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Em 1973, com a fundação do National Black Feminist, organização voltada a discutir, divulgar e batalhar pelas questões ligadas à mulher negra nos Estados Unidos, o feminismo, não apenas o da América do Norte, mas o de todo o mundo, ampliaria sua reflexão. Afinal, num movimento que ganhou visibilidade pelas mãos e vozes de mulheres brancas, de classe alta, as negras não apenas deixavam de se enxergar como evitavam fazer parte das batalhas. Enquanto meninas universitárias e donas de casa com acesso a todo o tipo de modernidade para o lar lutavam por direito ao voto e melhores condições de trabalho, as negras queriam “apenas” ser consideradas pessoas num ambiente onde ser afrodescendente tornava todos invisíveis. Enquanto o ativismo negro dava novas formas à teoria feminista, uma garota negra imprimia nas telas a força de seu olhar. E de seu cruzado de direita, também.

Pam Grier estreava, naquele mesmo emblemático 1973, Coffy: Em Busca da Vingança, tornando-se a maior estrela do blaxploitation, movimento cinematográfico responsável por levar atores negros a posições até então impensáveis nas telas racistas hollywoodianas. Com equipe formada por negros e lançamentos pensados para atingir bairros de população afrodescendente, o blaxploitation criou um mundo à parte. Os protagonistas caminhavam cheios de ginga pela vizinhança, dispostos a resolver seus problemas sem depender dos poderes oficiais. Pam Grier era a principal dessas heroínas, sempre ocupada em livrar a cara do namorado da máfia. Ou seja, Grier dava vida a um tipo de protagonista que o cinema branco sempre destinou aos homens. No material de divulgação de Coffy, ela é anunciada como “a madrinha do bairro todo”. Grier era a poderosa chefona. E o melhor: nenhum homem em cena questionava seu poder. E, quando dava essa mancada, era colocado no seu devido lugar, de forma nada delicada.

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Como o próprio nome anuncia, o blaxploitation é uma das vertentes do cinema de exploração, que tem dezenas de subdivisões, explorando sexo e violência sob a forma de prisioneiras, freiras e monstros. Se algumas mulheres se sentem mal representadas pelas protagonistas de Pam Grier, que é indiscutivelmente sensual e não poupa nudez em suas aparições, vale lembrar que até o rebolado da atriz tem função social. Antes do estilo black de filmar se consolidar nas telas, uma negra sexy no cinema norte-americano era apenas isso: uma negra sexy. Bonita de se ver e sem algo a dizer. Com Pam Grier, e também Tamara Dobson e Sheila Frazier, sensualidade era detalhe. A prioridade de todos os dias era manter a ordem, mesmo que isso exigisse alguma confusão. As negras não eram somente estrelas, mas de filmes de ação. Se isso não se chama empoderamento, esta que vos escreve terá de mudar de nome.

Apesar do sucesso de Coffy e, um ano depois, do de Foxy Brown (1974), Pam Grier talvez tenha seu desempenho mais expressivo em Black Mama, White Mama (1973). Dirigido por Eddie Romero e ambientado numa prisão feminina localizada numa ilha da América do Sul, o filme mostra Grier e Margaret Markov (loira pertencente a um grupo anarquista!) em fuga…mas acorrentadas. As antigas inimigas de cela terão que se unir para conseguir chegar aonde desejam. Quer maior exemplo de sororidade? Se há alguns tapas trocados ao longo do caminho, isso é parte do roteiro que pensava nos rapazes que têm certo prazer em ver duas moças se engalfinhando. E não são poucos, pois bilheteria era algo que não faltava no blaxploitation, a ponto do sucesso influenciar a moda e o jeito de falar.

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Assistir a Pam Grier, décadas depois do melhor momento de sua carreira, na abertura de Jackie Brown (1997), de Quentin Tarantino, deslizando na esteira do aeroporto ao som de Across 110th Street, de Bobby Womack, é um deleite para os fãs do blaxploitation. E a prova de quem Grier não é apenas um símbolo do movimento, mas o rosto de uma revolução. Aquela feita com batom, garra e cinema.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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