Murilo Rosa é um dos atores mais entusiasmados e comprometidos do cinema nacional. Estreou na televisão em 1994, e passou quase uma década até que fizesse sua primeira aparição na tela grande, no drama Ismael e Adalgisa (2001), de Malu de Martino. De lá para cá já foram mais de uma dezena de projetos e personagens diferentes, que lhe permitiram viver desde o Diabo até um devoto de Aparecida, de revolucionários a músicos e cantores, parte de um casal homossexual ou até mesmo alguém em contato com extraterrestres. Agora, está de volta no Rio Grande do Sul, onde viveu um dos maiores sucessos de sua carreira televisiva – a minissérie A Casa das Sete Mulheres (2003) – para dar vida a uma outra figura real: o major Ramiro de Oliveira, um dos protagonistas de A Cabeça de Gumercindo Saraiva. Essa aventura histórica, ambientada em alguns dos mais deslumbrantes cenários gaúchos, foi filmada no segundo semestre de 2017, e agora, um ano depois, se prepara para entrar em cartaz por todo o Brasil. Aproveitando a ocasião, o Papo de Cinema foi conversar com o ator, que falou sobre esse projeto e o que pensa sobre o cinema brasileiro atual. Confira!
Murilo, conversamos durante as filmagens de A Cabeça de Gumercindo Saraiva, e você me disse naquela ocasião que aceitou esse convite porque queria fazer um “filme de cowboy”. O sonho foi realizado?
Nossa, totalmente. Tivemos uma experiência no set tão gostosa, verdadeira, muito unida. Esse elenco é especial. É difícil não sair encantado de toda essa experiência. Estou torcendo para que agora, quando o filme entrar em cartaz, e serão mais de vinte salas por todo o país, o público vá assistir de fato, e veja algo diferente. Não é todo dia que você vê um faroeste brasileiro nos cinemas, produzido por um diretor e uma equipe daqui, que fala a nossa língua. Estou torcendo para dar muito certo, e que a gente possa colher cada vez mais frutos em relação a esse tipo de porta que estamos abrindo agora.
Mesmo sendo essa uma história tipicamente gaúcha, o teu personagem representa o olhar que vem de fora. Como foi carregar essa responsabilidade?
É isso aí mesmo. O meu personagem, o major Ramiro, veio de São Paulo para o Rio Grande do Sul, e acaba entrando no meio dessa guerra que não compreende direito. Mas ele recebe uma missão, é um militar, e irá fazer de tudo para cumpri-la. Tem que cumprir esse trajeto, até Porto Alegre, para levar a cabeça do general Gumercindo. Só que esse é um caminho difícil, pois acontecem grandes embates entre ele e os filhos do Saraiva, que querem a cabeça do pai de volta. O filme se passa durante essa jornada, explorando a fundo o contraponto dessas ideias, do Ramiro e do coronel Francisco, personagem do Leonardo Machado, com cada um defendendo o seu ponto de vista. Com muita verdade e razão. O interessante é que no final me parece que eles encontram uma saída digna para esse confronto. Ao menos no filme, a intolerância não existe. Só na realidade (risos).
Aproveitando esse gancho, qual seria o diálogo que o filme estabelece com a situação atual do Brasil?
O filme mostra que, mesmo com ideias opostas, em algum momento você pode caminhar junto. O roteiro trata, literalmente, de dois lados. Hoje, no Brasil, estamos vivendo, infelizmente, essa divisão. Mas de uma forma, digo, quase que ignorante, primitiva, com as pessoas não estão respeitando o outro. Não há carinho, afeto, como se isso fosse o mais importante. E não é. O que importa somos nós, o que estabelecemos com nosso pai, mãe, irmão, mulher, marido. Janeiro está logo ali, tudo vai ter sido decidido, e é vida que segue. Enquanto isso, as pessoas estão se ferindo. É por isso que acho que, ao menos no nosso caso, a ficção está mais interessante do que a realidade.
Você é muito comprometido com o fazer cinematográfico, basta conversar contigo para perceber esse prazer em estar no cinema. Filmar no Rio Grande do Sul tem alguma diferença dos outros lugares onde você já esteve?
Eu rodei no Rio Grande do Sul, quinze anos atrás, A Casa das Sete Mulheres (2003). Naquela época, lembro de ter ficado 45 dias seguidos no Sul, e foi uma experiência única. Desde aquela vez sou encantado com o sul do Brasil. Nós fomos para vários lugares: Pelotas, Uruguaiana, São José dos Ausentes, Cambará do Sul. Os projetos vão acontecendo, e às vezes não há como fazer tudo aquilo que você tem vontade.
Diria até que você é um dos atores brasileiros mais comprometidos com o cinema que temos por aí.
Acontece que fiz também muita novela, e acabam me identificando por isso. Fiz também teatro, mas a televisão te consome muito. E você vai alcançando o que quer, até o ponto em que consegue decidir com mais calma. Foi a partir de 2006 que comecei a me dedicar de verdade ao cinema. Daquele momento em diante muitos projetos interessantes começaram a aparecer, e é onde consigo diversificar mais, estendendo a minha alma artística para onde almejo. Desde um maestro até um rapaz homossexual, fiz também ficção científica, em uma coprodução com os Estados Unidos (Área Q, 2012). Fiz o Diabo, e também um pai de família, então teve um pouco de tudo.
