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10 Segundos para Vencer :: Entrevista exclusiva com José Alvarenga Jr.

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Robledo Milani

José Alvarenga Jr. é um dos grandes nomes da televisão brasileira. Atuando na Rede Globo desde o início dos anos 1990, nunca dirigiu uma novela, mas comandou programas e seriados que entraram para a história, como o interativo Você Decide (1992), o policial A Justiceira (1997), o cômico A Diarista (2004-2007) e o apocalíptico Como Aproveitar o Fim do Mundo (2012), entre tantos outros. Foi no cinema, no entanto, que sua paixão sempre falou mais alto. Na ativa desde Os Heróis Trapalhões: Uma Aventura na Selva (1988), constantemente esteve ligado a projetos de forte base televisiva, como as versões cinematográficas Os Normais: O Filme (2003) ou Cilada.com (2011). É por isso que 10 Segundos para Vencer, seu mais recente trabalho, parece tanto significar um recomeço para o cineasta. Afinal, mesmo com mais de dez longas no currículo, este é o primeiro originalmente concebido para a tela grande, além de ser inspirado em uma história real – algo inédito em sua filmografia. Premiado no último Festival de Gramado, aproveitamos a passagem do realizador pela Serra Gaúcha para um bate-papo inédito e exclusivo sobre essa obra mais recente. Confira!

 

O projeto de 10 Segundos para Vencer começou há mais de dois anos, certo?
Dois anos e meio do momento em que aceitei o convite para dirigir. Na verdade, esse filme começou doze anos atrás! Foi quanto o Thomas Stavros, que na época era ator, resolveu encontrar um personagem para ele no cinema. A ideia dele era ele próprio fazer o Éder. Só que isso era um sonho meio louco, que logo percebeu ser inviável. Os parceiros, com quem conversava a respeito, lhe diziam: “olha, tudo bem, a ideia é incrível, mas o Éder não pode ser você”. Durante esse processo, ele foi se dando conta e começou a fazer uma virada, deixando de ser ator para se tornar roteirista. Essa, aliás, é a profissão dele atualmente. É curioso perceber como o Éder, na vida desse cara, modificou tudo o que ele havia pensado para si. Acabou sendo algo épico para todos nós, na verdade.

E como você entrou nessa história?
Então, como estava te contando. Entrei no projeto há dois anos e meio. Não era o diretor na época, estava mais ou menos alinhado com outro cineasta. Eu seria o produtor. E abracei porque achava a trama incrível, esse lance da paternidade. Vivi, em 1973, a experiência de ter visto aquela luta histórica do Éder Jofre, pela televisão. Eu e o meu pai, que, infelizmente, morreu há muito tempo, e essa é uma das lembranças mais vivas que tenho dele. Acho que foi a primeira vez que fui apresentado ao boxe. Tinha 13 anos de idade, e fiquei apaixonado por aquela vitória. Nós estávamos comendo pizza, da Pizzaria Guanabara – que já fechou – na casa da minha avó – que já morreu. Foi um momento importante, e feliz, da minha vida.

 

Como você mudou de produtor para diretor?
Com a saída do Rogério Gomes, que é um cara fantástico, que fez diversas novelas, mas no cinema apenas o Xuxa e os Duendes (2001). Ele ficou inseguro, e acabou desistindo. Daí o Edson, da Globo Filmes, virou para mim e perguntou: “você faz?”. Topei na hora, né? Afinal, gostava da história, tinha essa importância histórica pra mim, e achava interessante explorar a questão da paternidade, que é, para mim, um tema muito caro. Tive uma relação bacana com o meu pai, ele também era do cinema, sou a segunda geração. Portanto, tudo que tem cinema e tem pai é muito forte, acabou me envolvendo demais.

 

Qual tua primeira atitude assim que aceitou esse desafio?
A partir do momento em que assumi o filme, redirecionamos esse olhar, retrabalhamos o roteiro para enfocar essa relação entre os dois, e hoje fico felicíssimo por ter sido escolhido. Não que tenha mudado a minha vida, mas é um tema que me dá prazer. A gente faz cinema, em última análise, para nós mesmos. Quando olhamos pra trás, é possível perceber uma carreira de reflexões a respeito de como nós éramos em cada um daqueles momentos. Nem sempre é fácil, mas com certeza prazeroso.

