Ele é a verdadeira força que faz o Fest Aruanda acontecer ano após ano. Lúcio Vilar é jornalista, crítico de cinema membro da ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, produtor audiovisual, documentarista e docente da Universidade Federal da Paraíba. É responsável por ter idealizado o maior festival de cinema da Paraíba em 2005, e desde então tem se dedicado por completo na manutenção do evento. Em 2020, no entanto, quase que todos os seus esforços não foram suficientes, graças a um evento avassalador: a pandemia do covid-19! Após muitos debates internos e consultas, a solução foi a realização de um evento no modelo híbrido, com sessões presenciais (Abertura e Encerramento) e virtuais (as mostras competitivas). Justamente para saber mais sobre a edição deste ano, nós conversamos com o diretor geral do Fest Aruanda, que falou em detalhes sobre as comemorações do décimo quinto aniversário, os cuidados que tiveram que ser tomados e como já está o planejamento para 2021. Confira!
Olá, Lúcio. No meio de um 2020 caótico, qual foi a maior dificuldade enfrentada para a realização do 15o Fest Aruanda?
Olha, foi a indefinição. Ter que trabalhar no escuro, sem saber exatamente que cenário teríamos pela frente. Em março, já estava certo que seria uma edição especial, 15 anos do festival e 60 anos do filme Aruanda (1960). Daí veio a pandemia, e a todo instante nos víamos obrigados a redesenhar as ideias. A cada mês era definido algo, que no seguinte precisava ser revisto. Até o momento em que percebemos que não tinha como decidir nada concreto. Foi quando partimos para a seleção dos curtas e longas. Nesse ponto, decidimos escolher só docs para a seleção principal. Em outubro, apenas, decidimos que não teria como ser totalmente presencial. Formatamos esse mix, com menos de 50% da capacidade da sala de exibição. A tela é gigantesca. Tem capacidade para quase 500 pessoas, tivemos menos de 200. E com todos os protocolos dos cinemas de todo o país. Além disso, criamos a plataforma Aruanda Play, desenvolvida especialmente para esse festival e para o Olhar de Cinema, de Curitiba. Foi uma solução meio a contragosto, mas era a realidade que estava se impondo.
Acredito que deve ter sido uma experiência de muito aprendizado para vocês também, certo?
Sim, com certeza. Uma coisa bacana, que adotamos logo, no início no segundo semestre, foram as lives pela internet. Foi um recurso também para nos familiarizarmos com a tecnologia. Agora, já dominamos essa linguagem. Mas, do ponto de vista da plataforma de exibição, foi um nó completo. Nunca tínhamos experimentado algo assim. Até os filmes das sessões presenciais foram também exibidos virtualmente. Vamos fazer uma reprise dos filmes premiados: melhor longa nacional, regional e curtas. Uma coisa que percebemos que foi da maior importância, além da democratização que a Aruanda Play representa na prática, são os debates transmitidos pela internet. Isso tem sido muito importante, pois dá pra ver na hora, ou depois também, pois estão todos os encontros salvos. Material de altíssima qualidade, de valor incalculável.
Como foi o processo de curadoria em 2020?
Não foi simples, com certeza. Tem algumas coisas no Aruanda que acho que é o espírito de Linduarte Noronha que faz até aquilo que tinha tudo para dar errado, acabe dando certo. Essa definição de só termos documentários na mostra de longas nacionais reforça a força e a qualidade da safra de produções do gênero desse ano. Muitos vieram do É Tudo Verdade, que estava excelente. Também pesou o fato que, nesse ano, seria difícil trazer atores e atrizes. Não teria condição. Então, as coisas se somaram valorizando a tradição documentarista paraibana. A Paraíba tem um DNA documentarista. Tivemos, historicamente, uma dificuldade crônica de fazer ficções. Isso começa a mudar de 2010 para cá. Em 2018, o crítico Luiz Zanin chamou de “primavera do cinema paraibano”. Foram seis ficções num mesmo ano! Uma proeza que nunca havia sido alcançada. Então, foi uma virada de página importante. Mas o documentário, que se manteve hegemônico durante todo o século XX, segue forte no estado até hoje. Em nome de tudo isso, a nossa curadoria ganhou esses contornos. E também teve a felicidade de abrir com o próprio Aruanda (1960), em exibição especial. Um filme que continua vivo.
Esse processo foi mais simples ou mais complicado do que o esperado?
Tivemos mais de 600 filmes inscritos, entre longas e curtas. Foi impressionante. Como a nossa curadoria leva em conta os filmes inscritos, mas também se dá o direito de escolher, optamos por filmes que falam do Brasil atual, levantando temas como identidade, questões raciais, políticas, sociais. Dialogam entre si, há uma linha que conecta todos esses títulos. O mesmo também se percebe nos curtas. Acho que curadoria está muito coerente. Quando falo que tratam de assuntos que estão na ordem do dia, é a força do documentário nesse momento de fake news, negacionismo, pós-verdade que se destaca. Os documentários se tornam mais do que nunca necessários, pois possuem essa importância de se recolocar e resgatar estes temas com o tratamento devido.
A plataforma Aruanda Play está sendo um sucesso. É uma ideia que pode ser mantida no futuro?
Veja bem: o zoom já existia, assim como o google meet e todas essas ferramentas. Estavam ao nosso alcance, mas é como se não tivessem uso antes da pandemia, a não entre grupos muito específicos. Eram restritos. Agora que os descobrimos, durante a quarentena, a gente não abandona mais. Até acredito que possam surgir outras, ou essas mesmas podem se transformar. Tudo foi alterado. No caso dos festivais, da nossa plataforma, o que foi pensado é aproveitar o que deu certo. Batemos o martelo por esse formato apenas em novembro, um mês atrás. Foi uma correria contra o tempo, para dar conta de tudo. O que foi pensado era para suprir uma circunstância pontual, e isso deve ser preservado. Afinal, suas utilidades são múltiplas. Pensamos muito numa agenda 2021, e vamos dar continuidade a essas atividades. Não me pergunte como, exatamente, mas com certeza será útil.
O que os levaram a optar por esse formato híbrido, entre sessões presenciais e outras virtuais?
A gente achou que, com os cuidados e protocolos necessários, dois únicos dias não seriam prejudiciais. Ainda mais por ser a comemoração dos nossos 15 anos, queríamos manter esse encontro. Tivemos menos de 200 pessoas presentes, mas foi um momento muito importante. Com todas essas medidas e o rigor exigido, queríamos fortalecer essa celebração do nosso aniversário. A Helena Solberg, uma das homenageadas, por exemplo, participará apenas de uma homenagem virtual, ela não veio até João Pessoa. Ou seja, vamos de acordo com as conveniências de cada um.
Em relação à edição de 2021, já há algum planejamento nesse sentido?
Geralmente, a gente tá desarmando o circo e já começamos a pensar no próximo. Mas começamos a cogitar, de fato, a partir da prestação de contas do evento atual, lá pelo final de janeiro, meandros de fevereiro. Mas, posso dizer que o Vladimir Carvalho, numa live conosco, fez uma sugestão bem discreta, como quem não quer nada, de uma homenagem ao Rucker Vieira, que foi diretor de fotografia do Aruanda (1960). Uma ideia, muito simpática, pela importância que esse artista teve para a Paraíba e para todo o cinema nordestino. Gostei bastante. Outra é a Maria do Rosário Caetano, que está conosco desde a primeira edição, e seria homenageada neste ano. Então, é outro nome que podemos retomar no ano que vem. Mas vai ter muito mais, e estaremos juntos, mais uma vez!
(Entrevista feita por telefone em dezembro de 2020)
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