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8½ Festa do Cinema Italiano 2023 :: “O potencial para os próximos 10 anos é enorme”, diz o diretor artístico Stefano Savio (Exclusivo)

Publicado por
Marcelo Müller

A 8½ Festa do Cinema Italiano chega em 2023 à sua 10ª edição no Brasil. São 10 anos em que, durante um período de tempo, nosso país é presenteado com o melhor do cinema italiano contemporâneo. Neste ano, o evento acontece simultaneamente em 18 cidades e terá ainda uma mostra paralela, A Grande Arte do Cinema, com lançamentos semanais de filmes sobre grandes nomes das artes plásticas até o mês de agosto. Para conversar um pouco sobre como foi pensado o evento, tivemos um papo remoto com o diretor artístico Stefano Savio. Sempre muito simpático e atencioso, ele nos recebeu novamente para essa conversa, na qual falou dos desafios da curadoria, fez um balanço desses 10 anos de atividade por aqui e ainda demonstrou uma vontade de expandir a atuação no Brasil, algo muito empolgante de ouvir, especialmente numa realidade mercadológica em que se fala de retração por conta das ocupações ostensivas das salas pelos filmes-eventos. Então, com vocês, nossa entrevista exclusiva com Stefano Savio. Aliás, confira também o nosso especial: Cobertura ::8½ Festa do Cinema Italiano (2023)

Temos uma edição especial do evento em 2023, afinal ela é a 10ª no Brasil. Que balanço você faz desses 10 anos de Festa do Cinema Italiano por aqui?
O projeto começou pequeno, claro, como uma extensão do que acontecia em Portugal. Mas, rapidamente percebemos oportunidade de crescer bastante. Tendo isso em vista, talvez a pandemia tenha freado um pouco essa expansão gradativa. Ainda não somos adultos, nem adolescentes, mas estamos chegando lá (risos). Acredito que precisamos assumir um papel nesse mercado, inclusive aumentando a nossa atuação como distribuidores para continuar com o objetivo de dar visibilidade ao cinema italiano no Brasil. Sinto que temos de dar passos mais fortes para criar estruturas maiores no Brasil. O terreno está pronto, angariamos uma rede de contatos e um público cativo. É tempo de criar uma coisa ainda mais sólida no Brasil, que não seja apenas uma etapa. O que posso dizer é que vamos crescer localmente, talvez criando uma segunda “cabeça” no Brasil. O potencial para os próximos 10 anos é enorme e precisamos de sabedoria para não desperdiçá-lo. Chegamos a um ponto interessante.

A existência da mostra paralela A Grande Arte no Cinema, que terá uma programação diferente até agosto, já faz parte dessa ideia de expansão do evento?
Isso é interessante. O mercado do cinema é competitivo, é difícil angariar público, mas também é importante tentar inserir produtos novos nesse mercado. O público precisa ser conquistado com ofertas distintas. A mostra em questão é um grande sucesso em outras partes do mundo. Esses filmes serão apresentados dentro de eventos que também funcionam como instrumentos de divulgação. São lançamentos quase sempre feitos em grandes museus, pensando nessa aproximação física do público com os museus espalhados mundo afora. É uma possibilidade de conhecer esses artistas por meio de obras projetadas em telas grandes. Considero esse produto muito interessante, pois atinge um público específico, ainda que a mostra não pretenda ser elitista, de maneira nenhuma. Nossa tentativa de importar A Grande Arte para o Brasil é testar para ver se aqui ela é tão bem-sucedida como em outros países. A maioria dos artistas dos quais falamos é italiana, mas há também gênios de outras nacionalidades.

Stefano Savio, diretor artístico da Festa do Cinema Italiano

Neste ano teremos a presença no Brasil da atriz/diretora Jasmine Trinca e do cineasta Francesco Zippel para sessões comentadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Como estratégia, lhe parece fundamental essas presenças internacionais dialogando com o público?
Sim, sentimos que nossa programação deve ser acompanhada por figuras de peso. Nesse sentido, termos conseguido trazer a Jasmine Trinca foi um êxito, estamos super contentes por isso, até porque se trata de uma artista que está sempre no set. Demos sorte, pois o sonho de sua filha era viajar ao Brasil, então estamos também realizando esse sonho dela (risos). É uma oportunidade especial para divulgar o cinema italiano dirigido por mulheres, mas também o protagonizado por mulheres. A Jasmine sempre trouxe ao cinema uma feminilidade muito forte, inclusive como posicionamento político-social. E sua estreia como realizadora de longas-metragens é bastante intimista, particular e corajosa. Ao mesmo tempo tem coisas do cinema mudo e de Federico Fellini. Achamos que ela apresentava perfeitamente essa alma do festival, pois ela é uma diva, uma pessoa conhecida como atriz, mas também uma autora.

