Crítica
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Sinopse
Depois de oito anos mergulhando em meio a uma floresta subaquática gelada na África, Craig reuniu as filmagens de suas incursões submarinas, especialmente as de um jovem polvo, com quem desenvolve certa familiaridade.
Crítica
O melhor que se pode dizer a respeito de Professor Polvo (2020) é o fato de se tratar de uma reportagem com alto nível de produção. Para retratar a amizade entre o mergulhador Craig Foster e um polvo, são utilizadas diversas equipes de câmera, uma quantidade impressionante de lentes, além de drones e outros recursos típicos de um projeto de orçamento considerável. O filme acompanha cada movimento do molusco, enfiando-se entre as algas, mergulhando nas profundezas e correndo atrás do animal quando este foge de predadores. Há notável “valor de produção”, compreendido enquanto cenas que expõem de maneira ostensiva as cores, texturas e volumes da natureza subaquática. Atinge-se o nível esperado dos programas de televisão consagrados por Discovery Channel ou National Geographic, do tipo que entretém com a natureza uma relação de deslumbramento sepulcral. Diante das cenas das águas e dos ares, somos convidados a perceber o quão bela e rica é a natureza. A abordagem possui evidente nobreza em suas pretensões ecológicas, no entanto, aborda os recursos naturais enquanto uma forma de decoração, como algo que existe para ser admirado em sua grandeza irracional. Imputa-se aos animais certa pureza e superioridade em relação aos humanos por não terem contato com a nossa deteriorada civilização.
No entanto, avaliando o projeto enquanto obra cinematográfica, ele se torna exemplo dos recursos mais pobres que a linguagem do cinema tem a oferecer. Os diretores Pippa Ehrlich e James Reed incluem câmera lenta em quase 50% das imagens, além de orquestras na trilha sonora abusando de violinos tristes para as mortes; muito pôr do sol e personagens em contraluz; saturação intensa para deixar os azuis mais azuis e os verdes mais verdes; inúmeros planos de paisagens com nuvens aceleradas; correções digitais etc. O teor profundamente intervencionista constitui um paradoxo em relação ao olhar dos cineastas: se a dupla acredita de fato na beleza da natureza enquanto tal, por que acelerar tantas imagens e retardar outras, por que aplicar tantos filtros, tantas mudanças de cor, tantas trilhas sonoras? Por que, ao invés de valorizar a representação realista, opta-se por idealizar a natureza? Para se atingir a esperada conscientização do público, seria necessário transformar o fundo do mar em algo que ele não é? O efeito se torna contraproducente: ao decorar a natureza em pós-produção, sugere-se tacitamente que ela não seria interessante o bastante sem tantos tiques e efeitos. A relação entre a fauna marinha real e aquela vista no filme equivale à relação entre as imagens reais de alguma cidade exótica e as fotos presentes no panfleto turístico.
Em paralelo, Ehrlich e Reed tropeçam nas tarefas mais básicas da linguagem cinematográfica. O filme inteiro é narrado por Craig Foster, durante uma única entrevista, sentado, o que resulta numa série de imagens idênticas do homem conversando. As falas são redundantes em relação às imagens: ele diz que o polvo passa a andar como um bípede, e vemos o polvo andando como um bípede. Diz que o animal foge de um predador, e o vemos fugindo de um predador. Foster explica aquilo que poderíamos ver por nós mesmos, o que primeiro supõe um espectador pouco inteligente, incapaz de deduzir comportamentos básicos sozinho, e segundo, nos impede de experimentar a mesma surpresa do mergulhador ao se deparar com aquelas situações. Nas escolas norte-americanas, as crianças participam de uma atividade conhecida como “show and tell”, ou seja, “mostre e conte”. Elas levam algum objeto importante para si e o descrevem aos colegas. A proposta é simples enquanto forma de comunicação, porém determinante para o desenvolvimento cognitivo dos pequenos. No entanto, não se esperaria que um filme reproduzisse uma dinâmica tão semelhante. De fato, a comunicação se torna infantil porque fabular, embelezada, e simplificada para a compreensão do espectador. Sentimo-nos como crianças diante de um adulto retratando a história mágica de bichos que mudam de cor e fogem de vilões malvados.
O resultado se torna ainda mais questionável ao detalhar o valor afetivo de Foster pelo bicho. “Eu me apaixonei por ela”, declara o mergulhador, algo que poderia parecer um exagero, caso a montagem não apresentasse este homem literalmente visitando o mesmo polvo, dia após dia, e nada mais. Desconhecemos o personagem humano fora de sua obsessão (termo empregado por ele mesmo, diversas vezes) pelo animal. “Tudo o que eu fazia na época era pensar nela. [...] Eu estava dominado pelos meus sentimentos por ela. Eu dormia e sonhava com aquele animal”, confessa o mergulhador. “Esta foi a última vez em que tivemos contato físico”, ele descreve, com os olhos repletos de lágrimas, após uma cena de carinho na pele do animal. Há um elemento perturbador nesta relação entre ambos, que vai muito além da admiração pela natureza e da vontade de protegê-la. Estamos próximos do universo problemático da ficção A Forma da Água (2017), diga-se de passagem. Foster chega ao cúmulo de atribuir sentimentos humanos ao bicho, acreditando que a fêmea seria nobre por se sacrificar ao dar à luz, estimando que está feliz em meio aos peixes, ou que teria sofrido na infância por ser órfão. Por mais inteligentes que sejam os polvos, é evidente a transferência de valores humanos a animais incapazes de tais concepções, fruto da paixão cega do humano pelo invertebrado.
