Maria Flor Leite Calaça tem cinema no sangue – afinal, é filha do técnico de som de cinema Renato Calaça (Era Uma Vez, 2008, e As Aventuras de Agamenon, O Repórter, 2011, entre outros). Nascida no dia 31 de agosto de 1983 na cidade do Rio de Janeiro, começou na carreira como muitos outros jovens iguais a ela: no elenco da novela juvenil Malhação, da Rede Globo, em 2003. No entanto não se acomodou com a fama fácil, e foi atrás de mais. No ano seguinte já marcava presença na tela grande em três projetos diferentes – entre eles, o campeão de bilheteria Cazuza – O tempo não pára (2004), de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Desde então apareceu em mais uma dezena de filmes, até sua estreia no cinema internacional neste ano em 360, sob os cuidados de Fernando Meirelles, o cineasta brasileiro mais bem sucedido atualmente no exterior. Este filme, selecionado como convidado de abertura do último Festival de Gramado, motivou a ida da atriz para a serra gaúcha, onde o Papo de Cinema a encontrou para essa conversa inédita e exclusiva, em que fala sobre como foi atuar ao lado de nomes consagrados como Anthony Hopkins e Ben Foster, além de revelar quais serão seus próximos passos. Confira!
Como foi a preparação para esse que é o seu primeiro papel em uma produção internacional?
O convite veio direto do Fernando Meirelles, diretor. Ele pediu para fazermos um teste de vídeo para mostrar aos produtores europeus, para que eles me conhecessem e avaliassem o meu inglês. Depois do teste e deles terem concordado com a minha escalação, foi quando recebi o roteiro pela primeira vez. Aí que comecei a trabalhar com a “Laura”, e conhecê-la de fato. Um costume que tenho é de colocar todas as cenas da personagem na parede do meu quarto, em casa, e estudar a partir dessa visão mais geral. Interpretar em inglês era um grande desafio para mim, e por me dediquei bastante a estudar o texto, pois sabia que precisava estar muito segura na hora das filmagens. Pensei muito nessa menina, acho que a “Laura” deve ser uma garota de classe média, comum, com sonhos, apaixonada. Ela abre mão de morar no Brasil pra seguir o namorado até Londres, acompanhando o personagem do Juliano Cazarré. Algo que foi também muito complicado pra mim é que quando o espectador encontra a “Laura” pela primeira vez, já é num ponto de desequilíbrio dela. Você não sabe quem ela é antes, como era a vida dela com o namorado. Ela fala para ele: “você acha que a vida que a gente tem aqui é melhor?”. Partimos de um ponto de virada da personagem, e por isso que eu precisava saber muito bem quem era ela pra conseguir fazer essa mudança. A partir desse ponto acompanhamos uma pequena jornada dela, sua volta ao Brasil, e com os encontros que ela tem nesse percurso ela vai se distanciando daquelas escolhas e vai se transformando. Ela vai crescendo durante o filme.
Como foi filmar com Anthony Hopkins em 360?
Ele foi muito gentil. Foi um grande desafio, é claro. No dia que o conheci fiquei muito nervosa, mas não deixei transparecer. Conversamos, discutimos as cenas, trocamos ideias. Mas, assim que ele se levantou e saiu da sala, comecei a chorar de emoção! Ele é muito fofo! Foi muito generoso comigo. Esse primeiro encontro foi uma ideia do Fernando, e era apenas uma leitura, muito informal, do roteiro. O Hopkins chegou completamente desarmado, muito tranquilo, e começou a contar a história dele pessoal de vida. Algo interessante foi que ele falou que não iria fazer um personagem, que seria ele mesmo em cena. Acho muito bonito que, numa das cenas, ele diz: “sempre fui um vencedor”. E é ele mesmo ali! O Anthony Hopkins é um alcóolatra. Aquela história do padre, que ele conta, é a vida dele, é sobre ele mesmo. Isso me deixou muito emocionada, de vê-lo se expondo, se abrindo dessa maneira, e pra gente, numa sala. O tempo todo ele dividia comigo as ideias, do tipo “posso te abraçar nessa hora?”, sabe? O jeito de interpretar dele é muito simples, muito econômico, mas ao mesmo tempo tão profundo. O olhar dele conta tanto! Quando o conheci fiquei muito mais relaxada, pois percebi que a única coisa que eu tinha que fazer era me soltar e ir com ele, acompanhá-lo. Foi uma experiência que marcou muito a minha vida de atriz, creio que amadureci muito com esse encontro. Foi muito bom ter enfrentado essa batalha. Foi difícil, mas aos poucos ele deixou de ser “o” Anthony Hopkins e virou mais um ator, que estava ali no set, ao meu lado, apenas contracenando. Estávamos os dois fazendo um trabalho para um mesmo filme, e foi muito bom tê-lo ali do meu lado. Depois de ter vivido isso me sinto mais preparada como atriz.
