Nascido em Maputo, Moçambique, no dia 13 de setembro de 1969, quando João Nuno Pinto se apaixonou pelo cinema ele já morava em Lisboa, para onde foi com a família quando tinha apenas cinco anos. Lá estudou e deu seus primeiros passos profissionais, mas desde 2011 seu endereço é na capital paulista, aqui mesmo no Brasil. Publicitário com passagem por algumas das principais agências brasileiras e estrangeiras, é graduado em Direção Cinematográfica pela New York Film Academy. Premiado por diversas campanhas, deu seus primeiros passos no exercício ficcional em 2008, com o curta-metragem Skype Me, estrelado por Gonçalo Waddington e Maria João Falcão. Dois anos depois lançou América: Uma História Portuguesa, seu primeiro longa-metragem. Realizado em parceria com produtoras de Portugal, Brasil, Espanha e Russia, este olhar contemporâneo sobre a atual sociedade portuguesa foi exibido em diversos festivais, como a Mostra Internacional de São Paulo, o MedFilm Festival Itália, Semana Cine Iberoamericano de Vilaverde (Espanha), XVIII Caminhos do Cinema Português, Festival Cottbus (Alemanha) e AFI EU Film Showcase (EUA). Aproveitando a recente passagem do título pelo circuito comercial brasileiro, o Papo de Cinema conversou com exclusividade com o cineasta. Confira!
Qual a inspiração para a trama de América: Uma História Portuguesa?
O filme baseia-se no conto “A Criação do Mundo”, da escritora portuguesa Luísa Costa Gomes. A história original traça um retrato de Portugal e desse momento muito peculiar que o país atravessou na última década do século passado, em que se transformou de país que exporta imigrantes para país que acolhe imigração, um destino de esperança para gente de vários países. Atraiu-me muito retratar este momento peculiar da nossa história, principalmente porque esse novo El Dorado da imigração que se tornou Portugal, alimentado pela pujança econômica dos anos 1990 e pelas máfias que se espalharam na Europa com a queda do muro de Berlim, colocaram a nu diversas fragilidades da estrutura social e econômica do país, confrontando pessoas de hábitos e culturas muito distintas que agora eram obrigadas a partilhar o mesmo espaço. Foi este caldeirão de nacionalidades, esperanças e desesperanças que me atraiu e me inspirou a desenvolver a história desta família tão miscigenada e tão peculiar: pai português, mãe imigrante russa, uma criança com uma grave crise de identidade que resolve não falar e uma velha centenária que vive acamada na esperança de morrer. Este é o núcleo central do filme, por onde gravitam uma série de vigaristas, mafiosos e imigrantes de todas as nacionalidades à procura de um papel, um carimbo, alguma coisa que lhes traga um futuro melhor. É portanto um filme que fala do sonho e da esperança numa terra cheia de promessas quebradas, sonhos desfeitos e desesperança.
Este filme é um projeto autoral próprio ou o seu envolvimento surgiu a partir de um convite dos produtores?
É uma visão pessoal sobre uma obra já publicada e que, ao longo do processo, foram sendo agregados os vários produtores que se interessaram em participar e contribuir para que o filme visse a luz do dia. A Luísa Costa Gomes já tinha vontade de adaptar a sua obra para o cinema e chegou a escrever um primeiro “draft” do roteiro que, por acaso, me veio parar às mãos. Assim que o li me apaixonei imediatamente pela história e pelos personagens e tive a certeza que seria esse o meu primeiro filme de ficção. A Luísa é uma escritora maravilhosa, mas não conseguia realizar o filme sem me apropriar de tal maneira da história até ao ponto em que cada personagem, cada cena, incorporasse as minhas ideias e sensibilidade em relação ao tema. Trabalhei no roteiro ao longo de 6 anos, no início com uma participação mais ativa da Luísa, depois com a carioca Melanie Dimantas, no final já sozinho. Isto porque demorou estes anos todos para conseguir fazer a montagem financeira do projeto (o filme é uma coprodução entre Portugal, Espanha, Rússia e Brasil) e enquanto não filmava a tentação de continuar mexer no roteiro era muito grande! Posso dizer que foi um processo que quase me levou à loucura! Enquanto não filmava, a ficção era a minha realidade, os personagens a minha família e pouco me interessava o que se passava de verdade à minha volta. E quanto mais tempo passava mais negro o filme ficava, tanto mais que o tom final do filme é muito mais sombrio do que estava previsto inicialmente.