Pegando isso como gancho, ainda que a seleção do evento em 2023 seja majoritariamente de filmes dirigidos por homens, nota-se uma vontade de evidenciar a mulher cineasta italiana, como em uma edição passada com a homenagem a Alice Rohrwacher ou a ênfase ao cinema de Emma Dante. Essa falta de filmes dirigidos por mulheres é um reflexo do mercado italiano?
Como curador e organizador, me deparo com essa realidade em que o número de filmes italianos dirigidos por mulheres é de cerca de 10%. Portanto, a representação, sobretudo no cargo diretivo, é ainda triste. E, outro dado, é o fato de que os orçamentos desses 10% é proporcionalmente menor se comparado aos outros 90%, exatamente os dirigidos por homens. Claro que ao fazer a seleção, tenho de ver um filme como obra em si, pois penso que seria injusto selecionar apenas pelo gênero de quem dirige. Mas, claro, aí dentro da formatação da programação posso dar essa ênfase, como de fato fazemos. Como a festa tem por objetivo representar o atual momento do cinema italiano, infelizmente acabamos nos deparando com essa disparidade enorme. Então, ainda que de 100 filmes que assistimos, cerca de 90 são dirigidos por homens, tentamos sempre enfatizar essa presença feminina no cinema italiano. O problema do acesso das mulheres aos cargos diretivos do cinema italiano acaba impondo essa discrepância.

Pelos três filmes aos quais assisti até agora, o tema da família, uma tradição do cinema italiano, é uma das tônicas principais da seleção 2023 da 8½ Festa do Cinema Italiano. Além disso, há olhares ambíguos ao passado, às raízes. É bem por aí?
Sem dúvida, afinal de contas a família é uma temática poderosa que se impõe. Estou pensando aqui a partir da sua pergunta que até mesmo a ficção científica deste ano, o Mundo Cão (2022), acaba falando fundamentalmente de família. A Estranha Comédia da Vida (2022) também vai tocar nesse microcosmo, ou seja, realmente é uma constante no cinema italiano, historicamente falando e também no contemporâneo. Uma boa parte desses filmes aborda a família de modo ambíguo, ao mesmo tempo como uma zona de conforto e um lugar do qual sentimos a necessidade de fugir, de nos emancipar. É o caso de Interdito a Cães e Italianos (2022), no qual a fuga é uma necessidade. A maioria dos filmes que mostramos tem uma fricção entre o desejo de estar em família e a vontade de emancipação, de autodeterminação. É um elemento que junta alguns filmes. Até Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América (2022) mostra um grande artista e obcecado pela família, absolutamente grudado em sua gente.

Interdito a Cães e Italianos

Por fim, o que as pessoas que vão curtir o evento nas 18 cidades do Brasil encontrarão nas telonas? Como curador, o que você quis proporcionar aos espectadores da 8½ Festa do Cinema Italiano?
Para mim, a diversidade é sempre importante. Há espectadores diferentes, mas também o mesmo espectador quer encontrar experiências diversas. Prezamos pela qualidade e pelo cinema de autor. Nostalgia (2022), do Marco Martone, é um grande filme, assim como A Estranha Comédia da Vida, do Roberto Andò, também é. Ambos são frutos das mentes de grandes autores. A base da nossa seleção é: filmes que parecem leves, mas que têm muitas camadas e elementos. Isso não quer dizer que são exemplares difíceis, mas que envolvem nessa moldura de leveza e humor muitas coisas complexas. Então, o espectador encontrará títulos convidativos, o prazer da visão, do entretenimento e títulos que sejam capazes de permitir esse intercâmbio cultural. Jogada de Amor (2022) é super divertido, mas fala de modo interessante sobre temáticas como as relações com pessoas que tenham limitações. E com Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América reforçamos o nosso compromisso de, em meio à apresentação de filmes novos, celebrar a riqueza da história do cinema italiano.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.