Vocês conseguiram estabelecer um diálogo nos ensaios para criarem juntos cada cena?
Ele é muito técnico. Foi muito diferente, por exemplo, a minha relação com o Anthony Hopkins com a que tive com o Ben Foster. Esse estava completamente dentro do jogo, muito disponível, querendo trocar. A nossa cena tinha uma atmosfera eletrizante. Com o Hopkins era outro modo, em alguns momentos ele não estava ali interpretando para mim, como um jogo de dois. Ele fazia para a câmera, muito interno, pra ele mesmo. Muito focado. Isso foi mais difícil pois não conseguia encontrar nele um ponto de transferência. Nem sempre tive esse retorno com ele. A primeira cena que filmamos foi a no aeroporto, a da despedida, e ali já tivemos alguns improvisos. Essa foi a mais bacana, a que mais gostei. Quando ele diz “vou ficar de olho em você”, isso não estava no roteiro, foi algo que surgiu na hora. A troca ali aconteceu, e foi ótimo.
E como se destacar ao lado de um ator como Anthony Hopkins?
Isso foi algo que me preocupou em alguns momentos. Sabe, pensava: “quando nossa cena começar, todo mundo estará olhando para o Anthony Hopkins, não vai sobrar nada pra mim!”. Como a minha personagem é meio que adotada por ele, pensei que seria mais interessante se me fizesse de difícil em algumas das nossas passagens. Ele teria que me conquistar, teria que me ganhar. O mesmo que eu queria que o público fizesse, que se interessasse por mim. Minha preocupação era não ser totalmente ofuscada por ele. E acho que funcionou, o resultado está na tela.
O que você poderia falar sobre o teu outro parceiro em cena, o Ben Foster?
Com ele foi diferente, nosso envolvimento surgiu aos poucos. Ele é um ator de método, que mergulha no personagem. Quando chegou em Londres, alguns dias antes de mim, parecia o próprio tipo que iria interpretar, algo sorumbático. Ao chegar me avisaram disso e pediram que tivesse cuidado. Nossos quartos no hotel eram um do lado do outro e ele nem me dava bom dia. Ele não queria me conhecer. Tivemos um jantar na noite anterior ao início das filmagens, e ele foi sentar no ponto mais distante possível de mim, justamente para não conversar comigo. Ele não quis nenhum encontro prévio, nada. A nossa primeira cena juntos foi também a primeira que fizemos, na lanchonete, quando nossos personagens se conhecem, e nós também estávamos nos conhecendo naquele momento. As reações foram muito naturais. Nossa primeira conversa foi já com a câmera rodando. Foi muito doido, mas acho que contribuiu bastante para que tudo funcionasse dentro do que o filme pediu. Aprendi muito também com ele.
O que você achou do método de trabalho dele?
Achei muito legal e embarquei completamente no que ele estava propondo. Julguei que era interessante o que ele queria para os nossos tipos de personagens. Já que eles não se conheciam, vamos seguir pela mesma linha. Era um trunfo que a gente tinha. Assim, quando rolou o “ação” no set, foi quando nos olhamos e, ali, começamos a construir a nossa história. Isso criou uma atmosfera de muita tensão, em que tudo poderia acontecer. Eu não sabia o que ele iria fazer, nem ele sabia das minhas reações. Foi uma experiência muito boa. As cenas com ele são as minhas preferidas no filme, mas até do que as com o Anthony Hopkins.
O que 360 pode significar para a tua carreira?
É claro que adoraria fazer outros projetos no exterior, e se surgirem outros será ótimo. O que fiz aqui foi muito interessante pra mim como atriz. E não tanto pela busca de uma carreira internacional, mas sim por toda a estrutura que é oferecida e pelas melhores condições que terei enquanto intérprete. É muito bom trabalhar com mais dinheiro, não me refiro apenas ao meu cachê, mas a tudo no set. Isso me proporciona ficar mais concentrada no meu papel, no que preciso desempenhar. Temos mais tempo de preparação, de criação. Eu irei abraçar com certeza outros convites que vierem de fora.
Você está com um agente internacional para focar nesse tipo de trabalho a partir de agora?
Na verdade, tive uma conversa com uma agente internacional, e esse papo foi bem legal, bem produtivo. Sei que é algo muito difícil, então não procuro criar muitas expectativas, mas vamos ver o que acontece. Por enquanto não há certo, mas to tudo achando muito legal.
(Entrevista feita em Gramado, RS, no dia 11 de agosto de 2012)