A primeira vez em que conversamos foi no lançamento de Olga (2004). De lá pra cá, o que mudou na tua visão de cinema?
Acho que o cinema brasileiro foi adquirindo muito know how, ganhando qualidade. Quinze anos atrás a nossa técnica era mais difícil, se percebiam problemas reais, como a qualidade do som, às vezes na montagem, coisas específicas. Na última década o cinema deu um pulo nestas questões. Hoje você faz um filme no Brasil com o mesmo padrão de uma produção americana. O que ainda precisamos melhorar, e muito, é em criar boas e grandes histórias, com vínculo com a nossa cultura. Acredito que os nossos filmes devem retratar um pouco mais a sociedade, a nossa realidade. Veja o que está acontecendo hoje no Brasil: quantos filmes não dariam?
Há algum filme que você recomendaria nessa linha?
Tempos atrás assisti a um drama com o Liam Neeson, chamado Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca (2017). É uma história maravilhosa, mas se você a compara com o que está acontecendo agora por aqui, fica parecendo piada. A dimensão que é dado àquilo, com a oposição espionando o governo, perto do que vemos no nosso país, parece coisa de adolescente. A gente tem, hoje, uma história pronta para retratarmos o Brasil para sempre. É um marco o que está acontecendo. Portanto, penso que precisamos melhorar, apenas, a qualidade das nossas histórias. Que é o principal, aliás.
Você acha que é por isso que o público brasileiro resiste tanto em assistir aos seus próprios filmes?
O cinema argentino encontrou a sua identificação: é um filme de atores com boas histórias. E o público sabe disso. E falta fazer esse trabalho no Brasil, algo que pode ser regional, indo por cada estado, de identificação com o nosso público. Puxa, o cara fica anos fazendo um filme, para depois ficar três semanas em cartaz e ninguém ver. Ainda bem que existem outras vitrines de exibição, mas pode ser diferente desde o começo. Tem que mudar. O cinema, de uma certa forma, encontrou a comédia como uma válvula de escape, mas precisa fazer esse trabalho de ir de encontro com a audiência e diversificar. Um esforço que, acredito, deve começar pelos próprios profissionais de cinema. Quem mexe, quem faz, quem distribui, quem exibe.
E na parte dos atores, que é mais o teu ambiente. Você acredita que estão evoluindo junto ou ainda se atua de uma maneira mais convencional?
Acho que evoluiu muito, com certeza. E é algo que se percebia antes também. Não só esse problema técnico, mas também a falta de uma maior naturalidade com o meio. É só ver um filme americano top de linha, coloca um ator bom lá, ele só irá crescer no meio de todo esse aparato. O cinema é isso, tem que ter essa magia.
Falando sobre isso, em A Cabeça de Gumercindo Saraiva você divide a cena com o Leonardo Machado, que lamentavelmente nos deixou há poucas semanas. Como foi ter trabalhado ao lado dele?
O Léo foi um dos grandes atores que encontrei na minha carreira. Falo isso com a maior verdade possível. Tenho uma admiração incrível por ele. Um respeito muito grande. Durante todo o tempo em que estivemos juntos, aproveitei para observar atentamente e aprender com o trabalho dele. Acredito que, nesse filme, ele tenha feito um trabalho deslumbrante. Eu vi isso, nós contracenamos juntos, afinal. E, tirando tudo isso, deixando o ator de lado, havia ainda uma pessoa incrível. Um cara íntegro, honrado, maduro. Ele poderia, tranquilamente, vir a ganhar o título de “melhor ator gaúcho de todos os tempos”. Afinal, era um cara que representava o cinema feito no Rio Grande do Sul. A vida tem desses mistérios, que muitos não conseguimos compreender, mas tive a honra e o grande prazer de ter trabalhado com ele.
Depois de A Casa das Sete Mulheres e A Cabeça de Gumercindo Saraiva, qual será o próximo passo da tua história com o Rio Grande do Sul?
Vai ter um novo capítulo, sim. O Tabajara já contou? É bom perguntar para ele, então, pois o convite já foi feito e ano que vem, em 2019, estarei filmando novamente no Rio Grande do Sul (risos). Farei mais um filme com o Tabajara Ruas, com uma temática interessantíssima. É bom ficar ligado (N.E.: o diretor anunciou logo em seguida que seu próximo projeto, novamente com Murilo Rosa como protagonista, será uma adaptação do seu livro Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez). E fui chamado ainda para outras coisas bem interessantes, também no Rio Grande do Sul, que devem se concretizar nos próximos meses. Sem falar do meu espetáculo, o projeto Entusiasmo, que está circulando por todo o país e também virá para o Sul. É uma declaração de amor ao ofício do ator, com música. Sem falar que há uma ideia de fazermos um musical da Casa das Sete Mulheres! E dessa vez, fui chamado para fazer o Bento Gonçalves. Sensacional. Daqui a pouco venho de mudança para Porto Alegre (risos)!
(Entrevista feita ao vivo em Porto Alegre em outubro de 2018)
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