Professor Polvo constitui um destes filmes que as lojas de produtos eletrônicos colocam nas telas de seus melhores televisores. Ele certamente impressiona pelas cores, pelos movimentos, pela nitidez. No entanto, ao sair da loja, quem se lembra das imagens que desfilavam nas telas? Através da história de um animal específico, Ehrlich e Reed constroem uma fábula de autoajuda. “Ela estava me ensinando a ser sensível com os outros”, deduz Foster, a respeito da amizade. Assim como o animal se recupera e se fortalece após o ataque de um peixe, o mergulhador estima que também pode ser um pai melhor para o filho. O fato de não sabermos exatamente em quê Foster melhorou, nem como, reforça o valor retórico da proposta como um todo: estar em contato com a natureza faz de nós pessoas melhores. Não devemos valorizar os demais seres vivos por respeito ao direito de existência dos mesmos, e sim pelos benefícios que podem trazer a nós. Foster salva a sua família após a história de amor com o polvo, e se esforça para que o filho siga seus passos na exploração subaquática. Assim como o polvo “se sacrifica” para ter filhos, nas palavras do narrador, este também se sacrifica para cuidar da prole. A simplificação destes discursos, dissociados da noção de sociedade e de civilização, de racionalidade e instinto, substitui a ecologia enquanto gesto político pela ecologia enquanto experiência moralizadora.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 2 |
Robledo Milani | 7 |
Ticiano Osorio | 9 |
Chico Fireman | 4 |
Francisco Carbone | 4 |
MÉDIA | 5.2 |
Adorei um simples material que vi no fantástico no domingo. Vou procurar assistir na tv.... professor polvo 🐙🐙🐙
Ao contrário do que diz a crítica, vi no filme um homem sensível, aprendendo com o universo encantador e cheio de ensinamentos que é a natureza. O que ele aprendeu? No mínimo, a valorizar as pequenas coisas da vida, a ter mais capacidade de recuperação frente a um sentimento devastador que é a incapacitação que traz a depressão que vivia naquele momento. A proporcionar ao seu filho enxergar a beleza da vida natural e seus ensinamentos preciosos! Quem assiste não se preocupa com os detalhes da forma, filtros, etc, mas com a sensibilização que a situação traz. Lindíssimo!
Esse Bruno Carmelo com certeza te da nunca mergulhou e viu o fundo do mar, assim como não gosta de animais e a natureza. Pobre alma.
O filme é espetacular e atingiu seu objetivo. Lembrei um pouco da Marcha dos Pinguins e de Balé Vermelho: O Mistério dos Flamingos. Essa crítica só demonstra o quanto o ser humano pode ser rude e insensível. Eu acabei me espelhando com o mergulhador pois adotei 6 gatos, sendo o primeiro um marco na minha vida. Desenvolvemos uma relação muito forte de afeto. Gatos também são animais apaixonantes e possuem peculiaridades a serem descobertas.
Bruno Carmelo, apenas se entregue a beleza de um filme que apresenta uma relação improvável a nós, simples mortais. Neste momento em que todos nós estamos vivendo essa pandemia, esse filme, alem de lindoooo, é um respiro pra alma e para o coração. Uma meditação.
Bruno, após ler sua crítica entendi a classificacao de uma estrela. Aí vim procurar seu currículo, que é incrível. E depois tentei entender como voce conseguiu simplificar tanto e encher de defeitos um filme tao sensível e com imagens de tirar o fôlego. Realmente, nao entendi. Deve ser porque voce é triste, só isso. Ainda bem que existem outros olhares e outros conhecimentos.
A crítica deste filme variará muito em relação a visão que os críticos tem dos animais; neste caso a crítica é sincera ao deixar claro sua posição. Quando o instituto Royal em São Roque foi invadido para libertação das cobaias caninas lá presentes as análises feitas eram ora de "crime e roubo" ora de "Compaixão e luta pela vida". Pierre Clastres fugiu do epicentrismo da análise da sociedade ao olhar para uma da qual ele não fazia parte, para não ser tendencioso, no seu livro "A sociedade contra o estado", mas é tão difícil, como esta crítica mostra.
