Crítica
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Sinopse
Crítica
Não fica muito claro o motivo da imensa tristeza de Rita (Beatriz Batarda) num leito de hospital, acompanhada pelo marido igualmente arrasado, na cena inicial de Yvone Kane. Todavia, tal melancolia permanece estampada intermitentemente no semblante dessa jornalista que se demonstra avassalada em meio à posterior reconexão com a terra da sua infância. Para ela, a África é o terreno de lembranças longínquas, além de país onde residem a mãe, Sara (Irene Ravache), e a história que move o retorno. Ela é incumbida da árdua missão de desvendar a verdade a respeito da morte de Yvone Kane (Mina Andala), ex-guerrilheira e ativista política, figura importante aos movimentos de independência do Moçambique. A cineasta Margarida Cardoso utiliza as personagens femininas para oferecer o seu ponto de vista acerca de questões complexas, incluindo a participação da mulher nas batalhas por liberdade. Sua realização possui, então, duas protagonistas, desenvolvidas ora paralelamente, ora bastante apartadas.
Essa bifurcação nem sempre opera de maneira produtiva em Yvone Kane. Ao longo da trama, consolida-se a inclinação pela compartimentação, embora também sejam reconhecíveis alguns esforços para produzir interpenetrações entre as jornadas da mãe e da filha. O aspecto político, que as atravessa inapelavelmente, é fortemente encarado quando a narrativa se desloca à pesquisa de Rita e, por conseguinte, ao mergulho mais profundo nas atividades de Yvone, uma progressista letrada que pegou em armas para garantir a autonomia de seu povo. Aliás, ainda nesse espectro, a realizadora logra êxito ao denotar a tensão residual no espaço, com evocações cotidianas e constantes do sangramento da ferida colonialista. Entretanto, é justamente na construção e posterior utilização desse pano de fundo, vital para fazer da África um cenário simbólico ao filme, que Margarida erra a mão, por manter seu posicionamento demasiadamente camuflado sob a bruma da indeterminação.
O passado de Sara, intimamente ligado ao de Yvone, afinal de contas a branca brasileira partilhava da ideologia da negra moçambicana, é mantido como um espaço misterioso, sem que tal esfera seja utilizada expressivamente. A dinâmica familiar tampouco tem densidade suficiente para sobrepujar o seu caráter mais evidente, delineado pela incomunicabilidade observada na interação truncada entre mãe e filha. A relação de Sara com a religiosa à frente do convento onde ela trabalha é um dos acertos de Yvone Kane, pois, ali, sim, tem-se espaço suficiente para ambiguidades e paradoxos. Sem acreditar em Deus, a personagem de Ravache serve numa casa comandada pela Igreja Católica, demonstrando, para além da carapaça aparentemente impenetrável de seriedade, a compaixão apregoada pelos evangelhos. Mas, esse aspecto acaba, como outros acessados durante o longa-metragem, carecendo de mais espaço, permanecendo na condição de instância esparsa de pujança, num filme disperso.
Falta a Yvone Kane uma linha mestra, algo que guie e/ou unifique as ações e reações em cena. Rita e Sara apresentam demandas e percursos distintos, pretensamente confluentes em certos pontos. Mas, nem sempre essa aproximação seguida de distanciamento funciona dramaticamente. Um exemplo patente de elemento desperdiçado, neste caso, sobretudo, como reforço da relação complexa entre colonizadores e colonizados, é a turbulência ocasionada pela conduta controversa de Jaime (Herman Jeusse), filho adotivo de Sara, cuja história é exposta pela religiosa que o ajudou a escapar de uma fatalidade na infância. Algumas questões são resolvidas de forma abrupta, já outras permanecem excessivamente em voga, configurando um fluxo narrativo desequilibrado. Todavia, há momentos inspirados, como a conversa em que a experiência e a franqueza sobressaem, e a constatação do brutal e institucional apagamento histórico da imprescindibilidade feminina à luta pelo fim da opressão.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 7 |
MÉDIA | 6.5 |
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