconteceu. Ajudando no processo estará o antigo parceiro de Harry, o detetive Pikachu.

Crítica

Imagine um mundo em que cada pessoa carrega, onde quer que vá, um bichinho ao seu lado. Bom, não é preciso fazer muito esforço, pois essa realidade já foi retratada em A Bússola de Ouro (2007), adaptação do romance de Philip Pullman vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Especiais. Agora, pense num vilão que tem como plano dominar toda uma cidade através de um gás venenoso expelido por balões gigantes durante uma parada comemorativa. Essa também é fácil, pois era exatamente o que pretendia o temido Coringa em Batman (1989), de Tim Burton. E estes são apenas dois exemplos pontuais da verdadeira fábrica de reciclagem pop que é Pokémon: Detetive Pikachu, um filme que, obviamente, quer ser muitas coisas, mas falha miseravelmente na maioria dessas propostas. A não ser, é claro, que o espectador seja um fã inveterado dos personagens: esse, imagina-se, irá se sentir num verdadeiro paraíso, pois estará se deparando não com uma experiência cinematográfica, mas com um menu de fan service.

Pois é justamente essa a questão que se percebe sendo desdobrada no longa dirigido por Rob Letterman, o mesmo dos constrangedores As Viagens de Gulliver (2010) e Goosebumps: Monstros e Arrepios (2015). Desde o primeiro minuto, o cineasta se revela predisposto a fazer graça para convertidos, ou seja, dispor do maior número de referências por minuto, mesmo que muitas delas não façam o menor sentido para a trama. Um policial foi assassinado e o filho dele vem do interior para descobrir o que aconteceu. A primeira figura que vai atrás de informações é um... mímico! Quem é familiarizado com o tipo, deve se divertir com os cenários imaginados a partir desse contexto. A todos os demais, no entanto, o que se verifica são 10 minutos quase intermináveis de pura enrolação que saem de nada e vão para lugar algum. Nesse meio tempo, a história fica em ponto morto, à espera de ser retomada enquanto os admiradores de nicho se regozijam com aquilo que já conhecem de longa data.

Justice Smith surge como um improvável protagonista, e o menino demostra tanta expressividade quanto em seus trabalhos anteriores, a série cancelada The Get Down (2016-2017) – que durou apenas uma temporada – ou o blockbuster Jurassic World: Reino Ameaçado (2018) – alguém lembra dele no meio de tantos dinossauros e destruições? Assim, incapaz de ocupar seu espaço de direito, ele se vê obrigado a ceder lugar para uma bola de pelos amarela e falante: o tal Pikachu do título. Mistura de coelho com rato (apesar de ser inspirado no coelho asiático Ili Pika, seu nome é uma combinação dos termos japoneses ‘pika’ = eletricidade, com ‘chu’ = barulho feito por ratos), o bichinho pertencia ao falecido, e agora está ao lado do herdeiro deste para ajudá-lo a desvendar o que teria acontecido ao seu antigo parceiro. Com a voz de Ryan Reynolds, Pikachu nada mais é do que uma versão fofinha – e em miniatura – do herói falastrão Deadpool, maior sucesso da carreira do ator. O senso de humor, a boca que não consegue ficar calada, as tiradas de última hora: tudo é exatamente igual entre os dois. Reynolds pode ser um galã em ascensão e dono de muitos méritos, mas versatilidade, certamente, não é um deles.

Conhecedores do universo irão afirmar que o filme que contou com nada menos do que 11 roteiristas (!) foi feliz em manejar com um universo gigantesco – os personagens existem desde 1996, quando foram criados por Satoshi Tajiri para o uso em um videogame, e desde então já deram origens a outros jogos, séries de televisão e longas de animação – nessa primeira incursão pelo live action. Está tudo lá, desde caçadores de pokémons até canções narrativas, citadas apenas para agradar aquele que for ao cinema sabendo exatamente o que encontrar. Nenhuma surpresa, nem um pingo de originalidade: apenas o confirmado, e tá mais do que bom. Afinal, imagina-se que este seja o primeiro passo do início de um novo universo cinematográfico compartilhado, uma vez que a profusão de figuras características é enorme. E nos tempos de hoje, nada é mais garantia de sucesso do que a mediocridade.

Se durante a primeira metade de Pokémon: Detetive Pikachu os realizadores se ocupam em desdobrar a realidade proposta, de uma cidade dominada pelos tais pokémons – a chegada do garoto à citada Ryme City espelha-se na mudança da coelhinha Judy para o centro da ação de Zootopia (2016) – a parte final divide-se entre inspirações no cinema noir– algo que o recente Crimes em Happytime (2018) ou mesmo o referencial Uma Cilada para Roger Rabbit (1988) fizeram com maior destreza – e agrados aos aficionados por este mundo colorido, mas também por vezes sombrio. Nenhuma provocação, no entanto, chega a ser radical, e todo risco assumido é milimetricamente calculado para que, nos instantes finais, um desfecho feliz se faça presente. Algo que nem mesmo a onipresente dublagem nacional irá estragar ao tentar aniquilar a participação vocal de Reynolds – afinal, com um ego deste tamanho, ele encontraria uma maneira de dar as caras também por aqui. Ou alguém tinha alguma dúvida?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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