A Vida Após a Vida

Crítica


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Sinopse

A Vida Após a Vida: Um grupo de fazendeiros chineses experimenta um evento estranho e peculiar quando um dos bois de seu rebanho foge para dentro de uma floresta. Após o cachorro de guarda correr atrás do animal e também desaparecer na selva, o filho do fazendeiro vai em busca dos dois bichos e acaba retornando sem ter sucesso na procura. No entanto, algo muito estranho mudou a vida do garoto, que após sair da floresta fala com a voz de sua mãe, que já está morta. Drama.

Crítica

As marcas deixadas pela industrialização na população, e na topografia, da China contemporânea estão intimamente ligadas ao cinema de Jia Zhang-ke. Tal temática reverbera em A Vida Após a Vida, longa do estreante Zhang Hanyi, no qual Zhang-ke assina a produção executiva. Ainda que a influência do realizador de Plataforma (2000), Um Toque de Pecado (2013) e As Montanhas Se Separam (2015) seja notada, Hanyi imprime uma personalidade própria à abordagem, apresentando uma história passada na pequena província de Shanxi. Lá, o jovem Leilei (Zhang Li) recebe a visita do espírito de sua falecida mãe, Xiuying, que toma seu corpo emprestado para poder rever o marido, Mingchun (Zhang Mingjun), lhe trazendo uma missão: mover a árvore plantada no quintal da antiga casa da família, um presente de casamento dado pelo pai de Xiuying, para outro local.

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Em meio ao retrato da realidade de seu país, Hanyi adentra o universo fantástico com extrema naturalidade, trabalhando seus elementos como inerentes ao cotidiano dos personagens. Assim como Mingchun, ninguém questiona a reencarnação momentânea de Xiuying, aceitando de imediato o fato de Leilei passar a falar com a voz da mãe. Do mesmo modo, quando a esposa revela que os pais de Mingchun reencarnaram na forma de animais – o pai em um cachorro, a mãe em um pássaro – este encara o fato tranquilamente, ficando feliz em, mesmo que por um breve instante, poder estar novamente ao lado de seus entes queridos. Essa aceitação natural da existência de espíritos e da vida após a morte, presente em boa parte da cultura oriental, torna mais fácil também a identificação do público com a aura insólita que envolve a obra.

A genuína afeição pelo absurdo faz com que certas passagens ganhem, além da carga metafórica, uma qualidade cômica sutil, como a cena em que um rebanho de cabras é encontrado nos galhos de uma árvore. Esses vislumbres de comicidade integram o cenário fantasmagórico construído por Hanyi, onde a vegetação morta, como o pomar do tio de Mingchun visto na sequência inicial, se mistura às casas abandonadas encravadas como verdadeiras grutas nas pedras e ao céu sempre encoberto pela neblina e pela poluição, numa massa homogênea entre o cinza e o marrom. Essa paisagem sem vida aguarda ser aplainada pela mineradora que domina a região, obrigando os moradores a se mudarem para um grande conjunto habitacional, e fazendo com que aqueles que permanecem, vaguem alheios como espectros desprovidos de emoções.

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Porém, mesmo nesse ambiente desolador, Hanyi sugere que a vida ainda pode resistir, seja no nascimento do neto de um dos irmãos de Xiuying ou na vivacidade comedida que emana das cores da jaqueta de Leilei, o vermelho e o azul, que se destacam solitários entre os tons monocromáticos do entorno. A peça de vestuário se mostra simbólica, traduzindo a obstinação de Xiuying em transportar a árvore de seu quintal, e aproveitar a segunda chance que lhe é dada para se reaproximar e resolver assuntos inacabados com o marido. Este, por sua vez, também agarra a oportunidade para exorcizar um sentimento de culpa em relação à morte da esposa. Com isso, o ato de desenterrar e plantar a árvore em outro local acaba sintetizando não só a união entre os dois, mas também a possibilidade da preservação de suas memórias, suas raízes.

Raízes ameaçadas pelo famigerado progresso, que empurra e encurrala os chineses – algo representado de modo literal na cena em que um trator, vindo no sentido contrário, obriga Mingchun e Leilei a descer uma colina de marcha ré em seu modesto veículo. Um movimento forçado pela modernidade, que faz até com que as rochas pareçam caminhar sozinhas – em outra sequência que beira o surreal, na qual homens puxam, através de cordas, uma enorme pedra – mas que não altera a imobilidade social dessas pessoas. Hanyi registra a metamorfose gradual das ruínas desse local estagnado no tempo com um olhar atento aos detalhes, se valendo de longos planos estáticos, bem como outros de belos e delicados movimentos, que investigam a paisagem sem interferir na mesma, compondo planos de grande apuro estético, como aquele coberto por uma nuvem de flores brancas.

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A ausência de uma trilha sonora original valoriza o aspecto contemplativo dos silêncios, e também contribui para essa opção de não interferência, extraindo do minimalismo dramático o sentimento de melancolia desejado. É bem verdade que algumas alegorias apresentadas são por demais enigmáticas, esbarrando no hermetismo – como a história sobre a família que possuía uma fortuna em ouro enterrada. Contudo, isso não encobre a reflexão principal proposta por Hanyi em seu desfecho. Em meio às explosões da mineradora, que soam com os fogos de artifício do Ano Novo Lunar que se aproxima, o diretor adota um tom mais esperançoso, com a crença de que a vida sempre encontra um meio de recomeçar – como os ratos no armário abandonado por uma família vizinha – e de que a continuidade da existência de Mingchun e Xiuying é possível através de Leilei. Carregando seu corpo, Mingchun clama pela volta do espírito do filho, a semente germinada de um amor que, diferente das árvores prestes a serem derrubadas pelo avanço industrial, nunca morrerá.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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