Nascido em 1976 na cidade de Jijel, na Argélia, Karim Moussaoui tem sido apontado como uma das principais revelações do novo cinema do seu país. Membro-fundador da Associação Cultural de Promoção do Cinema Algeriano, ele é também um dos responsáveis pela programação do Instituto Francês Argelino. Seu primeiro trabalho a atrair a atenção internacional foi o curta Les Jours d’Avant (2013), premiado nos festivais de Clermont-Ferrand, na França, e Namur, na Bélgica, além de ter sido indicado ao César, o Oscar do cinema francês. Tamanha repercussão foi suficiente para estrear no formato longa com A Natureza do Tempo, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Gijón, na Espanha, premiado como Melhor Filme de Estreia no Lumière Awards e selecionado para o Festival de Cannes. Isso o levou a dar a volta ao mundo, vindo inclusive ao Brasil, onde se deparou com uma realidade que não estava preparado: um frio de apenas 7 graus na serra gaúcha, onde seu filme foi exibido pela primeira vez, em uma sessão especial durante o Festival de Gramado. E foi logo após essa projeção que o encontramos para uma conversa inédita e exclusiva. Confira!
Olá, Karim. A Natureza do Tempo é o seu primeiro filme, e teve sua première no Festival de Cannes. Como foi essa experiência?
Foi realmente incrível. Quando fiquei sabendo que havia sido escolhido para a mostra Un Certain Regard quase não acreditei. Como você disse, esse foi o meu primeiro filme, e não sabia como seria recebido. E quando percebi estávamos ali, ao lado de produções de diretores que já possuem uma história, com vários longas. Estava muito curioso sobre como o público iria receber a nossa história, se iria tocar ou não as pessoas. Ao mesmo tempo, estava muito feliz, pois sabia que Cannes era o melhor lugar do mundo para se estrear um novo filme. Pois assim foi possível que um grande número de pessoas, de todo o mundo, pudesse assistir ao que havíamos feito em um curto período de tempo.
Antes do A Natureza do Tempo, você dirigiu um curta que foi indicado ao César. Isso facilitou ou, pelo contrário, aumentou a expectativa em relação ao seu trabalho seguinte?
Pois é, também foi algo inacreditável que aconteceu. Na verdade, isso aconteceu com o meu terceiro curta-metragem – ele tem 47 minutos, é mais um média, na verdade. Mas não cheguei a sentir uma pressão muito grande após essa indicação, porque só a felicidade de ter sido lembrado, ainda mais numa premiação como o César, já era bom demais. Então, me concentrei em aproveitar aquele momento e não exigir demais de mim mesmo. Afinal, sabemos como as coisas funcionam nesses grandes eventos. Há um conjunto de fatores que levam você a ser premiado ou não, vai muito além da qualidade do seu trabalho. E o sucesso de um filme depende também de como ele será recebido. Às vezes amam o que você fez, outras vezes, não. Faz parte do jogo. Não acredito que existam filmes bons ou ruins. Tudo depende de como é visto. Talvez aquela história que estava na mente do diretor não seja a mesma que foi parar na tela grande, e há que se levar em conta também o momento em que se encontra o espectador, como esse irá ver o seu trabalho. Pode ser apenas uma questão de não ser o momento certo, ou o lugar apropriado. Tudo influencia.
Você é também o autor do roteiro de A Natureza do Tempo. O que o levou a pensar nestes três personagens que conduzem a trama?
Foi em 2009. Lembro de estar pensando em como contar uma história sobre pessoas que ainda não haviam se encontrado. Isso acontece com todo mundo, em um ponto ou outro das nossas vidas. Não existe um jeito certo e um errado, não é mesmo? Podemos apostar num caminho, e ele se revelar um engano depois. Sempre há tempo de mudar o curso. O importante é que essas sejam escolhas que envolvam desejo, paixão. Você precisa estar bem consigo mesmo para saber o que fazer a seguir. Não há um julgamento absoluto sobre as coisas. Na Argélia, isso é algo que tenho percebido muito nas pessoas, delas ficarem se perguntando “o que vamos fazer?”, o que querem para as suas vidas. Isso envolve tradição, política, religião, tudo, na verdade. Queria contar histórias que falassem sobre isso. E também que aqueles que forem assistir ao filme pudessem se conectar. Pensando nisso, decidi contar três histórias, que se passassem em três lugares diferentes, e que envolvessem três gerações.
Por quê dois homens e uma mulher?
Não sei dizer porque. Talvez por viver na Argélia, e lá ser um país com uma sociedade mais machista, com os homens ocupando mais lugares de poder. As mulheres estão começando a se destacar, é verdade, mas é diferente do que encontramos no Brasil, por exemplo. Mas também não é como se eles estivessem atados a esses lugares. As mudanças estão acontecendo. No entanto, não acho que A Natureza do Tempo seja apenas sobre dois homens e uma mulher. Há mulheres em todas as histórias, mesmo naquelas em que os homens parecem ser os protagonistas. Então, na verdade, esse é um filme sobre homens e mulheres, e como eles lidam com suas vidas, com seus desejos e com a moral que os guia. E, principalmente, como volta e meia essas questões entram em conflito. Era sobre isso que estava interessado.
Dois elementos que chamam atenção em A Natureza do Tempo é a música e a dança. Quais as funções deles na narrativa?
Bom, a música está sempre comigo, inclusive quando estou escrevendo. Aliás, essa é uma preocupação muito forte que tenho: como retirar os diálogos do roteiro. Fico, a todo instante, mesmo quando estou filmando, tentando encontrar meios de dizer as coisas sem o uso das palavras, sem que um personagem precise dizê-las. Os discursos são limitados, não são tão precisos. Uma imagem pode dizer muito mais. E o mesmo pode acontecer com a música. Através dela, podemos expressar sentimentos que refletem bem pelo que os personagens estão passando. E a cena da dança, em particular, representa esse anseio por liberdade, com toda a expressão corporal daqueles dois. Imagino que seja o que as pessoas mais jovens estarão procurando no filme. E por isso quis entregar algo que cumprisse essa expectativa.
O que você achou do título brasileiro, A Natureza do Tempo? É bem diferente do original (que poderia ser traduzido como Esperando pelas Andorinhas).
Gosto, pois, na verdade, este foi um dos nomes que chegamos a considerar também. Ele vem de algo que estou sempre pensando a respeito, que é a nossa ligação com a natureza. Há muitos cenários naturais no filme, que estão ali também com essa intenção. Esse é um elemento importante na narrativa, pois às vezes acaba levando a história em uma outra direção, diferente daquela imaginada no começo. É como se fosse a nossa natureza, ou a natureza do ser humano, que é algo mais poderoso do que qualquer outra coisa. Eu adoro esse título.
Esta é a sua primeira vez no Brasil? O que esperava encontrar por aqui? E sobre o cinema brasileiro, o que você conhece?
Bom, creio que já devo ter assistido a alguns filmes brasileiros, mas estou aqui também para descobrir um pouco mais sobre isso. Afinal, esta é, de fato, a minha primeira vez no Brasil, e estou muito feliz por estar aqui. Este é um país que sempre ouvimos falar a respeito, mas, ao menos na Argélia, ficamos sabendo muito pouco a respeito. Então, é uma grande felicidade. O que busco, sempre que visito um novo país, é andar pelas ruas, ver as pessoas, descobrir como comem, como falam. A vida diária é que mais me interessa, sabe? Depois do Rio Grande do Sul, irei para o Rio de Janeiro, então imagino que terei um pouco mais de tempo para descobrir os brasileiros.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2017)