Crítica
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Sinopse
Um ator turco aposentado comanda um pequeno hotel na região da Anatólia central junto a sua esposa. No inverno nevado, uma série de acontecimentos fazem com que ele deseje partir.
Crítica
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2014, o mais recente trabalho do turco Nuri Bilge Ceylan chega com quase um ano de atraso ao Brasil mantendo o seu título original, Winter Sleep – ao invés de assumir a tradução direta adotada em Portugal, Sono de Inverno, que faria mais sentido. Sua vitória no mais importante festival de cinema do mundo, à primeira vista, causou espanto, ainda mais se lembrarmos de sua acirrada concorrência, que incluía títulos como os oscarizáveis Dois Dias, Uma Noite, Sr. Turner, Foxcatcher, Timbuktu, Relatos Selvagens e Leviatã, entre tantos outros. No entanto, quem acompanha a trajetória de Ceylan e sua afinidade com o evento francês reconhece que tal feito não foi nenhuma coincidência. Afinal, seus quatro longas anteriores foram premiados por lá: Distante (2002) ganhou o prêmio da Cultura Francesa, Climas (2006) ganhou o prêmio da Crítica, 3 Macacos (2008) foi escolhido como Melhor Direção e Era Uma Vez na Anatolia (2011) levou o Grande Prêmio do Júri. Ou seja, fez-se a lógica, pois estava mais do que na hora do troféu principal ir parar em suas mãos.
E tal reconhecimento foi apenas uma consequência de esforços anteriores ou fez-se justiça a este trabalho específico? Um pouco de cada. Afinal, a cada edição o festival forma um júri diferente, independente daqueles dos anos passados, e acreditar que um atenderia vontades alheias é sinal de ingenuidade. Mas há, evidentemente, um reconhecimento histórico. O que facilita o surgimento de um olhar mais atento e benevolente. Só assim para encarar com interesse crescente os quase 200 minutos de duração de Winter Sleep. Não que o longa não justifique esta dedicação. Mas seu ritmo, lento e hermético, não é de fácil acesso. Desistir, no entanto, não parece ser uma opção uma vez imerso no universo aqui proposto.
Aydin (Haluk Bilginer, visto no recente 118 Dias, 2014) é um ator que já conheceu seus dias de glória, mas que agora resigna-se aos seus livros e à vida ao lado da esposa muitos anos mais jovem, Nihal (Melisa Sözen). Os dois moram isolados em uma pequena vila no interior da Anatolia, onde cuidam do único hotel da região. Por lá passam os mais diversos tipos, invariavelmente indo para algum lugar e vindo de outro distante. O ponto é de passagem, ninguém por lá permanece. Ele até tenta fazer alguma diferença, seja no trato com seus inquilinos das terras que possui ou na relação que mantém com a irmã, a quem parece ter maior afinidade do que com a companheira. Com essa o conflito está sempre à espera de só mais uma palavra, de um desentendimento, de uma oportunidade. A separação parece inevitável, mas como alterar aquilo que a inércia já tomou conta?
Este inverno que domina os sentimentos e ambições parece tê-los colocados em estado de permanente hibernação. É o frio que aflige e imobiliza, mas também desperta em busca de uma mudança. Aydin precisa lidar com as finanças, com as mulheres, com os vizinhos, com todos aqueles que dependem dele. Mas ele é mais um homem da teoria do que da ação. Prefere o faz de conta, a fantasia dos livros e da arte, dos palcos ao invés do dia a dia. Mais ou menos como seu país, perdido no meio do nada, sem ter para onde ir e nem do que lembrar. Se a história é uma repetição do passado, como se preparar para o que está por vir se não se sabe de onde veio? É preciso criar referências, e a busca por essas só surge através do distanciamento.
O cinema de Ceylan é feito de imagens fortes, e Winter Sleep está repleto delas. Algumas sequências poderiam ser emolduradas, de tão belas. A visita em meio à neve sem poder retornar à casa, a caça aos cavalos, o embate por causa do aluguel atrasado: motivações que causam turbulências, mas que resistem a uma decisão mais drástica. Até que esta chega, quando não se é possível mais protelar o inevitável. A verborragia é constante, há muito a ser dito e pouco parece acontecer, até que percebemos que aquilo pelo qual esperamos já teve seu espaço e a situação agora é outra, nova e tão inesperada quanto lógica. Acordar é um trauma, do nascimento à morte, e não se pode imaginar que o processo e seus significados sejam assimilados de forma tranquila. Mas ao invés de se acomodar e perecer, é preciso seguir em frente e viver. Com coração e alma. Ontem, hoje e amanhã.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Marcelo Müller | 10 |
Ailton Monteiro | 8 |
Francisco Carbone | 10 |
Chico Fireman | 7 |
Alysson Oliveira | 9 |
MÉDIA | 8.7 |
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