Volta ao Mundo em 80 Dias: Uma Aposta Muito Louca

Crítica

É curioso perceber vez que outra como o sistema que coordena as decisões dos grandes estúdios de Hollywood podem ser equivocadas. Volta e meia um astro de grande apelo internacional é escolhido para se tornar o novo “favorito”, só que ao invés de moldar projetos futuros ao que ele já fazia de melhor, opta-se pelo contrário, como se fosse necessário descaracterizá-lo ao máximo para adequá-lo ao paladar norte-americano. Foi assim com o espanhol Antonio Banderas, e o mesmo se repetiu com o chinês Jackie Chan. Sua derrocada, no entanto, começou justamente com esta adaptação malfadada de Volta ao Mundo em 80 Dias, que praticamente abandona a premissa original para se focar em talentos domados e muito aquém dos seus potenciais.

Ao invés de se basear no texto clássico de Júlio Verne (já levado às telas, com sucesso, em 1956, numa produção vencedora do Oscar de Melhor Filme e que contava com nomes como Shirley MacLaine e Cantinflas no elenco), essa mais recente versão nada mais é do que uma tentativa pífia de ser um veículo para o estrelato do astro chinês Jackie Chan numa época em que ele ainda importava. Chan até conseguiu emplacar alguns sucessos nos Estados Unidos, com a saga A Hora do Rush, mas depois desse vergonhoso fracasso (seu orçamento total foi de US$ 110 milhões, sendo que a arrecadação nas bilheterias foi inferior a um quarto deste valor) teve que suar muito para buscar uma recuperação que até hoje não conseguiu – basta lembrar que seu último trabalho de destaque foi como coadjuvante de Jaden Smith, filho do Will Smith, no remake de Karate Kid (2010).

Indicado ao Framboesa de Ouro como Pior Remake ou Seqüência do ano, Volta ao Mundo em 80 Dias conta a história de um cientista inglês que, por causa de uma aposta, terá que cumprir o que promete o título para recuperar sua honra junto aos colegas de profissão e título. Steve Coogan, de A Festa Nunca Termina (2002), é o encarregado deste papel, enquanto que o verdadeiro protagonista fica a cargo de Chan, marcando presença como um ajudante providencial. Ele vai embarcar nesta jornada por motivos diversos, mas que no fundo não passarão de desculpas para poder demonstrar suas habilidades como lutador em combates que pouco entusiasmam.

Toda a produção de Volta ao Mundo em 80 Dias é bastante questionável. Os cenários são exageradamente falsos, enquanto que os desempenhos do elenco são uniformemente fracos – a francesa Cécile De France está irreconhecível, a ponto de agradecermos o fato dela ter voltado para a Europa logo em seguida para estrelar posteriormente obras infinitamente superiores, como O Garoto de Bicicleta (2011). Se há algo que possa despertar alguma curiosidade são as várias participações especiais (como esses atores aceitaram aparecer neste fiasco?), que vão de nomes como Arnold Schwarzenegger e Kathy Bates aos irmãos Luke e Owen Wilson até a cantora Macy Gray. O problema é que quase sempre estas aparições são de segundos e sem nenhuma relevância na história, com se estivessem ali apenas para fazer “gracinha” com o espectador. Ou seja, ao invés de agradarem, contribuem ainda mais para aumentar a decepção com o todo. E se esse é o sentimento que permeia todo o filme, melhor mesmo é ficar longe.

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Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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