Tradicionalmente, dezembro é consagrado aos preparativos da ceia natalina e, posteriormente, a tudo o que diz respeito ao Ano-Novo. E, para muita gente, assistir a filmes natalinos é fundamental nesse ritual que envolve de comprar comidas típicas a garantir os presentes da molecada. Mas, curiosamente, o Brasil nunca entrou muito nessa onda do ponto de vista da produção, sempre impostando filmes estrangeiros, majoritariamente os norte-americanos. Mas, isso parece prestes a mudar. 10 Horas para o Natal (2020) produzido pela Paris Entretenimento, é aquela típica comédia natalina com uma mensagem positiva para arrematar. Na trama, três irmãos têm arruinadas as suas festividades por conta da separação dos pais. Então, os pimpolhos resolvem arregaçar as mangas e encarar a movimentada Rua 25 de Março, em São Paulo, a fim de garantir a realização de uma celebração novamente em família. O ator Luis Lobianco interpreta o patriarca de nome composto, daquele tipo de personagem cujo infantilismo é proporcional ao seu enorme coração. Conversamos por telefone com o ator para saber um pouco mais sobre a produção que chega nesta quinta-feira, 03, aos cinemas do Brasil. Confira mais este bate-papo exclusivo.
Dezembro é mês de ver muito filme natalino, mas curiosamente não tínhamos até agora o costume de produzir exemplares brasileiros em torno dessa temática. Como recebeu o convite para praticamente ajudar a inaugurar esse filão por aqui?
Olha, sou da geração que cresceu assistindo a filmes de natal estrangeiros, normalmente os norte-americanos e também os ingleses. Nas férias, era hora de ir à casa dos primos, frequentar aqueles cinemas maravilhosos de rua para ver as histórias passadas geralmente em Nova Iorque. Mas, quando a gente saía da sala não estava abaixo de neve, mas sim no calorão da Praça Saens Peña, no Rio de Janeiro. Realmente não tivemos referências de filmes brasileiros natalinos. Quando chegou até mim o roteiro achei a ideia absurda (risos): “mas como vocês vão fazer um filme de Natal no Brasil?”. Porém, foi justamente o caráter insólito que despertou meu interesse. Isso, além do fato de ser algo que dialoga com os públicos infantil e infanto-juvenil, que eu adoro, que me segue. Era a oportunidade de fazer algo novo, com uma equipe muito experiente, um roteiro divertido que previa ação. O resto foi só alegria.
Justamente por estarmos falando de um filão tradicionalíssimo, você chegou a assistir a alguns filmes natalinos como inspiração para compor o Marcos Henrique?
Não, trabalhei mais como o que tinha da memória e minha intuição sobre o personagem e as circunstâncias. É um filme urbano, cujo cenário é São Paulo, ambiente que adoro. Sou carioca, então a minha 25 de Março é o Saara (nota da edição: o Pólo Saara é considerado o maior shopping a céu aberto do Rio de Janeiro). Aliás, por conta das produções teatrais, frequento muito o Saara. Adorei a ideia das cenas acontecerem na 25 de Março, espaço que muda de foco rapidamente. Numa hora vende-se tudo de festa junina, daqui a pouco o mote é Halloween, logo se transforma em reduto de produtos natalinos. Mesmo naquele ritmo insano, naquela muvuca, há uma atmosfera lúdica, componentes próprios de um olhar infantil.
E como foi contracenar com o trio infantil, a Giulia, o Pedro e a Lorena? Em vários instantes parece que vocês estão se divertindo à vera…
Olha, que bom que você percebeu que estávamos nos divertindo. Trabalhar com criança pode ser tenso, pois algumas delas não têm experiência. Ao contrário desses três. Eles sabem como é o ritmo de filmagem, são inteligentes, divertidos e apaixonados. Mesmo após uma diária de 12 horas, ainda queriam mais. Havia um ambiente muito positivo, do tipo que a Cris D’Amato consegue nos projetos dela. Nossa diretora tem um astral maravilhoso e isso inspira a equipe. Tinha horas que eu virava criança e entrava na bobeira deles, deixando a técnica em segundo plano e me divertindo para valer. É algo parecido com o que eu vivia no curso de teatro, que era sério e brincante ao mesmo tempo. Acho que isso está impresso no resultado. Que bom que as pessoas estão percebendo isso.
E como foi rodar aquela cena musical? Mais do que a sincronia dos movimentos, me parece que ali sobressai uma espontaneidade…
É uma licença poética maravilhosa. Eles estão dentro do mercado, num dia infernal, mas a criança consegue enxergar outras coisas. A menina vê um saco de açúcar estourando e acha que é neve. Rodar a cena foi cansativo. Foi um dia inteiro de coreografia, para organizar os planos e fazer as coisas funcionarem. Ver ponto é maravilhoso. Tivemos o apoio da coreógrafa Fernanda Chamma. Ela enfatizava para ficarmos no ritmo e brincarmos, que a alegria e a comunhão eram o importante. E, claro, tem os bailarinos no fundo que deixam tudo plasticamente mais bonito.
Vocês tinham espaço para adicionar coisas, elementos, casos e afins, ou o roteiro estava muito fechadinho, impermeável a improvisos e afins?
Tivemos liberdade, o tempo inteiro, para brincar, propor e acrescentar coisas. Os processos atuais são muito colaborativos, os atores acabam se tornando coautores. E, além disso, não tem como filmar numa 25 de março ignorando o que acontece ao redor. É um ambiente de interferência intermitente, por isso é preciso saber jogar com o imprevisível. Não fechamos a 25 de março, filmamos com ela em pleno funcionamento. Na hora do ‘valendo”, era Luis Lobianco caminhando mesmo no meio da galera. Isso é bacana. Dá muita adrenalina. Não podemos, de forma alguma, ficar fechados ao externo. É preciso contar uma história, mas assimilando o que a cidade conta para a gente.
Recentemente foi lançado Uma Invenção de Natal, filme natalino com elenco majoritariamente negro. 10 Horas para o Natal apresenta uma família nuclear de contornos mais tradicionais. Você acha que ainda há uma barreira a ser quebrada nesse sentido, especialmente em produções que aspiram atingir um grande público e/ou de um filão mais associado ao tradicional?
Acho que isso é um desafio. A gente precisa trazer representatividade com novas histórias. Se trata de uma busca e uma exigência bastante atuais. Se pensarmos em Brasil, não somos um país de famílias tradicionais, papai, mamãe, filhinho. Temos muitas mulheres que chefiam suas famílias sozinhas, por exemplo. Essas famílias possíveis também querem se ver nas telas. Mas, acho muito bacana que o objetivo das crianças no nosso longa não é pai e mãe reatarem, mas eles voltarem a ser amigos. Acho que essa é uma disposição maravilhosa. A gente precisa contar muitas histórias, de tantas famílias, mas para isso é preciso existir o cinema. No momento, nossa batalha é combater a força que deseja acabar com esse setor e outros igualmente das artes. Mas, nós vamos resistir. É importante que as pessoas assistiam aos filmes, seja no streaming ou nos cinemas, claro, respeitando todas a medidas de segurança.
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