Com atores das mais diversas nacionalidades, como foi feita a seleção do elenco?
Havia um briefing e uma descrição detalhada de todos os personagens e com base nisso cada produtora fez as suas recomendações de atores no seu país. Da Rússia era a seleção mais complexa, pois além da protagonista ainda tinham mais quatro atores. Acabei por viajar para Moscou, Madrid e Rio de Janeiro para conhecer atores, ver peças de teatro e filmes e com isso eleger o melhor elenco possível. Acabei por ter sorte que uma atriz tão poderosa como a Chulpan Khamatova, uma das melhores atrizes russas do momento, adorasse a história e quisesse participar no filme. Ela e o Fernando Luís, que no filme interpreta o marido dela, fazem uma dupla maravilhosa, na rodagem a química entre os dois era notória e isso acaba por se sentir no filme. Era muito engraçado reparar como a diferença de nacionalidades se refletia no trabalho dos atores: os portugueses e os russos eram os que se aproximavam mais a nível de tom e estilo de performance, embora em termos de preparação os russos sejam imbatíveis. Os espanhóis eram mais histriônicos, seguem mais a escola do Almodóvar (não era por acaso que tanto a María Barranco como o Paco Maestre já participaram de filmes dele), falando muito alto e com muita cor nas suas performances. E embora o filme tenha um lado que chega a ser burlesco, passei o tempo todo a puxá-los para baixo, mais de acordo com o tom que queria no filme. Neste aspecto eles aproximam-se mais dos atores brasileiros, onde tudo é feito com mais vida, muito por culpa da escola brasileira que é a Rede Globo.
Como foi a participação do brasileiro Cassiano Carneiro?
O Cassiano foi uma das boas surpresas do elenco. Eu não o conhecia. Andava a ver atores no Brasil quando me disseram que havia um ator brasileiro a viver em Portugal que seria uma boa opção para o papel. Recebi-o um pouco desconfiado, devo admitir, pois ator bom não pode estar assim à mão de semear e eu nunca ter ouvido falar. Ele é casado com uma atriz portuguesa que conheceu no Rio de Janeiro quando ela estava lá fazendo uma novela – a Julie Sargent. O Cassiano é um ator muito generoso, um vulcão criativo, jorra ideias em cascata, e só precisa de um diretor que entenda isso e vá filtrando essas sugestões de acordo com o personagem e a história, pois a tentação de aproveitar todas é muito grande! Matias, o personagem dele, cresceu imenso com isso. O Cassiano deu-lhe um humor cínico e perturbador, que funciona como “comic relief” do filme sem perder o lado negro e amargurado do personagem.
Por que são tão raras parcerias cinematográficas entre o Brasil e Portugal?
Existe um grande desconhecimento de Portugal no Brasil e vice-versa. Ficamos pelos estereótipos e lugares comuns e não entendemos a verdadeira dimensão de cada cultura. O Brasil não olha para Portugal, olha através de Portugal, porque o seu verdadeiro interesse está na Europa. Para nós é muito estranho que um filme português tenha que ser legendado quando passa no Brasil. Para um brasileiro é muito estranho escutar português de Portugal. Eu sei disso porque vivo cá e no primeiro ano ninguém me entendia à primeira. Enquanto não houver uma política cultural comum, uma política estruturante que crie pontes culturais entre os dois países vamos continuar com parcerias pontuais, mas nada que deixe um legado para o futuro. Basta ver o acordo ortográfico, uma tentativa de criar uma dessas pontes mas que é transversalmente criticado por quase todos os sectores em Portugal. Nós, portugueses, continuamos muito fechados nas nossas raízes, nos nossos costumes e não entendemos que mudar não significa necessariamente capitular. Hoje em dia, em Portugal, com a crise e as políticas neoliberais que tentam ser a resposta a essa mesma crise, a cultura passou a ser uma não prioridade. Quando se transforma o Ministério da Cultura numa Secretaria de Estado, que sinal é que se está a dar em relação à importância que a Cultura tem na visão estratégica do governo para o país. O Ano de Portugal no Brasil, que se comemora este ano, parece uma piada de mau gosto. O único interesse de Portugal no Brasil é econômico, é negócio, e o cinema é cada vez mais um pior negócio. Por isso, não tenho esperança nenhuma que isto vá mudar tão cedo.
(Entrevista concedida pelo diretor por email direto de São Paulo no dia 24 de julho de 2013)
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