José Alvarenga Jr (ao centro) e equipe do filme 10 Segundos Para Vencer no 46º Festival de Gramado – Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto

Quais foram as suas referências ao dirigir 10 Segundos para Vencer?
Esse foi o maior problema. Afinal, as referências são todos os filmes da minha vida. Tive que ir atrás destas produções que eram muito emblemáticas para mim. E isso deu um certo medo. Mas, por outro lado, tinha uma história real em mãos, que não havia saído da minha cabeça. E com componentes próprios, que a diferenciavam dos outros filmes desse mesmo gênero. Mesmo assim, fui estudar, e revi Touro Indomável (1980), Punhos de Aço (1980), O Campeão (1979)…

 

Quem assiste ao 10 Segundos para Vencer é impossível não pensar que o Daniel de Oliveira é o Robert De Niro brasileiro…
Mas é isso mesmo. O Robert De Niro treinava com o Jake La Motta, né? E o Daniel teve o Éder Jofre ao seu lado, fez um bom laboratório com ele, e teve a oportunidade de treinar com campeões brasileiros. O Cesário Bezerra, que treinou com ele, por exemplo, é um dos maiores pensadores do boxe brasileiro hoje. É um cara com uma baita história, e um grande lutador. E virou amigo nosso, ajudou até nas coreografias das lutas. Essa verdade, que a gente via no Touro Indomável, também temos aqui. O Daniel, basta olhar para o corpo dele hoje: é um outro homem. Ele ficou muito forte!

 

E virou puro músculo. O filme retrata bem isso, naquela dificuldade do atleta em perder peso. Aquilo é real!
Exatamente. Vai tirar de onde? O cara teve que parar completamente a vida dele para ficar malhando dez horas por dia! Tínhamos nutricionista e fisioterapeuta o tempo todo no set, justamente para cuidar da musculação dele. Não é um negócio agradável para o ator. As filmagens do dia terminam, e o cara, ao invés de ir comer uma pizza, um pudim, não pode, tem que continuar no personagem. É, portanto, um compromisso que faz esperando que lá na frente venha a recompensa. Acho que o Daniel está colhendo esse resultado agora.

 

Vocês tiveram um contato próximo com o Éder Jofre. O quanto ele colaborou com o filme?
A gente fez um mergulho muito grande na história dele. Estudamos muito o Éder. Lemos tudo o que havia disponível. Ele tá muito documentado, há filmes, vídeos, bons documentários – o Quebrando a Cara (1986), do Ugo Giorgetti, é maravilhoso – e também muitas entrevistas. Você vai no arquivo de esportes da Rede Globo e encontra muita coisa sobre ele. Então, fomos nos nutrindo disso. Além disso, entramos numa van eu, o Daniel, o Lula Carvalho – nosso fotógrafo – e o Thomás – o roteirista. Ah, e também o Flávio R. Tambellini, o produtor, e o Claudio Domingos, diretor de arte. E ficamos uma semana em São Paulo, visitando todos os lugares por onde o Éder havia passado, vivido ou frequentado. A gente teve uma overdose de um olhar de fora querendo descobrir esse outro lado, mais íntimo, visto de dentro. Precisávamos dessa aproximação. Isso nos ajudou a consolidar para onde iríamos com o filme. Foi um trabalho coletivo. Era um desejo de todos chegarmos até esse ponto.

Osmar Prado e Daniel de Oliveira em 10 Segundos para Vencer

Ainda que as cenas das lutas sejam vibrantes, a força do filme está nessa relação entre pai e filho. Como foi buscar esse equilíbrio?
A gente fez o filme para os nossos pais. O Osmar, quando veio falar comigo pela primeira vez, me perguntou: “qual é a força social desse filme?”. E eu disse “olha, não é bem por aí”. Claro que temos em mãos uma história de superação, de alguém que veio de uma classe social mais baixa e mudou de vida. E isso mexe com todo mundo. Mas a nossa intenção, mais do que qualquer coisa, era falar sobre pais. Passou o tempo, e após assistir ao filme pronto, o mesmo Osmar virou pra mim e disse: “estou vendo o meu pai na tela”. Cada um foi buscar o próprio pai. Por isso acho que essa relação está muito sincera. Ela vem de dentro. O Daniel foi buscar o pai dele. Todos nós buscamos.

 

E qual era a dificuldade disso enquanto diretor?
Tanto o Osmar quanto o Daniel, e isso é algo que repito sempre, são atores de composição. Usam esses elementos externos para compor seus personagens. Normalmente, a maioria dos atores trabalham a inflexão de voz, um certo vigor físico, oferecem uma camada de emoção, e mais nada. Mas aqui foi diferente. Esses caras mudaram os corpos deles para contar essa história. O Osmar criou um sotaque, não tem parentesco com argentinos, mas bolou algo especificamente para o filme, que ficou genial. Criou algo pessoal, mas bastante crível. E para ele foi mais difícil, pois sobre o Kid Jofre tem pouco material documentado. Uma entrevista, apenas, se não me engano. Então teve que ir tateando. Quando começou a fazer aquilo na minha frente, o meu cuidado era apenas não deixar que desmontasse, acabasse deixando de lado. Teria que ir até o fim. Quando há emoção, às vezes a técnica se perde. E o meu trabalho era não permitir que esquecessem disso. Não podiam perder o que havia sido proposto.

