Nascido em Porto Alegre, ainda na adolescência Leonardo Machado se mudou para uma estância no Mato Grosso, onde foi trabalhar no campo. Daí surgiu sua paixão pelo universo mais rústico, voltado às coisas da terra, ambiente que ele explorou em muitos dos seus trabalhos. Já de volta à capital gaúcha, tentou a sorte como jogador de futebol e modelo, mas foi atuando que se encontrou de fato. Com vários trabalhos no cinema, nos palcos e na televisão como ator, ele agora tem investido em outras facetas do seu talento. A mais recente é como produtor, tendo sido um dos responsáveis pelo documentário Janeiro 27 (2014), exibido fora de concurso no último Festival de Gramado, e também pelo recente A Oeste do Fim do Mundo (2013), que foi premiado na mostra latina do mesmo evento, porém na edição do ano passado, e que agora finalmente chega às telas. Foi sobre esses mais recentes desafios que o artista conversou nesse bate-papo exclusivo com o Papo de Cinema. Confira!
Leo, como começou o teu envolvimento com o filme A Oeste do Fim do Mundo?
Trabalho com o Paulo Nascimento, diretor do filme, há mais de 10 anos. Durante todo esse tempo, sempre tive vontade de produzir. No teatro, por exemplo, sempre produzi meus próprios trabalhos, não ficava parado, esperando. Até que pintou a questão deste filme, que estava há quase dois anos para sair e simplesmente não acontecia por uma série de fatores. Estávamos com um outro projeto juntos, o longa A Superfície da Sombra, que também não ia pra frente. Até que fui até ele e perguntei o que faltava para sair. A resposta do Paulo foi simples e direta: “antes preciso fazer o A Oeste do Fim do Mundo”! Se esse era o problema, bom, então vamos nos unir e fazer a coisa acontecer! Assim, assumi essa produção, porque acima de tudo queria fazer o Superfície! Mas durante o processo, é claro, me envolvi total, fui escolher as locações, contratei pedreiro, me envolvi no lançamento… ao ponto que hoje sou completamente apaixonado pelo filme! Enquanto ator somos muito protegidos, tem tanta coisa do processo de se fazer um filme que eu simplesmente não sabia. Então, hoje vejo que esse é o caminho, aprender a produzir para fazer teus próprios trabalhos. A Oeste do Fim do Mundo é um filme pequeno, intimista. Foi um trabalho complexo por ter sido rodado num outro pais, cerca de 95% dele foi feito na Argentina, e isso exigiu muito planejamento.
De ator para produtor foi uma mudança muito forte?
Claro, sem sombra de dúvidas! O tempo inteiro pensava “no que fui me meter?”! É muito mais fácil ser ator. Mas também, esse é o grande barato de produzir, tem que ter umas gotinhas de ácido sulfúrico nas veias, estar muito ligado. Há alguns dias me chamaram para bater um papo numa universidade, pra falar da minha carreira de ator e como produtor estreante. Eu nem sabia exatamente o que iria dizer, mas aceitei o convite e fui lá falar da minha experiência. Em resumo, o que me dei conta diante daquela plateia é que o intérprete fica numa posição muito confortável, enquanto que o cara por trás da produção precisa estar ligado de segunda a segunda, 24 horas por dia!
Por que você não se envolveu também no elenco do filme?
Foi uma decisão consciente minha ficar de fora. Mas no Superfície, por exemplo, sou protagonista e estou produzindo também. Mas é um outro processo, os erros que tivemos antes já foram corrigidos – terei outros, mas é assim que se faz (risos). Vou experimentar isso agora. É muito legal, é uma experiência. Viabilizar teu trabalho.
O que esta história tem de especial para ter capturado tua atenção?
Desde que a li pela primeira vez determinei que queria fazer parte. Sou ator, quero falar de relações humanas, e quero ir ao cinema e ver um ator entregue fazendo um ser humano. Não quero ver o estereótipo, e sim personagens de carne e osso. O ofício de atuar é constantemente a busca de fazer o ser humano. Um dos grandes mestres que tive a oportunidade de conhecer foi o ator Sotigui Kouyaté, conhecido por ter trabalhado muito com o Peter Brook, era um verdadeiro monstro! Ele dizia que a função do intérprete é mostrar para o ser humano como é ser humano! Isso me marcou a ferro e fogo! No A Oeste do Fim do Mundo o que me marcou foi o drama dos personagens, esse momento de estar à deriva na vida, e queria falar sobre isso!
Qual foi a maior dificuldade que vocês enfrentaram durante as filmagens?
A maior dificuldade pra mim, enquanto produtor, foi que nesse mesmo lugar que fizemos o nosso filme tinha sido rodado anos antes o Sete Anos no Tibet (1997), com o Brad Pitt! Imagina a proposta de orçamento que nos apresentaram! Todos os valores estavam super inflacionados! Nós chegamos com uma produção muito humilde, e o pessoal de lá achando que estavam falando com Hollywood! Tivemos que trazer uma coisa pé no chão, falando não em dólares, mas em pesos e reais! Com o tempo as coisas, no entanto, acabaram se encaixando. Me envolvi total com a cidade, seis meses indo e vindo de lá pra cá! Era quase um vereador, criei um vínculo forte com a comunidade local. E essa é uma equipe de pessoas que estão há muito tempo juntos, é quase uma família. É inevitável que acabem se envolvendo. É como um circo que chega na cidade! Estávamos na Região de Mendoza, onde o clima é fantástico, durante o dia fazia um calor horrível, e à noite uma média de 5 graus! Um plano nosso era que ninguém podia ficar doente, tinha que cuidar com a desidratação. Nunca tomamos tanto suco!
