A 8½ Festa do Cinema Italiano 2024 acontece em diversas cidades brasileiras de 27 de junho a 03 de julho. Com dez títulos selecionados entre a riquíssima produção cinematográfica mais recente da Itália, o evento consolida o seu espaço no calendário de festivais brasileiros, país que conta com uma numerosa colônia de descendentes de italianos. Para conversar um pouco sobre como foi pensado o evento neste ano, tivemos um papo remoto com o seu diretor artístico Stefano Savio, figura simpaticíssima que nos atende sempre muito gentilmente para falar das perspectivas e resultados da festa. Na entrevista que você confere com exclusividade logo abaixo, ele conversou conosco sobre as diferenças entre fazer o evento no Brasil, em Portugal e nos países da África lusófona, a respeito da visão de um estrangeiro do nosso circuito exibidor e, de quebra, matamos a nossa curiosidade sobre a identidade visual que comunica com clima de anos 1980 o festival neste ano. Confira, então, o nosso bate-papo com Stefano Savio, o diretor artístico 8½ Festa do Cinema Italiano.
Quais as principais diferenças entre organizar o evento no Brasil, em Portugal e nos países lusófonos do continente africano? As particularidades do público são levadas em conta na hora de montar a programação, por exemplo?
Há diferenças fundamentais entre os públicos de países distintos, mas também essas diferenças existem entre os moradores de cidades do mesmo país. Levamos cinema a províncias, localidades interioranas e capitais. Diria que em Portugal se está mais acostumado ao cinema europeu. No Brasil, excetuando algumas praças, ainda há uma referência muito forte de cinema norte-americano, por isso nem sempre os mesmos filmes funcionam nos dois países. Já nas nações da África há perfis heterogêneos. Em Moçambique temos uma plateia mais cinéfila e em Angola há uma predileção por um cinema de gênero mais popular. Gosto muito do público brasileiro, principalmente porque ele interage bastante com os convidados, por exemplo, diferente do português que fica mais calado. Claramente há diferenças fundamentais.
Portanto, a seleção dos filmes é fortemente influenciada por este diagnóstico?
Com certeza. Temos de seguir o público, mas também precisamos propor algo que ele possa seguir. Em cada país desenvolvemos projetos diferentes. Em Portugal a festa é mais tradicional, então podemos incluir outras atividades paralelas à exibição. E como estamos lá, temos mais capacidade de produção. No Brasil temos a vantagem de um país enorme com muitas cidades. Aqui é mais importante estar presente em vários lugares ao mesmo tempo. E nenhuma cidade quer ficar para trás. Por isso percebermos a necessidade de criar essa estrutura de simultaneidade. Claro, somos obrigados a sacrificar alguns elementos mais pontuais. A escolha de filmes fica um pouco reduzida. Uma coisa é exibir o longa-metragem apenas uma vez numa cidade, outra é negociar com produtor e exibidor para termos 50 exibições numa mesma semana. De todo modo, é entusiasmante isso de lidar com muitas pessoas ao mesmo tempo.
E o evento continua reafirmando o seu compromisso com a sala de cinema como janela de exibição…
Sim, para nós isso é muito importante. Batemos bastante nesta tecla da centralidade da sala de cinema. Nada contra o on-line, mas continuamos a achar que estar na sala é um compromisso que o público estabelece com os filmes. É fundamental que haja esse compromisso. Às vezes o on-line e até a gratuidade inviabiliza esse compromisso, então achamos vital estabelecer um acordo entre espectadores e filmes dentro dessa lógica de comunhão pública.
Como distribuidor e organizador de um evento estrangeiro, como você tem percebido o nosso circuito exibidor?
A festa nasceu da colaboração com circuitos. Primeiramente, com o antigo circuito de cinemas Itaú. A partir dele, outros circuitos perceberam a funcionalidade do evento: colocar conteúdo alternativo dentro de uma moldura clara, ou seja, de um festival de cinema italiano. É mais fácil vender esse pacote ao público. Buscamos salas que têm naturalmente uma programação menos esmagadoramente “pipoca”. Poderíamos estar em mais salas, mas temos uma equipe relativamente pequena, então atualmente chegamos a um número de cidades que nos parece suficiente. Uma coisa que eu gostaria de retomar, quando o festival puder ter mais recursos, é que em cada localidade pudesse haver uma figura responsável pelo evento. Continuo a achar que é muito importante cada espaço ter uma identidade própria e somente quem vive nesses lugares pode perceber certas nuances. Mas, é um trabalho que precisa de muito conhecimento, contatos, etc.
A seleção deste ano conta com Ainda Temos o Amanhã, grande sucesso de público na Itália, não à toa escolhido por vocês para os eventos de pré-estreia por aqui. Ajuda muito ter um ponta de lança desses na programação?
Sim, neste caso se trata de um filme-manifesto, um exemplar de comunidade. Ele retrata uma situação ligada ao mundo feminino, mas toca em assuntos que dizem respeito a todo mundo. Ao assistir a ele se tem a sensação de entrar verdadeiramente numa comunidade. Nele, o sentido comunitário pode gerar um elemento proativo para melhorar as coisas. As pessoas saem da sala muito preenchidas. A protagonista é super empática, uma mulher diante da qual é fácil se identificar, pois é complexa e junta uma série de características facilmente reconhecíveis. Ela não é uma super-heroína, é uma mulher como outras que sofrem e desejam. O longa-metragem consegue nos passar suas mensagens de um modo muito direto. E o espectador está começando a ficar cansado de filmes com efeitos especiais e argumentos que tentam parecer complexos para serem interessantes. Este é um filme tradicional dos anos 1950 e talvez o público esteja querendo isso.
Pra finalizar, queria falar um pouco da identidade visual da 8½ Festa do Cinema Italiano 2024. Como surgiu a ideia de fazer algo pop que aludisse aos mercadinhos tradicionais italianos?
As ideias das identidades visuais partem sempre de nós, da equipe que elabora o evento. Gostamos muito de fazer isso, antes mesmo de começar a pensar nos filmes. Aquele supermercado é parecido com o da nossa infância, especialmente os da geração que nasceu entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Aquele lugar está no nosso imaginário provincial consumista dos anos 1980 na Itália: muito colorido e pop. Também queríamos passar o conceito do evento como uma loja na qual as pessoas entram e escolhem o que pretendem consumir. Nosso desejo também era passar a mensagem de uma forma descontraída até para romper com os estereótipos sempre relacionados à Itália.
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