 

O cinema brasileiro não possui um histórico de filmes sobre esportes. Você acha que o 10 Segundos para Vencer pode abrir uma nova tendência?
Nós somos o país do futebol e não temos um filme à altura. Temos algumas tentativas, corretas, sinceras, mas nada que tenha marcado. E por que isso acontece? Porque existe uma dramaturgia no esporte. Não é só coreografia. As lutas são legais porque em volta delas tem personagens com motivações próprias para fazê-la andar. O empresário que quer que ela passe do quinto round, o pai que não sabe que o filho vai conseguir, o Éder que duvida de si mesmo, os irmãos que estão apreensivos, a mãe que tá abraçada no filho doente. Essas figuras é que dão a tensão à luta.

O roteirista Thomas Stavros e o diretor José Alvarenga Jr no set de 10 Segundos para Vencer

Isso é algo que se percebe muito no cinema hollywoodiano.
Sim, porque funciona. No Rocky: Um Lutador (1976), é a mulher. Aquela cena, dele todo ensanguentado, gritando “eu te amo”. Puxa, aquilo é lindo. No A Luta Pela Esperança (2005) é a família pobre e a esposa que acha que o marido vai ser assassinado no ringue porque o oponente tem o costume de matar os adversários. Essas tramas é que dão as consistências e a dramaturgia ao esporte. O que falta para a gente, na verdade, não é a capacidade de fazer. Mas a de construir um roteiro. Tanto que, na maioria das vezes, os roteiristas preferem sair pela tangente. Veja o Boleiros (1998), também do Giorgetti: é sobre futebol, mas sobre os personagens ao redor do jogo. É maravilhoso, mas são periféricos. O Asa Branca (1980), o Heleno (2011), todos com muito drama, mas pouco futebol. Já o americano pega um filme de baseball, que ninguém aqui entende, e no final tá todo mundo torcendo. Essa é a diferença.

 

E a gente tem um Pelé e não consegue fazer um filme sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos.
Pois é. Falta dramaturgia. Sem falar que, num filme sobre o Pelé, tem que ser um cara que jogue tão bem quanto ele jogava. Não dá pra jogar um futebol mediano e dizer que aquilo é coisa de gênio. Ainda mais no Brasil, um país que ama o futebol. Mas o desafio, a coreografia, é possível. Muitos anos atrás tive a vontade – e quem sabe um dia ainda faço, se tiver maturidade para isso – de elaborar uma ópera rock sobre futebol. Seria um musical que se passasse durante uma partida de futebol. Noventa minutos, sem saber o resultado, apenas com os elementos para contar aquele jogo através da música. É o projeto da minha vida, que talvez nunca consiga realizar. Vamos ver. É um sonho. Quase um balé, como o Bodas de Sangue (1981), do Carlos Saura. São coreografias dramáticas.

 

Mas isso é algo que você vem acalentando há anos, então?
Uma vez, muitos anos atrás, encontrei o Telê Santana e contei essa ideia. Ele ficou me olhando como se eu fosse um maluco. Deve ter pensado que eu era muito garoto, sei lá. Mas pra fazer, tem que ser com um cara como ele, que pensava e criava as jogadas, para coreografar essa tensão. Há de tudo num campo: o bandeirinha, o juiz, o jogador que tá desaparecido, o outro que tá jogando mal, aquele que é vaiado pela torcida. Elementos é que não faltam. Basta a gente aprender a construir tudo isso. O dia que isso acontecer, teremos vários filmes maravilhosos sobre o esporte. Olha o Neymar, hoje! É um personagem maravilhoso, daria um filmaço!

No 46º Festival de Gramado, o diretor José Alvarenga Jr. apresenta 10 Segundos Para Vencer – Foto: Cleiton Thiele / Pressphoto

Quando Éder Jofre se sagrou campeão, o Brasil vivia uma época de muitos heróis. O que o 10 Segundos para Vencer tem a dizer ao público de hoje?
Acho ruim você imaginar que um país precisa de um filme como esse. Seria bom se fosse apenas um filme sobre colaboração, afetos, sobre amor. Acho grave quando chegamos nessa situação de um filme precisar falar para um país. Mais interessante é quando o país fala para o filme. Ainda mais em um lugar tão complexo como o nosso. Naquela época, é preciso lembrar que era um Brasil utópico, com a bossa nova, Juscelino Kubitschek era o presidente democrático, Brasília sendo construída, campeão do mundo no futebol. Foi um momento de grande euforia. Não sei se 10 Segundos para Vencer traz esse mesmo sentimento, e acho que nem deveria. O que traz é uma possibilidade de colaboração, um lembrete de que não há sucesso, não há desejo que precise ser conquistado só pela vontade, é preciso também o apoio. E hoje, como tá todo mundo muito defendido nas suas ideias, com uma dificuldade enorme para ouvir o outro. Estamos vivendo um Brasil que me assusta! Acho que esse filme traz essa possibilidade de que dá, sim, para ouvir.

(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2018)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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