A Oeste do Fim do Mundo é uma coprodução com a Argentina. Por que é tão raro presenciarmos mais parcerias deste tipo?
Apesar de termos ganho um prêmio de coprodução, com a ANCINE e INCAA, criado pelas duas instituições, ainda assim foi muito complicada a prestação de contas! Tem toda uma burocracia que dificulta esse processo. Comprovantes de pagamento de um país não valem no outro, é tudo muito difícil. Mas deixando isso de lado, a experiência foi muito boa. A produtora argentina, a Bipolar, foi uma grande parceira, e pra gente foi tranquilo. Um processo legal. As pessoas podem estar acostumadas com coproduções Ibermedia, em que os espanhóis são majoritários, e o que geralmente acontece é que perdemos a autonomia. E não foi esse o nosso caso! O A Oeste do Fim do Mundo vai ser lançado na Argentina, e há mais de dois anos não entra um filme brasileiro no país! E porque isso acontece? Não sei! Então, acredito que isso vá facilitar um pouco. Vamos lançar em mais de dez países na América Latina, é um filme falado em português e espanhol o tempo inteiro, e se comunicam. É uma realidade, é o que acontece.
A Oeste do Fim do Mundo foi premiado no Festival de Gramado e já passou por diversos outros festivais e mostras. Como vocês tem percebido a recepção ao filme até agora?
O filme foi muito bem recebido. Claro que sabemos que não irá fazer milhões de espectadores, até porque não é esse tipo de filme, mas tem um nicho de público muito interessante. É uma história humana, universal. Não gosto de falar em filme de arte, de autor, mas é uma proposta diferenciada. São roteiros sem malabarismo, pra quem gosta de ir ao cinema e ver uma história bem contada. Tanto que está sendo bem recebido! Em festivais é complicado, é sempre uma maratona, são sempre muitas opções e tudo ao mesmo tempo. Não sei se é o melhor lugar para se assistir a um filme. Tu não consegue, é muita coisa. Mas mesmo assim fomos bem recebidos, ganhamos até Júri Popular! Tocou as pessoas, né? E temos o diferencial da áudio-descrição, inclusive em sessões em horários comerciais em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, pelo menos uma sessão diária, o que é um esforço que estamos fazendo e que é muito bacana! Tentar levar o filme ao maior número de pessoas possíveis, trabalhar também o interior, por todos os lados!
Depois de A Oeste do Fim do Mundo, você coproduziu também o documentário Janeiro 27. Prefere te fixar nesta área cada vez mais ou irá sempre intercalar com a atuação?
A ideia de produzir é para viabilizar os meus trabalhos enquanto ator. Fazer o que tenho vontade. Às vezes, como intérprete, podemos nos acomodar só esperando por um convite, por um roteiro. E acabamos, muitas vezes, fazendo algo que nem era tão interessante, mas só por fazer. O Janeiro 27 foi até uma questão afetiva, perdi pessoas queridas nesse acidente trágico de Santa Maria, inclusive pessoas que trabalhei junto no longa Os Senhores da Guerra (2014)! Então, quando veio a possibilidade de fazer esse documentário, o abracei na hora. Buscamos uma integridade, evitando o sensacionalismo. É um contraponto a algumas reportagens televisivas que foram horrorosas, que só exploraram a desgraça das pessoas! Então fomos fazer algo respeitoso. Eu fiz até câmera, me envolvi em tudo. Tenho vontade de fazer tudo no cinema! O Paulo José, com quem trabalhei na série Na Forma da Lei (2010), dizia que não queria ser só um ator, e sim um homem das artes, um cara que está sempre em movimento, e é nisso que me inspiro. Quero poder fruir, sempre.
Quais são teus próximos trabalhos já confirmados?
Tenho o A Superfície da Sombra, que é uma adaptação de um conto do Taylor Diniz, que iremos rodar em fevereiro, e imaginamos nos divertir muito. É a história de um cara que recebe um telefonema da filha de uma amiga, que estaria muito doente e precisa falar com ele. Ele vai para essa pequena cidade na fronteira com o Uruguai – outra coprodução – e no enterro só tem o coveiro, a filha e ele. Uma cidade maluca, estranheza, tem um circo… todo mundo é meio estranho. Ele é um produtor musical, de banda de rock, com o dedo podre… só encontra caras folclóricos! O coveiro será o Cesar Troncoso, que à noite canta tangos num bar. São personagens quase oníricos, muito estranhos. Esse filme vai ser um barato. E depois temos a segunda temporada do Animal (2014), o seraido que fizemos para a televisão e que será exibido no ano que vem. Por fim, talvez pinte minha primeira direção em ficção, a partir de um roteiro meu, para televisão. Tudo junto!
(Entrevista feita ao vivo por telefone em Porto Alegre no dia 27 de agosto de 2014)
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