Em exibição nos cinemas, 4×100: Correndo por um Sonho (2021), dirigido por Tomás Portella, parte de uma história real. Nos Jogos Olímpicos de 2016, a equipe feminina de atletismo teve chances reais de vencer a medalha de ouro, mas um erro na passagem do bastão custou a vitória. O roteiro imagina a vida dessas mulheres após a competição, até reuni-las para tentarem subir ao topo do pódio nos Jogos de Tóquio 2020.
A equipe feminina é interpretada por Thalita Carauta, Fernanda de Freitas, Roberta Alonso, Cíntia Rosa e Priscila Steinman, enquanto Augusto Madeira encarna o treinador, em sua última disputa olímpica. Além dos treinos exigentes para correrem como profissionais, as atrizes comentam com o Papo de Cinema a responsabilidade de interpretarem pessoas reais, o machismo retratado na história e nossa relação com os símbolos patrióticos dentro de um Brasil dividido:
Como lidaram com a responsabilidade de interpretarem pessoas reais?
Roberta Alonso: A gente procurou se colar em algumas coisas. Era preciso ter um desempenho físico compatível com a modalidade. Evoluímos muito a técnica de corrida, que não é nada fácil. Mas a construção foi individual de cada atriz mesmo. O roteiro já traz alguns apontamentos inspirados nas histórias reais, mas a nossa construção foi pessoal. A gente não fazia questão de nos colar em ninguém, até porque colar uma história a alguém é muito delicado: isso pode ter um impacto positivo ou negativo. No caso da minha personagem, a Rita, ela tem um problema com doping, então não seria legal me associar a nenhum caso real. A gente pegou questões que existem no esporte, mas assumimos que é uma ficção inspirada em eventos reais.
Priscila Steinman: Eu vivi a Bia, uma atleta novata. Uma inspiração para mim foi observar e absorver a presença de atletas novatas que conviviam com a gente ao longo do processo. Eu via as meninas dublês, e as outras que frequentavam o Núcleo de Alto Rendimento onde treinamos em São Paulo. Elas tinham um brilho no olho, uma vontade de dar certo, que era muito inspirador. Ao mesmo tempo, tinha ingenuidade, fragilidade, leveza, timidez. Eu aproveitei a convivência com elas, como grande inspiração real para a criação da minha personagem.
De que maneira enxergam o retrato do machismo dentro do esporte feminino?
Cíntia Rosa: O machismo representado no filme é algo que atinge o mundo inteiro. A gente vive esse machismo diariamente, e minha personagem sofre isso com o marido. A Jaciara quer ser uma mulher concentrada na vida profissional, vivendo e superando seus desafios como mulher e atleta. Ela está dentro de uma relação familiar, mas não quer ter filhos. A pressão da sociedade em relação a isso representa um machismo fortíssimo, e atinge diretamente a Jaciara, assim como o coletivo das atletas. Foi um grande prazer representar todas essas histórias. Cada menina tem a sua questão individual, e sobre o machismo, as mulheres não querem mais aturar certas coisas, e os homens precisam se adequar a essa nova postura que a mulher conquistou a duras penas. Na verdade, o machismo representado no filme é algo que a gente ainda vive, mas não aceita mais.
Augusto Madeira: Eu pude ver de dentro o que a gente já sente de fora. Podemos ver pelo futebol, a diferença salarial e de tratamento para o esporte masculino e feminino. Ali no filme, é possível ver que não existe diferença nenhuma de dedicação, de entrega, de superação. Mas a sociedade não valoriza do mesmo jeito. Por que um técnico homem dirige as meninas? Por que a seleção feminina de vôlei é até hoje comandada por um técnico homem? Por que, na Confederação, todos os cartolas são homens? Por que todos os juízes são homens? Tivemos uma juíza, pelo que eu me lembre, e algumas bandeirinhas. Ainda temos muitas conquistas a fazer, mas não são simples. O esporte é um reflexo da sociedade. Nos países nórdicos, a diferença entre os gêneros se vê em menor grau: o esporte feminino é mais aceito e incorporado na sociedade.
Como percebem a retomada dos símbolos patrióticos? Hoje, ver uma multidão de pessoas vestindo verde e amarelo adquiriu outro sentido político.
Augusto Madeira: Os símbolos nacionais foram sequestrados. A bandeira nacional, o hino e a camisa da seleção foram sequestrados por uma galera que na verdade não tem nada de patriota. É uma galera que não cuida bem do seu povo, que vende tudo aquilo que construímos a duras penas. Ao invés de deixar isso assim, precisamos resgatar esses símbolos, não deixar estas pessoas se apropriarem de símbolos que pertencem a todos, não a eles. Nesse sentido, o filme resgata esse orgulho dos símbolos nacionais. Chega a dar um estranhamento, mas temos amor por essa bandeira, e por esse país que é nosso.
Roberta Alonso: Esse filme chega num momento em que precisamos lembrar quem somos, e onde se encontra o nosso patriotismo. As Olimpíadas têm a capacidade de paralisar guerras e unir os povos. Não podemos perder a oportunidade de unir o nosso país, e fazer valer as nossas cores, o nosso hino. Ele vem num momento em que estamos carentes disso. A gente praticamente abandonou os símbolos, ficamos com preguiça da bandeira do Brasil. Mas ela é nossa. Precisamos pegar de volta, e o filme pode ajudar a fazer isso. A intenção é justamente lembrar os nossos momentos de união verdadeira, e superar esta fase difícil, tanto pandêmica quanto política. Precisamos evoluir ao máximo. Em primeiro lugar, somos brasileiros.
Como veem o lançamento de 4×100: Correndo por um Sonho nas salas de cinema? Vocês mesmos já se sentem confortáveis para voltarem aos cinemas?
Roberta Alonso: Foram adotados muitos protocolos de segurança, mas ainda é difícil voltar, claro. Não vamos ter uma pré-estreia do filme por razões óbvias, mas na quinta-feira do lançamento eu vou prestigiar o nosso filme no cinema, usando duas máscaras, sentando numa ponta da fileira, longe de todo mundo. Aos poucos, isso vai voltar. Não acredito num retorno completo agora, enquanto não existir vacina para todos.
Augusto Madeira: Eu sou antigo, gosto da da sala de cinema. Faz toda a diferença esta dentro da sala, e acredito que o nosso filme precisa ser visto numa tela grande. Mas vai demorar muito para normalizar, especialmente aqui no Brasil. Alguns países já estão mais próximos do retorno, mas aqui, vai demorar um pouco. Além disso, a população empobreceu. É duro ter acesso a um bem cultural, que não é prioridade. Muitas pessoas estão desempregadas, passando por dificuldades. Além do perigo pandêmico e sanitário, existe a questão financeira também.
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