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Sinopse

Baptiste é professor no sul da França. Na véspera do fim de semana, esse sujeito solitário percebe que um menino foi esquecido na escola pelo pai negligente e se propõe a levar o garoto para a casa da mãe, uma bela mulher que, depois de muitas aventuras, acaba trabalhando numa praia em Montpellier. Os três desenvolvem um vínculo.

Crítica

Até quando podemos enterrar o nosso passado, esquecer do que nos foi tão duramente ofertado pela vida e seguir em frente? O quanto o encontro fortuito entre duas pessoas pode mudar a trajetória de ambas, representando um novo início, uma tábula rasa para o casal em questão? Pode uma criança encontrar mais atenção na figura de um professor do que na de seu verdadeiro pai? Estas e outras perguntas são colocadas em pauta pela cineasta Nicole Garcia no bom drama francês Um Belo Domingo. De ritmo lento, mas com personagens interessantíssimos, a diretora prende a atenção do espectador ao nos apresentar a jornada de seres humanos falhos e, por isso, tão reais.

O roteiro é assinado por Garcia ao lado de Jacques Fieschi, dupla já indicada ao César, o Oscar francês, pelo trabalho em Place Vendôme (1998). Na trama, Baptiste (Pierre Rochefort) é professor substituto em um colégio francês, sem vontade alguma em assumir uma classe de forma permanente. Ele gosta da liberdade que este emprego lhe dá, podendo sumir quando bem entender. Quando um de seus alunos, Mathias (Mathias Brezot), espera em vão pela carona de um pai que nunca aparece, Baptiste resolve dar carona ao garoto. Mal ele sabe que este será o começo de uma nova etapa em sua vida. Observando que o pai do menino (Olivier Loustau) não tem tempo ou interesse de ficar com Mathias, Baptiste se oferece a cuidar da criança no final de semana. Isso acaba os levando até a praia onde mora a mãe do garoto, Sandra (Louise Bourgoin), uma garçonete endividada até o pescoço, alvo de visitas frequentes de agiotas. Quando Baptiste resolve ajudar aquela mãe solteira, isto acaba o colocando em contato com um passado que ele há tempos tenta esquecer.

Nicole Garcia não tem pressa alguma em nos desvelar os personagens que protagonizam sua trama. A começar por Baptiste, que se revela um mistério logo de início. Tendo um passado conturbado, o rapaz prefere o silêncio. Em suas conversas com Sandra, geralmente é ele quem escuta. De poucas palavras, mas aparentando ser um sujeito genuinamente de bom coração, a mãe de Mathias logo percebe naquele homem um porto seguro. Estas revelações não nos são transmitidas em palavras. São mostradas em gestos, em olhares dos atores. A química entre Pierre Rochefort e Louise Bourgoin ajuda neste quesito. Uma dobradinha que vai sendo construída a cada novo momento em que os dois dividem a tela.

De início, Um Belo Domingo parece emular a temática do interessante Pelos Olhos de Maisie (2013), drama norte-americano baseado na obra de Henry James. Isso porque Mathias é jogado de um lado para o outro pelos seus pais, que parecem não ligar tanto para o garoto quanto deveriam. Esta impressão inicial logo é deixada de lado quando Sandra se mostra mais afetuosa com o filho – passado o susto ao vê-lo inesperadamente no restaurante onde trabalha. Ainda que não seja a temática principal, é salutar observar que Nicole Garcia endereça a questão da presença dos pais na vida dos filhos. Como dar amor, educação, quando nunca se está presente? Mathias sofre com esta ausência, ainda que tente aparentar o contrário.

Até chegar a sua principal trama, o reencontro de Baptiste com seu passado, Um Belo Domingo ainda dá destaque para o drama de Sandra, uma mulher independente, empreendedora, mas que simplesmente não consegue se administrar. Na tentativa de abrir seu negócio, a mãe de Mathias vai à bancarrota, devendo uma alta quantia para agiotas perigosos. Para sobreviver, trabalha como garçonete, sonhando em dar o pulo do gato e declarar sua independência. Nada que 50 mil euros não resolvam. Uma quantia vultosa que Baptiste resolve arranjar.

Como ele faz isso não cabe aqui dizer. Mas quando o personagem decide agir, Um Belo Domingo finalmente ganha a atenção incondicional do espectador. Até então, o filme costurava bem sua trama, desenvolvia Baptiste e Sandra, mas não impressionava. Talvez o ritmo lento atrapalhasse. De qualquer forma, quando Baptiste viaja até um casarão afastado, cheio de figuras de seu passado, o longa-metragem só cresce. O embate entre o professor e a senhora dona daquela mansão, interpretada com autoridade pela veterana Dominique Sanda, é o ponto alto da história. Infelizmente, logo que chegamos lá, o desfecho se apresenta. Existe toda uma construção de expectativa que se esvai depressa – de forma pungente, forte, mas rápida demais. Existe ainda todo um arco que poderia ser explorado com outra personagem apresentada tardiamente: Emmanuelle (Déborah François). Uma pena que não tenhamos chance de observar o desenrolar mais apurado destas boas ideias.

Apesar destes pecadilhos, Um Belo Domingo apresenta personagens interessantes, em jornadas que soam reais, familiares, humanas. Até o desfecho conseguimos entender melhor cada uma daquelas pessoas, o porquê de suas atitudes e vislumbrar um destino que, se não necessariamente feliz, apresenta potencialidades. Algo que os sofridos personagens do longa-metragem não podem ignorar.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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