Que critica rasa , é evidente que ele transferiu coisas pessoais dele pra relação com o bicho e é isso que faz o filme e não só um documentário técnico científico, quando as questões técnicas você deve ter razão, mas visão bem simplista essa
Com todo respeito ao nobre crítico, tenho que discordar de grande parte do que escreve. O objetivo do filme, pelo que entendi com minha visão amadora, é mostrar o dia a dia do cineasta com o "polvo", ninguém mais e o que podemos aprender de seres instintivamente inteligentes. E isso o filme faz com maestria. Aqui não importam os aspectos técnicos para embelezar o que já é belo. Não importa se foram utilizadas inúmeras câmeras, com lentes poderosas, com pós produção, com uma bela trilha sonora de acordo com o momento, etc. Isso não tem a menor importância. O importante é mostrar, da forma mais esmerada e cuidadosa possível, aquilo que a maioria de nós, humanos, nunca vamos poder ver. Achei o documentário uma experiência única e qualquer pessoa que já teve ou tem um animal de estimação, como gato, cão, pássaros ou simplesmente peixes pode entender, afinal não é difícil para esses imaginar que os sentimentos do cineasta em relação ao polvo eram reais. Mas essa é só minha opinião. Curioso é que o crítico só respondeu ao comentário de um leitor que não entendeu o texto.
Achei ótima sua crítica. Gostei do filme mas concordo com vários pontos que você abordou. A aparente solidão do mergulhador nos é transmitida por uma quantidade enorme de ângulos e câmeras. As imagens da caça, supostamente em tempo real, mas com inúmeras tomadas diferentes dão a impressão de que uma boa montagem de cenas esparsas construiu a história. Me incomodou tanto artificialismo.
Putz! Nunca li uma crítica tão ácida para um filme tão incrível quanto esse. Parece que o senhor crítico se aborreceu intensamente com a amizade incrível desenvolvida entre o mergulhador e o polvo. Um pouco mais de sensibilidade por favor!
Bruno, li sua critica e nao pude deixar de achar graça. Interessante que senti grande parte do que voce colocou em seus comentarios. Achei o ator e narrador muito sem expressao, nao me emocionou. Enttetanto, tive uma conexao muito grande com o filme, o que me emocionou muito. Acredito que foram coisas que me tocaram por algum eco que possa tr escutado internamente. De qualquer forma, achei o filme magico por este motivo. Parabens pela sua analise
Anderson, o texto não sugere nada disso. Abraço!
É um pensamento bem mesquinho esse de que devemos valorizar os demais seres vivos pelos benefícios que podem trazer a nós.
Que crítica contundente, porém fraca. Uma coisa é você criticar a produção, outra o conteúdo - discordando das criticas negativas a respeito das câmeras lentas ou time-lapses e "filtros de saturação". Provavelmente você nunca mergulhou para saber que embaixo d'água a nossa percepção sobre as cores mudam tanto. Corrigir estes efeitos não é levar-nos para longe da natureza. Mas sim, aproxima-la. O mesmo vale com as câmeras lentas ou time-lapses. Perante nosso limitado olhar, muitas "sutilezas" não podem ser notadas. E aqui é onde provavelmente mora o "problema" colocado em questão que, ao meu ver, se reduz apenas à sua falta de sensibilidade perante tais fatos. Estende-se a isso a falta de sensibilidade do seu comentário com as emoções de Craig, principalmente quando "traduz" como "perturbador". O que há de perturbador em entender que outros seres fazem parte de algo muito maior com o qual estamos conectados? O que há de perturbador em assumir e reconhecer a paixão que ele teve por aquele ser? (lembrando, não controlamos nossos sentimentos, no máximo, conduzimos). Acredito profundamente que essa crítica está travestida numa máscara criada por seus títulos e experiências profissionais, desconexa com o Bruno real que deve existir em algum lugar embaixo dessa casca. Não consigo crer que uma pessoa verdadeiramente humana possa observar essa incrível obra com tamanha "racionalidade" sem mencionar em nenhum momento a profundidade das mensagens transmitidas. De qualquer forma, parabéns pela dedicação em transcrever sua opinião. Numa próxima, se abra mais ao que a obra se propõe.
Para mim, um filme necessário em meio a tanta barbárie que presenciamos a todo instante. Necessário porque precisamos ver e ser o lado oposto de tudo isso, senão fica insuportável a existência. O filme nos mostra a possibilidade de conexão humano/natureza, um aprendendo com o outo, deixando as defesas e ataques de lado , observando o que temos de parecido e normalmente perdemos tempo demais com as diferenças.
Não sou especialista em produção visual ou de cinema, sim mera espectadora. Quero fazer um contraponto entre sua percepção como técnico e minha visão simples a respeito desse documentário. Ele mostra o cotidiano de um homem, frustrado com a vida, que começa a mergulhar no local onde passou boa parte da infância com intúito de se reconectar com ele mesmo (Cabo da Boa Esperança África do Sul). Nesses mergulhos, ele encontrou um jovem polvo que lhe despertou muita curiosidade e interesse. Isso tomou conta de seus dias... passou praticamente 1 ano, diariamente, mergulhando para acompanhar a vida de um simples polvo que tem a expectativa de vida de 1 ano. Eu comecei a fazer um paralelo entre o amor impossível que se tornou real, assim como quando penso num ser superior como Deus ter amor por meros mortais como nós. Foi exatamente pra essa reflexão que essa produção me levou. Sendo essa narrativa verdadeira ou não, ela transmitiu muita sensibilidade e amor. O produtor conseguiu transferir um sentimento puro, inocente e infantil que me deixou emocionada. Super recomendo esse documentário lindo.