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Doce Amianto
Crítica
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Sinopse
Amianto vive isolada num mundo de fantasia habitado por seus delírios de incontida esperança, onde sua ingenuidade e sua melancolia convivem de mãos dadas. Após sentir-se abandonada por seu amor (O Rapaz), Amianto encontra abrigo na presença de sua amiga morta, Blanche, que a protegerá contra suas dores, ao menos até onde possa. Seu universo interior choca-se com a realidade de um mundo que não a aceita, um mundo ao qual ela não pertence e invariavelmente ela torna a debruçar-se em seus delírios jocosos, misturando realidade e fantasia. Com a ajuda de sua Fada Madrinha, Amianto recolhe forças para continuar existindo na esperança de ser feliz algum dia.
Crítica
Realizado no Ceará, estado que tem produzido títulos interessantes como Os Pobres Diabos (2013), premiado no Festival de Brasília, e Cine Holliúdy (2013), inesperado fenômeno de bilheteria, Doce Amianto começou sua carreira no início deste ano, quando foi exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes. Depois seguiu carreira por festivais, como o Recifest, em Pernambuco, e o Vitória Cine Vídeo, na capital capixaba. Em comum o que se percebe em todas essas exibições é o choque provocado no espectador pela história de Amianto, uma travesti desiludida com o amor que recorre a um universo particular de fantasias e ilusões para reencontrar novas – ou antigas – razões para viver.
Amianto (Deynne Augusto) vive para o amor. Trata-se de um daqueles personagens trágicos, sempre à beira de um precipício, dono de atitudes radicais e decisões emocionais. Após ser abandonada pelo Rapaz (Dario Oliveira), parte numa jornada em busca de uma nova paixão. Nessa caminho recebe o auxílio de Blanche (Uirá dos Reis, um dos codiretores), outra travesti, porém já falecida, que lhe aparece em sonhos e devaneios. A referência do nome da melhor amiga não poderia ser mais evidente – estamos falando do clássico Uma Rua Chamada Pecado (1951), baseado no texto de Tennessee Williams, em que Vivien Leigh interpretava Blanche DuBois, a perturbada heroína que “sempre dependeu da bondade de estranhos”. A Blanche que Amianto enxerga, no entanto, também possui sua própria história, tão ou mais absurda do que a da protagonista. E a partir do momento em que o filme abre espaço para essas tramas paralelas, perde também seu rumo, revelando uma fragilidade narrativa incômoda.
O melhor de Doce Amianto é justamente sua personagem principal. Nos envolvemos com Amianto a ponto de a aceitarmos tal qual ela é e torcermos juntos pelo seu ‘final feliz’. No entanto, a estranheza do figurino, do uso da voz e dos cenários não parece ser suficiente para os diretores Uirá dos Reis e Guto Parente, ambos também roteiristas. E a partir do instante em que abandonam sua mais carismática criação para se aventurarem por enredos sobre homens que acordam verdes e com bolinhas roxas pelo corpo, assassinatos à sangue frio à tarde em pleno parque ou possibilidades de novos amores que não se concretizam sem mesmo uma tentativa remete o espectador ao campo das possibilidades, nunca das certezas. E se nada aqui é concreto, o oposto também é dúvida: a própria fantasia perde sua referência, esvaziando os motivos que movem a história.
Típica obra da Alumbramento, produtora nada convencional que tem entregue nos últimos anos longas como No Lugar Errado (2011) e O Rio nos Pertence (2013), Doce Amianto fala direto com o público lgbt – a ousada cena final de sexo gay provoca e excita na medida certa – mas não se restringe a apenas essa audiência. Suas inquietações estruturais e ousadias estéticas o destacam da mediocridade, apontando para um resultado pouco comum. Há erros, sim, mas esses são marcados por uma vontade válida, nunca gratuita, de valorizar a criatividade, o diferencial e o novo. É um longa que resvala, mas que ao mesmo tempo permanece na memória, incitando uma busca por seus significados. Preocupações partilhadas por todo bom filme.
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